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Os riscos inerentes à história natural das MAVs podem ser quantificados de forma confiável, podendo os pacientes ser informados sobre eles (DERDEYN et al., 2017). Na opinião de Padilla-Vazquez et al. (2017), as MAVs devem ser consideradas entidades únicas e diferentes entre si, já que cada uma delas pode ter características que conferem um risco de ruptura e hemorragia individualizado.

Foram descritos dois métodos para estimar o risco anual de HIC decorrente de MAV cerebral: o método tradicional, que utiliza a data do diagnóstico da lesão como ponto de partida para o período de seguimento e termina quando ocorrer evento de ruptura com HIC; e outro método, que utiliza a data de nascimento do paciente como ponto de partida para o seguimento e vai até o primeiro episódio de HIC, sendo o paciente retirado do estudo na data do diagnóstico (KIM et al., 2010). Um problema do método tradicional descrito é que a maioria dos pacientes com MAVs é rapidamente retirada dos estudos clínicos porque acabam passando por algum tipo de tratamento intervencionista (KIM et al., 2010).

Estudo epidemiológico conduzido por Kim et al. (2010), comparou quantitativamente essas duas estratégias de análise do período de sobrevivência em 1.581 pacientes portadores MAV cerebral do norte da Califórnia (2000-2007). Os autores não encontraram diferença estatisticamente significativa entre as taxas de hemorragia estimadas através destes dois métodos. Após modificação no período de tempo nascimento-diagnóstico, foram obtidas curvas de sobrevivência semelhantes de HIC (p = 0,979). Ao comparar as duas curvas de linha de tempo, houve um deslocamento de 10 anos entre elas, sugerindo uma mudança biológica em torno de 10 anos de idade que influencia a história natural da MAV e o risco de HIC (KIM et al., 2010). Laakso et al. (2011) comentaram que o verdadeiro e ideal "tempo zero" para iniciar o acompanhamento de MAVs situa-se entre o nascimento e o tempo de apresentação, mas, como esse ponto de tempo (provavelmente difuso) não pode ser determinado retrospectivamente, a maioria das pesquisas sobre MAVs inicia o follow-up no momento da apresentação clínica da lesão.

Conger et al. (2015) realizaram revisão da literatura para esclarecer o conhecimento existente sobre a história natural das MAVs e elucidar a utilidade das escalas de avaliação de risco para cada modalidades de tratamento. Os autores descreveram sistematicamente o diagnóstico e avaliação de pacientes com MAVs e esclareceram métodos de estimativa da história natural esperada e do risco previsto de tratamento das MAVs. Estes autores também relataram que, combinando as taxas anuais de sangramento com os fatores de risco individuais para ruptura da MAV e com a expectativa de vida do paciente, é possível obter-se uma estimativa do risco de hemorragia ao longo do tempo de vida do indivíduo.

Esta quantificação do risco de hemorragia ao longo do tempo de vida do paciente tem sido calculada por duas fórmulas. Uma delas foi proposta por

Kondziolka, Mclaughlin e Kestle (1995), onde temos que o Risco de Ruptura = 1 – (risco de não ocorrer hemorragia)(espectativa de vida), ressaltando-se que o “riscode não ocorrer hemorragia” seria o mesmo que afirmar “chance de permanecer livre de hemorragia”, no período de um ano, e que “espectativa de vida” seria o mesmo que os anos de vida remanescentes do indivíduo.Na outra fórmula, proposta por Brown Jr. (2000), temos que Risco de Ruptura = 105 – idade do paciente. Os pressupostos da fórmula proposta por Kondziolka, Mclaughlin e Kestle (1995) são um risco anual constante de hemorragia e comportamento independente de todos os anos de seguimento do paciente. Em contrapartida, Brown Jr. (2000) observou que a sua fórmula seria uma maneira mais simples de se aproximar do risco de hemorragia ao longo da vida em pacientes com MAV cerebral. Os resultados obtidos utilizando-se a fórmula de Brown Jr. (2000), cuja utilização na prática clínica é simples, aproximam- se muito do risco de hemorragia que seria calculado pela fórmula de Kondziolka, Mclaughlin e Kestle (1995), considerando-se uma taxa de risco anual de hemorragia atribuível às MAVs de 3% (BROWN JR., 2000).

