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Evolução no tempo

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 147-152)

7. Mobilidade Urbana a Partir de Dados Reais

7.3 Linhas isócronas a partir do Waze

7.3.5 Evolução no tempo

A principal crítica que este trabalho faz ao planejamento tradicional é a incapacidade de responder rapidamente à dinâmica urbana. Entre identificar um problema, decidir agir sobre ele, desenhar hipóteses, discutí-las em audiências públicas e levar adiante os trâmites burocráticos necessários para implementá-las, é comum que anos se transcorram. Neste tempo o problema pode ter sumido, se agravado ou mudado completamente suas características. Uma área no limite do uso de sua infraestrutura, por exemplo, pode ter ultrapassado o ponto da resolução com a redução dos limites de adensamento, atingindo um nível em que investimentos mais pesados em infraestrutura urbana se justifiquem, fazendo surgir a possibilidade de que exacerbar o adensamento, e não o restringir, se configure como política desejada82; as políticas efetivamente colocadas em prática são, o mais das vezes,

direcionadas ao que a cidade era alguns anos antes (como será discutido no Capítulo 8). Para esta seção, os dados de linhas isócronas foram levantados no começo de quatro meses: março, maio, agosto e novembro de 2015. O objetivo foi comparar como estas linhas evoluíram ao longo destes meses para entender com que velocidade as mudanças na mobilidade de automóveis aconteceram.

82 O assunto é, naturalmente, complexo, razão pela qual não se aborda aqui um caso específico. Basta dizer que uma distribuição eficiente de área construída de infraestrutura é um dos principais objetivos do planejamento urbano. Como a forma de buscar esse objetivo varia de região para região e leva em conta uma infinidade de nuances locais, fugir de soluções generalizadas ou índices que se supõem válidos internacionalmente requer vigilância constante. Quando se lida com cidades inteligentes, há uma tênue linha entre criar as bases para que as pessoas planejem seu espaço e propor soluções generalizantes.

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Figura 33 – Evolução dos tempos médios de deslocamento para os 900 pontos em Belo Horizonte, a partir da Praça Sete de Setembro, ao longo do dia e em quatro meses diferentes. Dados extraídos do Waze no início dos meses indicados.

A Figura 33 mostra o desenho da evolução dos tempos médios de deslocamento ao longo do dia medidos em um período de oito meses. Sem acesso aos algoritmos internos do Waze não é possível identificarmos com precisão o nível de confiabilidade desses dados, mas a consistência das medições nos horários com baixa intensidade de trânsito, com desvio padrão de 7,6 segundos na faixa de horário entre 01:00 e 05:00, indica que as variações nos demais horários são significativas.

É de se esperar que uma parcela dessa evolução seja sazonal, e outra parcela decorra de variações de longo prazo. A medição de agosto, por exemplo, indica uma significativa diminuição na intensidade de trânsito às 07:00 e depois, novamente, às 13:00. Às 07:00, a média de agosto foi 3,45% menor do que a média dos demais meses. Esta redução está relacionada, pelo menos em parte, às férias escolares de julho, já que a medição foi feita no começo de agosto e o Waze usa médias móveis das semanas anteriores para fazer suas estimativas. Esta redução é significativa, já que se aplica a todos os deslocamentos de automóvel na cidade naquele horário83. Outro elemento de destaque no gráfico é a variação

do pico das 19:00: em março, a média deste horário chegou a 27,41 minutos, e, em novembro, este número caiu para 25,88. Esta redução pode estar relacionada à distribuição do trânsito no fim da tarde, já que as médias das 17:00 foram menores em março do que nos demais meses. Datas comemorativas, feriados comerciais e obras no sistema viário podem ter tido

83 Como visto no Capítulo 6, um aumento de 3,9% nos tempos de deslocamento em Nova Iorque gera um custo anual estimado de US$ 260 milhões, em tempo gasto no trânsito, aumento de poluição e de acidentes, etc.

15 17 19 21 23 25 27 29 1:00 3:00 5:00 7:00 9:00 11:00 13:00 15:00 17:00 19:00 21:00 23:00

Tempos médios de deslocamento ao longo do tempo

147 influência nestes valores. A média total dos tempos foi de 20,8 minutos em março; 20,94 em maio; 20,79 em agosto e 20,69 em novembro. Questões sazonais, a distribuição do trânsito ao longo do dia e os aumentos no preço da gasolina no período devem ter influenciado estes valores em algum nível. A medição sistemática deles ao longo do tempo pode permitir testar hipóteses e direcionar políticas públicas específicas.

