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A Informação é Capital?

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 41-44)

3. A Informação como Capital

3.2 A Informação é Capital?

Neste sentido, há de se perguntar: a informação pode ser considerada um tipo de capital? Ou, em outras palavras, a informação pode ser convertida em capital financeiro? A resposta depende de um importante fator: a disponibilidade. Considere-se o seguinte exemplo: um bilhete de loteria que tem cinquenta por cento de chances de pagar dez reais. Quanto vale o bilhete? Talvez ele pague dez reais e talvez ele não pague nada. Mas em um universo estatisticamente relevante – um milhão de bilhetes – a média de prêmios ficará próxima de cinco reais por bilhete. Se cada bilhete for comprado por quatro reais, o comprador

40 pode perder dinheiro ocasionalmente, mas é certo que vai ter lucro no longo prazo. Mas este cenário pressupõe que ninguém sabe, de antemão, se um bilhete está premiado. Alguém que tenha acesso exclusivo a essa informação poderia comprar bilhetes premiados oferecendo seis reais por cada; o vendedor, com a percepção de que seu bilhete vale cinco e sem saber do resultado, venderá com o objetivo de lucrar um real. O comprador, sabendo do resultado, lucra quatro. Da mesma forma, o possuidor da informação privilegiada poderia vender um bilhete que sabe que não está premiado ao preço de quatro reais, dando ao comprador a falsa sensação de estar comprando, por este preço, um bilhete que vale cinco e, assim, lucrando sem risco. Por outro lado, no caso da informação de premiação do bilhete ser de conhecimento amplo, o bilhete premiado valerá dez reais e o que não for premiado não valerá nada. A oportunidade de converter informação em capital some na medida em que deixa de ser restrita. A informação abundante diminui o potencial de exploração individual do seu valor capital. A precificação do bem é feita de forma justa e embasada, e some a possibilidade de ganhos grandes e rápidos tão cara ao capital especulativo. Da mesma forma que o ar e o ouro, o valor da informação depende de sua restrição (TREGARTHEN; RITTENBERG, 2000)16.

Com a compreensão da complexidade das redes que constituem o espaço urbano e das diferentes formas de apresentação do capital na era da informação, é possível começar a dissecar as forças que atuam no desenvolvimento das cidades. Este desenvolvimento depende da somatória de incontáveis decisões e atitudes tomadas por seus diferentes agentes. Ainda que as escolhas específicas de um indivíduo não possam ser previstas, o movimento da sociedade como um todo apresenta tendências que podem ser conhecidas e, em certa medida, previstas. A variação anual relativamente pequena de qualquer indicador que envolva as escolhas individuais de milhões de pessoas demonstra isso: podemos não saber exatamente quantos carros serão vendidos no mundo no ano que vem, mas é possível afirmar com absoluta certeza que, independente de conjuntura internacional, política e econômica, o número não será radicalmente diferente do que for verificado este ano (MLODINOW, 2009). Uma mudança de 20% para cima ou para baixo já seria digna de nota; uma variação de 50% já é extremamente improvável. Não é necessário conhecer cada um indivíduo para saber disso: basta entender que a motivação para comprar um carro é parte de uma rede extremamente complexa e que, aconteça o que acontecer, essa rede não se alterará tão completamente a ponto de justificar uma mudança radical de um ano a outro. Algumas dessas tendências são fáceis de prever: se existirem duas lojas semelhantes em locais próximos, oferecendo produtos e serviços similares a preços distintos, é razoável

41 afirmar que a loja que vender mais barato venderá em maior quantidade. As relações que envolvem dinheiro não são complexas, dada a natureza de commodity do equivalente universal (MARX, 1889).

Na sociedade informacional de hoje, no entanto, o capital se apresenta de diferentes formas, e a conversão que se faz entre eles e o equivalente universal de valor de troca é sempre subjetiva. Quanto vale o conforto, a educação ou o prestígio social? O contexto e as experiências pessoais são fundamentais para esta definição. A somatória das escolhas que os indivíduos fazem com base em suas percepções individuais das equivalências entre as diferentes formas de capital moldam os rumos da cidade. Quanto maior um apartamento deve ser para justificar dez minutos diários gastos a mais no caminho para o trabalho? Qual grau de poluição sonora pode ser tolerado até que o morador prefira pagar um aluguel maior – e quanto maior – em outro lugar? Qual a rapidez, conforto e custo de tarifa de transporte público justificaria que diferentes pessoas deixem seus carros em casa – ou estruturem suas vidas para não precisar ter um?

Estas são decisões subjetivas que cada cidadão toma cotidianamente, normalmente de forma subconsciente. A forma mais imediata com que elas impactam a rede urbana atualmente é por meio das relações financeiras: comprar um apartamento, um carro, a tarifa do ônibus ou um aluguel maior são formas de moldar, inconscientemente, o ambiente em que se vive. Se o transporte público é tão precário que a maioria das pessoas sacrifica outros aspectos da sua vida para comprar um carro, essa decisão gera impactos na indústria automobilística, no trânsito da cidade e nos investimentos públicos, por exemplo. Por outro lado, se o ônibus é desconfortável, mas não tanto que justifique a busca de alguma alternativa a ele, sofre-se calado; desta forma, as decisões do cidadão geram efeitos apenas na sua qualidade de consumidor. Se os sentimentos pessoais na vivência da cidade, positivos ou negativos, não são tão fortes que justifiquem uma opção financeira (ou eleitoral), ela se torna irrelevante para a cidade. Ou seja, estamos constantemente moldando a cidade, mas predominantemente por um viés financeiro (e, de tempos em tempos, eleitoral - este, em grande parte composto pelo campo financeiro, dada a legislação que permite o financiamento privado de campanhas). Em muitos aspectos a cidadania é exercida por meio do consumo, e não de ações diretas que influenciem a produção do espaço urbano.

As escolhas individuais, frequentemente subjetivas, têm, no longo prazo, efeitos objetivos; e a capacidade de cada cidadão de otimizar esta dinâmica depende diretamente da quantidade e qualidade da informação a que ele tenha acesso. Explorar a ineficiência com que se acessa este tipo de informação é, assim, uma forma de converter a informação em capital por meio de sua restrição.

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No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 41-44)