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As Lições da Tecnologia

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 68-72)

5. Cidade Aberta

5.6 As Lições da Tecnologia

Nos últimos anos os dispositivos de navegação para carro com localização por GPS se popularizaram. Algumas empresas surgiram e prosperaram vendendo equipamentos e mapas para alimentá-los, oferecendo também atualizações periódicas28. Empresas como a

TomTom começaram a oferecer, além dos mapas, informações sobre o trânsito que eram transmitidas diretamente para o aparelho por meio de ondas de rádio FM, mediante pagamento anual. A popularização dos sensores de GPS em aparelhos celulares, no entanto, tem afetado essas empresas. As ações da TomTom perderam mais de 90% do seu valor nos últimos 7 anos (TomTom NV (TOM2.AS) Financial Charts, 2014). Estas empresas perderam espaço para aplicativos baseados em crowdsourcing29 como o Waze, fundado em 2008. Na

maioria das regiões em que atua, o Waze não investe em levantamento e manutenção de dados. Quando chega em uma rua não cadastrada, o usuário pode fazer seu levantamento pelo seu aparelho celular e depois editar, pelo site, informações como o nome da rua, fluxo do tráfego, conversões proibidas e números dos imóveis. Outros usuários podem escrutinar e detalhar as informações. Uma vez cadastrada, informações como a velocidade do trânsito e a ocorrência de eventos (acidentes, obras etc.) são registradas automaticamente. Com base

28 Vendidas, por exemplo, em https://www.garmin.com/en-US/maps/updates/ - acesso em 20/01/2016. 29 Crowdsourcing são processos desenvolvidos com informação fornecida pelo público.

67 nestas informações, o aplicativo pode sugerir rotas aos usuários que levem em conta informações em tempo real e indiquem o caminho mais rápido.

O mérito do Waze não é criar e manter informações relevantes atualizadas, mas fornecer a plataforma para que os usuários o façam. Em regiões com poucos usuários empresas como a TomTom ainda se justificam; na medida em que o número de usuários cresce, no entanto, elas vão se tornando incapazes de atualizar manualmente os dados que, em aplicativos baseados em crowdsourcing, são extraídas de forma automática e atualizadas instantaneamente. A recursividade do fluxo de informações é clara: ao mesmo tempo em que obtém da plataforma informações atualizadas sobre o estado do trânsito, o usuário envia dados sobre as rotas que está tomando. Mesmo que não envie manualmente qualquer informação, como quando relata um acidente, e que não aprimore os mapas através da edição

online, o usuário está enviando dados sobre a velocidade do trânsito. Desta forma, cada

pessoa participa da plataforma em algum nível, e ninguém é apenas usuário – da mesma forma que ninguém é apenas editor. A empresa Waze permanece privada e o código-fonte do programa é de sua propriedade30, o que mantém a caixa preta do aplicativo pelo menos

parcialmente fechada; mas sua relevância está na quantidade de usuários e na capacidade de criar uma plataforma que sirva de interface entre esses usuários e a infraestrutura viária.

Outro exemplo da tecnologia da informação é o Linux. Os Sistemas Operacionais se popularizaram na década de 1980 com a criação dos computadores pessoais. A Apple31 e a

Microsoft32 gastaram e ainda gastam fortunas para desenvolver os sistemas que as

transformaram em gigantes da indústria (MURDOCK; DI BONA, 2005). Em 1991 o finlandês Linus Torvalds lançou o primeiro sistema operacional com código-fonte aberto: o Linux33.

Durante anos seu uso e desenvolvimento se restringiu a pequenos grupos de estudantes e profissionais com avançado conhecimento técnico, não se comparando, em número de usuários, com os sistemas proprietários das duas gigantes americanas; com a popularização da World Wide Web e o desenvolvimento de dispositivos computacionais variados, como aparelhos celulares, tablets, centrais multimídia e dispositivos de automação residencial, entre

30 Este assunto será retomado no Capítulo 6.

31 Sítio oficial da Apple: http://www.apple.com/, acesso em 14/01/2016. 32 Sítio oficial da Microsoft: http://www.microsoft.com/, acesso em 14/01/2016.

33 Pela natureza aberta do Linux, é possível construir diferentes sistemas operacionais em cima do núcleo do sistema (ou “kernel”, que é desenvolvido pela Linux Foundation). Por este motivo, há quem objecione a que se refira ao Linux como um sistema operacional, usando este termo para se referir às diferentes distribuições (ou “distros”) baseadas em Linux. Ian Murdock, criador da distribuição Debian, trata da questão: “To avoid confusion,

I will use the term ‘Linux’ to refer the operating system, following standard usage. When referring to just the Linux kernel, I will say ‘the Linux kernel.’” (MURDOCK; DI BONA, 2005)