Mais importante do que a evolução das médias ao longo do dia talvez seja o estudo da evolução destes valores em partes diferentes da cidade. A adequada distribuição temporal e espacial é uma forma simples de tornar a mobilidade urbana mais eficiente sem a necessidade de investimentos em infraestrutura, ou seja: a média total de tempo gasto no trânsito pode aumentar ou diminuir, mantendo o número de deslocamentos, as distâncias e o sistema viário constantes, se houver uma redistribuição temporal e/ou espacial dos deslocamentos. Este assunto será retomado no Capítulo 8.

A Figura 34 mostra, primeiro, as linhas isócronas das 19:00 medidas em março; os mapas subsequentes são a variação, positiva ou negativa, no tempo de deslocamento para cada um dos 900 pontos medidos em maio, agosto e novembro na comparação com março. Nota-se a importância de qualificar, espacialmente, as observações sobre a evolução dos tempos de deslocamento feitas anteriormente.

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Figura 34 – As linhas isócronas para deslocamentos a partir da Praça Sete de Setembro em março de 2015, às 19:00; e as variações em minutos, positivas e negativas, do tempo necessário para chegar a cada ponto do mapa a partir do mesmo ponto em maio, agosto e novembro do mesmo ano, na comparação com os dados de março. Dados extraídos do Waze nos primeiros dias de cada mês.

Em agosto, por exemplo, a média geral dos tempos de deslocamento às 19:00 variou negativamente apenas 1,22% na comparação com março. Os mapas mostram que essa variação se distribuiu de forma bastante desigual no espaço urbano, com substanciais variações negativas (tempos de deslocamento menores) na parte sul e variações positivas na região oeste e, sobretudo, na região norte. No mês de novembro, parte da piora no trânsito

149 nas direções norte e oeste retrocedeu, com tempos de deslocamento apenas levemente superiores aos verificados em março, mas persistiu a melhora nos tempos de deslocamento para a região sul, que concentrou praticamente toda a melhora verificada na comparação global de novembro com março. A força das variações em períodos de dois ou três meses indica a necessidade de acompanhamento do sistema viário em uma escala temporal menor do que a que é usada atualmente84, bem como a viabilidade de fazê-lo por meio de novas

tecnologias.

Não é apenas uma questão de eficiência urbana. O tempo gasto no trânsito não está sendo dedicado ao trabalho, ao lazer ou ao descanso; logo, uma pessoa que gaste vinte minutos por dia a menos no trânsito pode ganhar um salário 4,2% superior85, se dedicar este

tempo a uma jornada de trabalho maior; ou pode dedicar este tempo ao lazer, ao descanso ou a estudos. O cientista político Robert Putnam identificou que o tempo gasto nos deslocamentos de e para o trabalho é um dos dados com maior correlação negativa ao tempo dedicado a atividades comunitárias: para cada dez minutos gastos a mais no trânsito por dia, o engajamento comunitário decresce em 10% (PUTNAM apud SPECK, 2012). Isso tem consequências importantes para a cidade, como um todo; e, particularmente, quando se consideram tempos diferentes de deslocamento para cada bairro. Dentro do atual modelo de processos participativos, ter voz política depende da capacidade de dedicar tempo para se reunir, mobilizar os vizinhos e participar de audiências públicas, por exemplo. Desta forma, ainda que a participação esteja formalmente aberta a todos, é de se esperar que ela aconteça de forma mais acentuada nos bairros em que as pessoas tenham mais tempo para dedicar a estas atividades, o que resulta em uma dinâmica perversa de concentração de poder político e de renda: se obras de infraestrutura dependem de engajamento comunitário e se a quantidade de tempo dedicada a isto depende da disponibilidade de tempo, há uma tendência, paradoxal, a de que investimentos em infraestrutura sejam prioritariamente direcionados às regiões mais bem dotadas de infraestrutura, em um processo pouco visível de concentração de benesses urbanas86. Neste contexto, audiências públicas podem servir não para fomentar

a participação popular, mas para legitimar a concentração de privilégios. As interfaces possibilitadas pelas novas tecnologias devem ter isso em mente: além de possibilitar o acesso

84 A Lei de Uso e Acompanhamento do Solo em vigor em Belo Horizonte na redação deste texto, em 2015, apresenta, no Anexo II, um “Mapa das Áreas de Projetos Viários Prioritários” – a lei foi proposta em 2009 e aprovada em 2010 (BELO HORIZONTE, 2010).

85 Calculado com base em jornada de trabalho de oito horas diárias.

86 Esse fenômeno provavelmente explica o fato de que algumas das associações de moradores mais ativas são as dos bairros com maior concentração de renda, como, em Belo Horizonte, a do Lourdes, a do Belvedere e a do Santo Agostinho. [N. do A.]

150 a informações e ações sobre o planejamento, é crucial que elas objetivem a redução do custo de participação de forma equânime.

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