Estabelecer a probabilidade de ruptura e os possíveis fatores anatômicos e demográficos que afetam esse risco requer estudos de acompanhamento a longo prazo em grandes coortes de pacientes com MAVs não tratadas, preferencialmente com o menor viés de seleção relacionado ao tratamento possível (LAAKSO; HERNESNIEMI, 2012). De acordo com Laakso e Hernesniemi (2012), uma fórmula adequada para estimar o risco de hemorragia durante a vida (probabilidade cumulativa de hemorragia) decorrente de uma MAV não tratada seria: 1 – (1 – p)t , onde “p” é a probabilidade anual de hemorragia e “t” é o tempo de risco em anos, considerando que o risco permanece constante ao longo do tempo de vida. Infelizmente, o risco de ruptura em MAVs não tratadas parece não ser estável ao longo dos anos, e uma explicação hipotética para esse fato seria algum tipo de desestabilização hemodinâmica ocorrendo na MAV próximo ao período em que a lesão se torna sintomática (LAAKSO; HERNESNIEMI, 2012).

Morgan et al. (2017) igualmente destacaram que o pressuposto de que o risco de hemorragia subsequente é constante pode estar incorreto. A idade do paciente é importante na determinação do risco cumulativo de ruptura da MAV durante a expectativa de vida do indivíduo, cabendo observar que a idade jovem pode justificar tratamento agressivo, pois o risco cumulativo é mais alto (KRETSCHMER; HEROS, 2011).

A classificação de MAVs proposta por Spetzler e Martin (1986) permite aos neurocirurgiões avaliar a complexidade dessas lesões vasculares e estimar a morbidade e o risco cirúrgico. Além deste tradicional sistema de graduação, outras classificações de MAVs foram descritas. No entanto, nenhuma delas considera o risco de sangramento associado às MAVs, não sendo capazes de diferenciar de forma acurada os pacientes com baixo risco dos pacientes com alto risco hemorrágico (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017). Adicionalmente aos argumentos acima expostos, a terapêutica das MAVs cerebrais não deve se basear apenas em fatores anatômicos, pois as variáveis hemodinâmicas podem fornecer uma visão mais ampla do comportamento dessas lesões, melhorando a avaliação do risco de hemorragia em cada caso individualmente (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

Padilla-Vazquez et al. (2017) realizaram um estudo cujo objetivo foi propor um novo sistema de classificação que considere fatores hemodinâmicos e anatômicos para fazer uma estimativa do risco de hemorragia em pacientes com MAVs cerebrais. Segundo estes autores, esta nova classificação pode ajudar a diferenciar pacientes com alto risco de sangramento, que necessitam de tratamento agressivo, de pacientes com baixo risco de sangramento, que se beneficiariam mais do tratamento conservador. Este referido estudo foi do tipo retrospectivo, tendo analisado 639 pacientes diagnosticados com MAVs rotas e não rotas (entre 2006 e 2015), no Instituto Nacional de Neurologia e Neurocirurgia da Cidade do México (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

Padilla-Vazquez et al. (2017) propuseram um novo escore de classificação (de 1 a 4 pontos) para o risco de ruptura de MAVs, através da utilização de 3 fatores: velocidade média (Vm) da artéria nutridora da MAV, tamanho do nidus da malformação e tipo de drenagem venosa da lesão. Inicialmente, estes autores analisaram os odds ratios (ORs) para a ocorrência de sangramento em faixas estratificadas de Vm (cm/s) nas artérias nutridoras aferentes e de tamanho do nidus (cm), a fim de obter os maiores valores de estimativa de risco (ORs) relacionados às MAVs rotas. Os pesquisadores em apreço optaram por um modelo dicotômico para ser incluído no modelo de regressão, incluindo as seguintes categorias: Vm > ou < 90cm/s; tamanho do nidus > ou < 3cm; tipo de drenagem de acordo com os padrões venosos encontrados nas angiografias cerebrais. Conforme relatado por Padilla- Vazquez et al. (2017), os pontos de corte (valores limites) das velocidades médias arteriais e dos tamanhos dos nidus foram obtidos a partir de uma análise prévia