68 tantos outros, sua popularidade cresceu exponencialmente. A complexidade de um sistema operacional justifica que se adote algum tipo de padrão, já que é necessário ter massa crítica capaz de desenvolvê-lo através da mesma linguagem; mas, por mais que possam contar com batalhões de desenvolvedores, as gigantes Apple e Microsoft não conseguem – ou não justificam comercialmente – investir na adaptação de seus sistemas a cada demanda específica (MURDOCK; DI BONA, op. cit.). Por este motivo, o Linux é, desde 2011, o sistema operacional mais usado no mundo, em número de aparelhos (TU, 2012). Apple e Microsoft ainda dominam o campo dos PCs, que são uma plataforma homogênea baseada em uma linha fornecimento de peças bastante consolidada; em quase todas as outras áreas, no entanto, o Linux domina. É usado em 482 dos 500 computadores mais rápidos do mundo e em mais de 80% dos smartphones, além de vastamente usado em videogames, servidores, sensores e outros dispositivos que demandam algum nível de customização do sistema.

A plataforma aberta de maiores consequências sociais dos últimos anos é, provavelmente, a World Wide Web. Tim Berners-Lee, seu criador, atribui seu sucesso ao seu grau de abertura:

“When I designed the Web, I deliberately built it as a neutral, creative and collaborative space, building on the openness the Internet offered. My vision was that anyone, anywhere in the world could share knowledge and ideas without needing to buy a license or ask permission from myself or any CEO, government department or committee. This openness unleashed a tidal wave of innovation, and it is still powering new breakthroughs in science, commerce, culture and much more besides.” (BERNERS-LEE, 2015)

As plataformas digitais citadas podem servir não apenas como referências de funcionamento, mas também como suporte para o estabelecimento de processos de criação urbanística. Algumas iniciativas de crowdfunding, ou financiamento coletivo, têm aparecido em diferentes cidades do mundo. Em Roterdã, na Holanda, um processo desse tipo foi organizado pela prefeitura em 201134. Uma Organização foi fundada para gerir o processo;

empresas e cidadãos puderam contribuir com o seu financiamento, comprando partes da passarela e inserindo mensagens personalizadas ou seus nomes em cada tábua (Figura 5).

Ainda que empresas privadas tenham podido contribuir, um componente importante dessa experiência foi a mediação do governo municipal em seu planejamento e financiamento. No caso do financiamento coletivo há, ainda, o risco de que esses processos substituam as obrigações do poder público (BAILEY, 2014). Não há, como será visto no

69 Capítulo 6, garantias de que os interesses privados aplicados em políticas públicas geram, necessariamente, produtos positivos. Por este motivo, uma das plataformas de financiamento coletivo mais do mundo, a Kickstarter, se tornou recentemente uma Public Benefit

Corporation, com o objetivo declarado de evitar que os incentivos por lucro se sobreponham

ao cultivo criativo (LOTT-LAVIGNA, 2015).

Figura 5 – A passarela Luchtsingel, construída em Roterdã por meio de financiamento colaborativo organizado pela prefeitura. Fonte: http://www.mobypicture.com/user/fvjole/view/13277883/sizes/full (esquerda) e www.luchtsingel.org/ (direita).

O exercício da cidadania por meio de plataformas digitais deve levar em consideração o possível recorte socioeconômico feito pela tecnologia. Nem todo mundo tem o conhecimento e os equipamentos necessários para participar por estes meios. Iniciativas como a dos LUMEs (Lugares de Urbanidade Metropolitana), previstos no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (UFMG, 2011) podem contribuir neste sentido:

“Por constituírem espaços de produção e difusão desta cultura os LUMES podem configurar, ao nosso ver, instrumentos extremamente potentes para que outra concepção de participação seja construída, contribuindo para a ampliação da ideia de integração sócio-territorial e, assim, para o desenvolvimento de espaços urbanos efetivamente plurais, pautados na ideia da urbanidade.” (BERQUÓ, 2014, p. 17)

70 Nestes lugares, interfaces como a existente no Museu de Londres (Figura 6) podem contribuir para que qualquer cidadão conheça, opine e proponha quaisquer questões relacionadas ao espaço urbano que considerar relevantes.

Figura 6 – Interface de informação e consulta de questões urbanas instalada no Museu de Londres, apresentando informação e consultando a população sobre questões pertinentes à cidade. Fotos de julho de 2014.

Movimentos como o de urbanismo tático (LYDON; GARCIA; DUANY, 2015) e experiências de microurbanismo (ROSA, 2011) mostram que ações pontuais podem ser realizadas por meio de consensos locais, incrementando a autonomia de comunidades em escalas inferiores à municipal. Se esse tipo de plataforma for organizada com a devida participação popular, por meio de fundações, ONGs ou da intermediação do próprio governo, iniciativas pioneiras como o Orçamento Participativo (FEDOZZI, 2000) podem se avançar no sentido de se tornarem cada vez mais detalhadas e abertas à participação popular – não apenas na decisão, mas na elaboração de propostas e no próprio custeio das ações definidas.

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