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O sangramento prévio é indicador importante na previsão de hemorragia futura em MAVs, sendo lógico distinguir lesões que já sangraram (rotas) daquelas que ainda não (sem ruptura; não rotas) (GEIBPRASERT et al., 2010; HERNESNIEMI et al., 2008; STEIN; KADER, 1992). Isto é fundamental, pois a história natural de MAVs previamente rotas pode ser diferente das não rotas, influenciando o tratamento (MOHR, 2008; STAPF et al., 2006b). Em relação às MAVs não rotas, as MAVs rotas têm taxas mais altas de ressangramento, particularmente no primeiro ano após o evento inicial (DERDEYN et al., 2017). Desse modo, a característica mais aceita como fator influente no aumento do risco de ruptura e hemorragia futura de uma MAV é a apresentação hemorrágica prévia, observando-se que a incidência anual de hemorragia pode subir rapidamente de um intervalo de 2% a 4% em MAVs cerebrais sem ruptura (não rotas; e sem tratamento)

para intervalo de aproximadamente 38% a 71% em MAVs com quadro inicial de HIC (rotas) (DA COSTA et al., 2009; MAST et al., 1997; POLLOCK et al., 1996; STAPF et al., 2006a).

Os pacientes que se apresentam com um evento hemorrágico têm maior risco de hemorragia subsequente em suas MAVs (LAAKSO; HERNESNIEMI, 2012; PEKMEZCI et al., 2016). A apresentação hemorrágica prévia de MAV é o fator de risco independente mais forte para a ocorrência de hemorragia subsequente no curso natural da lesão não tratada (KIM et al., 2007; STEIN; KADER, 1992). Este efeito parece ser maior no período de tempo inicial, após o diagnostico, e reduz aproximadamente para a metade a cada década adicional de acompanhamento (KIM et al., 2007). Em meta-análise sobre a história natural de MAVs cerebrais, Gross e Du (2013) reportaram que a apresentação hemorrágica prévia foi o maior fator de risco para ocorrência de hemorragia subsequente no seguimento futuro destas anomalias.

Um estudo conduzido por Kim et al. (2014), como parte integrante do estudo (projeto) MARS (Multicenter AVM Research Study; estudo multicêntrico de pesquisa de MAV cerebral), analisou MAVs cerebrais não tratadas, buscando identificar fatores de risco para HIC no curso da história natural dessas lesões. Trabalhando com dados de pacientes originados de 4 coortes existentes (meta-análise), este estudo (KIM et al., 2014) identificou a idade crescente e a HIC na apresentação da MAV como fatores de risco significativos e independentes para ocorrência de hemorragia durante o seguimento. Os autores identificaram que o risco anual do primeiro episódio de hemorragia intracraniana (HIC) em pacientes com MAVs foi de 1,3% por ano, aumentando para 4,8% em pacientes que tiveram um evento prévio de HIC relacionado à MAV. O referido estudo MARS não identificou nenhum fator de risco específico para HIC em MAVs não rotas. Destacou, ainda, a necessidade de serem identificados novos fatores de risco para HIC no curso não tratado de MAVs não rotas, a fim de estimar os riscos com precisão e de criar modelos de predição de riscos personalizados para os pacientes (KIM et al., 2014).

Na já referida meta-análise sobre a história natural das MAVs, Gross e Du (2013) relataram que o risco anual de ocorrência de um primeiro episódio de hemorragia foi de 2,2%, assim como o risco anual de ressangramento foi de 4,5%. Na revisão da literatura sobre tratamento e história natural das MAVs realizada por Morgan et al. (2017), tais autores propuseram que as taxas de ruptura anual

relatadas por Gross e Du (2013) e por Kim et al. (2014) no projeto (estudo) MARS, podem ser extrapoladas para taxas de ruptura cumulativas, utilizando uma equação derivada da regra de crescimento. Empregando esta equação e aplicando as estimativas de risco anual fornecidas por Gross e Du (2013) e Kim et al. (2014), Morgan et al. (2017) afirmaram que o risco anual de ocorrer uma primeira hemorragia pode ser projetado numa variação entre 6% e 11% em 5 anos de seguimento, entre 12% e 20% em 10 anos e entre 23% e 35% em 20 anos. Para MAVs rotas, utilizando o mesmo procedimento, o risco de ocorrer nova hemorragia pode ser projetado em aproximadamente 21% com 5 anos de follow-up, em 37% com 10 anos e em 60% com 20 anos de seguimento (MORGAN et al., 2017). No entanto, devido ao curto período de follow-up nas séries de pacientes com hemorragia (em comparação com pacientes sem hemorragia), Morgan et al. (2017) sugeriram que se deve ter cautela ao aplicar as projeções de risco cumulativo de nova ruptura de MAV para além de um período de 10 anos de acompanhamento.