realizada pelo grupo dos autores, na qual foi estimada a razão de chances (odds ratio; OR) de sangramento em pacientes com diferentes valores categóricos. Esta nova classificação apresentada é calculada a partir dos pontos das 3 variáveis; Vm (escores 0 ou 1), tamanho do nidus (escores 0 ou 1) e tipo de drenagem venosa (escores 1 ou 2). Assim, a classificação fornece uma escala categórica cujo grau (ou nota) é determinado pela soma dos pontos em cada categoria de variáveis. O escore mínimo é de 1 ponto, o qual demonstrou menor risco de sangramento, e o escore máximo é de 4 pontos, o qual correspondeu a um maior risco de sangramento (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

No estudo dos autores citados acima, a partir de um total de 639 pacientes portadores de MAVs cerebrais, 388 (60%) deles apresentaram MAVs não rotas e 251 (40%) deles tiveram MAVs rotas (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017). A influência das variáveis velocidade média (Vm) das artérias nutridoras da MAV, tamanho do nidus e tipo de drenagem venosa na probabilidade (chance) de hemorragia foi considerada significativa (p = 0,0001). Análise de regressão logística revelou um efeito significativo da Vm na artéria nutridora, do tamanho do nidus e do tipo de drenagem venosa na contabilização da variabilidade das chances de ruptura (p = 0,0001) em pacientes com MAVs. Esta análise indicou que a classificação proposta, com suas variáveis anatômicas e hemodinâmicas, explicou melhor a variabilidade das chances de sangramento em pacientes com MAVs em comparação com a classificação de Spetzler-Martin (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

O modelo de previsão de probabilidades (chances) de sangramento no contexto das MAVs obtido pelo grupo Mexicano de Padilla-Vazquez et al. (2017) permitiu a classificação correta de 80,3% dos pacientes sem hemorragia cerebral e de 77,3% dos pacientes com hemorragia cerebral. Com base nos odds ratios (ORs; razões de chances) obtidos por estes autores, os graus 1 e 2 da classificação proposta corresponderam a baixo risco de hemorragia, enquanto que os graus 3 e 4 foram associados a um alto risco de hemorragia. O risco de sangramento das MAVs aumentou linearmente com o aumento dos valores dos escores da classificação proposta. Conforme os autores, no seu estudo, os escores da classificação de Spetzler-Martin não foram associados com o risco de sangramento das MAVs (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

A classificação baseada nos escores de 1 a 4, proposta por Padilla-Vazquez et al. (2017), mostrou uma associação entre variáveis anatômicas e hemodinâmicas

e o risco de ruptura em pacientes com MAVs cerebrais, sendo, portanto, útil na avaliação das probabilidades de hemorragia dessas malformações. A nova classificação proposta é fácil de usar, podendo permitir a individualização de cada MAV e a avaliação do risco de ruptura com base em um modelo de categorização. A escala proposta pode ajudar a estabelecer uma hierarquia para cada MAV baseada em variáveis angiográficas e hemodinâmicas, permitindo, assim, não apenas a avaliação de um risco de sangramento exclusivo e específico, mas também a determinação precisa do tratamento ideal (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).

Em contraste, Padilla-Vazquez et al. (2017) ressaltaram que, especificamente nestes tipos de shunts representados pelas MAVs, não é possível generalizar o risco de ruptura obtido, o que confere uma limitação ao modelo proposto que é comum a todas as escalas de classificação de MAVs. Estes autores afirmaram ser importante esclarecer que o modelo de regressão logística proposto foi fenomenológico, no sentido de que a seleção das variáveis não foi diretamente derivada da teoria, mas sim originada de observações experimentais e empíricas. Não obstante o fato de que a abordagem fenomenológica utilizada para a criação do modelo de regressão forneceu informações sobre a significância das variáveis propostas para explicar o risco de ruptura das MAVs, o uso de uma abordagem preditiva na criação de um modelo será necessário em um futuro estudo, para quantificar a previsibilidade das variáveis fenomenológicas escolhidas (PADILLA-VAZQUEZ et al., 2017).