Ainda de acordo com Morgan et al. (2017), as conclusões derivadas de um outro estudo de risco hemorrágico, conduzido por Hernesniemi et al. (2008), podem ser generalizáveis para outras populações. Morgan et al. (2017) aplicaram regressão polinomial aos dados de Hernesniemi et al. (2008), resultando em um risco acumulado de hemorragia futura de MAVs, na ausência de tratamento, estimado em aproximadamente 8%, 16% e 29% aos 5, 10 e 20 anos respectivamente, após o diagnóstico de MAV sem hemorragia (não rota). Para MAVs que se apresentaram com hemorragia prévia (rotas), este risco foi estimado em 21%, 35% e 45% aos 5, 10 e 20 anos do diagnóstico. O risco hemorrágico anual estimado seria de aproximadamente 1,8% para MAVs não rotas e, para MAVs rotas, esse risco seria de 4,7% durante os primeiros 8 anos do diagnóstico, seguido de risco igual ao das MAVs não rotas (1,8%), nos anos seguintes (MORGAN et al., 2017).

Kim et al. (2014) afirmaram que a compreensão do risco hemorrágico no curso das MAVs é crucial para a tomada de decisões terapêuticas, especialmente nos casos sem ruptura, já que hemorragia prévia é fator de risco conhecido para sangramento futuro e determina uma terapêutica mais intervencionista destas lesões. Illies et al. (2012) relataram que a hemorragia prévia pode causar alterações hemodinâmicas da MAV, modificações que persistiram por muito tempo após a hemorragia e que não diminuíram com o tempo.

Um estudo prospectivo foi conduzido por Laakso et al. (2011), para investigar a história natural de 63 pacientes com MAVs de alto grau (categorias IV e V de Spetzler-Martin) não tratadas. Os autores verificaram que, em pacientes que tiveram apresentação hemorrágica (hemorragia prévia) de suas MAVs, a taxa anual de hemorragia foi de 6,0%, em comparação com taxa de 1,1% de hemorragia em pacientes com MAVs sem hemorragia prévia (não rotas) (p = 0,013). De todos os fatores de risco avaliados, apenas a ruptura com hemorragia prévia foi um fator de risco independente para hemorragia subsequente. Estes autores também relataram que as MAVs de alto grau não tratadas que se apresentaram com hemorragia (ruptura prévia), apresentaram maior risco cumulativo de sangramento subsequente (risco de aproximadamente 60% ao longo de 20 anos e de 90% em 40 anos). Esta ruptura com hemorragia subsequente apresentou maior risco de fatalidade e morbidade permanente em relação às MAVs em geral (LAAKSO et al., 2011).

Shotar et al. (2017) buscaram identificar fatores preditivos individuais de ressangramento precoce após a ruptura de MAV, bem como determinar o seu impacto no prognóstico (mortalidade intra-hospitalar e pontuação mRS a partir de 3 meses após evento). O ressangramento precoce foi definido como evento de HIC espontânea dentro de 30 dias após a ruptura da MAV em pacientes com lesões não tratadas (não totalmente obliteradas). No total, foram incluídos no estudo 151 pacientes portadores de MAVs com eventos hemorrágicos. Foram observados 8 eventos de hemorragia subsequente (ressangramento) precoce, dos quais 6 ocorreram durante os primeiros 7 dias. O ressangramento precoce foi associado de forma independente e significativa a um desfecho neurológico desfavorável (mRS ≥ 3 a partir de 3 meses; p = 0,004), mas não foi associado com mortalidade intra- hospitalar (SHOTAR et al., 2017). Os aneurismas distais relacionados ao fluxo associados às MAVs (p = 0,009) e um estado alterado de consciência, caracterizado por escore da escala de coma de Glasgow (TEASDALE; JENNETT, 1974; TEASDALE et al., 2014) igual a 3, foram independentemente associados com ressangramento precoce (p = 0,01) (SHOTAR et al., 2017). Os achados mostraram que o sangramento subsequente precoce é uma grave complicação que pode ocorrer após a hemorragia relacionada à MAV (SHOTAR et al., 2017).

Ma et al. (2017b), avaliaram todas as crianças portadoras de MAVs não tratadas admitidas em sua instituição entre 2009 e 2014, buscando avaliar o resultado clínico após a ruptura destas MAVs e identificar preditores da ocorrência

de hemorragia grave (definida como um evento com pontuação mRS > 3 ou que necessitou de uma evacuação de hematoma de emergência). Um total de 134 pacientes pediátricos portadores de MAVs sem tratamento foram identificados, contando com 82 MAVs rotas (61,2%) e 52 MAVs não rotas (38,8%), sendo verificado que em 7 pacientes ocorreram eventos hemorrágicos subsequentes. Considerando toda a coorte, a taxa anual de ocorrência de hemorragia subsequente grave foi de 1%. Analisando apenas crianças cujas MAVs tiveram apresentação hemorrágica prévia, essa taxa foi de 3,3%. Já a taxa anual global de hemorragia subsequente (não graves e graves) foi de 2,8% considerando toda a coorte e de 7,9% no subgrupo de crianças cujas MAVs tiveram hemorragia prévia (MA et al., 2017b).