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Políticas atuais de relação entre área construída e mobilidade urbana

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 166-170)

8. Discussão da relação entre área construída e mobilidade urbana

8.2 Políticas atuais de relação entre área construída e mobilidade urbana

A relação entre área construída e mobilidade urbana tem importância central no desenvolvimento urbano. Qualquer que seja o processo de planejamento urbano, em seu centro costumam estar definições de potencial construtivo que são influenciadas e influenciam as políticas de mobilidade. Áreas próximas a grandes avenidas ou estações de transporte coletivo costumam ser priorizadas para o adensamento; áreas de difícil acesso costumam ter seu adensamento construtivo limitado. Quando o motivo da limitação de adensamento não é a mobilidade urbana propriamente dita, ela permanece sendo uma ferramenta que pode contribuir para resolvê-lo: a inexistência de parques ou escolas em uma área residencial, por exemplo, pode ser mitigada pela implantação de uma forma de transporte rápido até parques ou escolas que não possam ser acessados a pé. O contrário também é verdade: áreas adensadas costumam ser priorizadas na implantação de infraestrutura de transporte. O desenvolvimento das cidades, então, caminha em uma relação dialógica entre adensamento construtivo e mobilidade urbana.

165 A ideia de que a cidade do futuro seja construída sobre o vazio, como o caso da experiência de Songdo, na Coréia do Sul, idealizada para ser uma cidade inteligente modelo (TOWNSEND, 2013), tem pouca aplicabilidade para as cidades existentes. A dinâmica entre potencial construtivo e mobilidade urbana permitem, no entanto, que, no longo prazo, cidades inteiras tenham seu funcionamento redesenhado sem que isso implique a condição de se partir de uma tabula rasa para se obter cidades melhores.

A forma como o adensamento construtivo e a implantação de equipamentos urbanos se relacionam com as políticas de mobilidade segue a matriz de funcionamento do planejamento euclidiano: planos são propostos, normalmente pela equipe técnica das prefeituras; as propostas são discutidas em audiências públicas e conferências de política urbana, aprovadas, implantadas e revisadas após alguns anos. Os planos normalmente incorporam a relação entre adensamento e mobilidade descrita acima em alguma medida.

A Figura 41 mostra parte do mapa de Operações Urbanas Consorciadas (OUCs) discutidas na III Conferência de Política Urbana de Belo Horizonte, em 2009 (BELO HORIZONTE, 2009), e incluídas na revisão da legislação urbanística aprovada em 2010. As OUCs preveem a possibilidade de concentrar o adensamento construtivo nos entornos de corredores viários de transporte coletivo, dos corredores viários de grande capacidade e no entorno das estações de transporte coletivo (metrô e, eventualmente, BRT). As Operações não foram, no entanto, regulamentadas pela lei, dependendo de regulamentação específica a ser aprovada posteriormente. A providência da lei foi limitar o potencial construtivo nestas áreas enquanto não acontecesse a regulamentação, com o objetivo de limitar a especulação imobiliária e preparar o mercado para a implantação da compra do potencial construtivo adicional por meio de outorga onerosa ou CEPACs (BELO HORIZONTE, 2009). Estas OUCs, no entanto, não foram regulamentadas até a escrita deste trabalho, em 2015; talvez por pressões políticas relacionadas às operações urbanas, que são instrumento relativamente novo na legislação urbanística brasileira. Isto significa, com efeito, que o objetivo de adensar as áreas mais propensas ao adensamento permanece, há mais de meia década, produzindo o efeito contrário, limitando este adensamento à espera de regulamentação.

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Figura 41 – Mapa das Operações Urbanas Consorciadas relacionadas à mobilidade urbana aprovadas na revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte em 2010. Parte do Anexo III da Lei 820/2009 (BELO HORIZONTE, 2009).

Em linha com a lógica do zoneamento euclidiano, as áreas são delimitadas por polígonos bem demarcados. Os estudos apresentados no Capítulo 7 mostram que os efeitos da infraestrutura de transporte sobre o espaço são nuançados, e não rígidos. Os efeitos em termos de custos e de tempos de acesso são diluídos na malha urbana; em alguns casos, a integração de metrô com ônibus permite acesso fácil a áreas distantes das estações, desde que a infraestrutura viária do percurso não se encontre saturada. Avenidas, corredores de BRT e a linha de metrô têm efeitos levemente diferentes em cada ponto da cidade; no caso do mapa das OUCs, o desenho de polígonos bem demarcados significa que lados diferentes de uma mesma rua podem ter tratamentos díspares – característica inerente aos limites rígidos característicos do zoneamento euclidiano.

Uma iniciativa que busca superar esse tipo de limitação aparece em trabalho apresentado no concurso Ensaios Urbanos, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção São Paulo (IAB-SP) e pela Prefeitura Municipal de São Paulo (PINHEIRO, MONTEIRO et al., 2014). A Figura 42 apresenta dois mapas que resumem um dos pontos apresentados na proposta.

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Figura 42 – Partes de dois mapas de proposta premiada no Concurso Ensaios Urbanos (IAB-SP); na esquerda, a proposta é que o adensamento no lote seja dependente da disponibilidade de equipamentos em três raios de acesso diferentes; na direita, exemplo de áreas que não fornecem acesso aos equipamentos de demanda cotidiana e onde o adensamento estaria limitado. (PINHEIRO, MONTEIRO et al., 2014)

A proposta sugere que a possibilidade de adensamento construtivo dependa não de zoneamentos fixos estabelecidos na legislação urbanística, mas variáveis de acordo com a evolução do traçado urbano e a implantação de equipamentos públicos. Para que seja possível construir em um lote, seria necessário que certos equipamentos de demanda cotidiana fossem acessíveis a partir dele, a pé, em quinze minutos; equipamentos de demanda frequente, em trinta minutos a pé; e equipamentos de demanda esporádica, em quarenta e cinco minutos a pé ou em trinta minutos em transporte público. Desta forma, áreas que não são dotadas de equipamentos, como praças, escolas ou unidades de pronto atendimento, teriam seu adensamento limitado até que o poder público, ou empresas interessadas em construir na região, atendesse a essa demanda. A vantagem da proposta sobre o zoneamento euclidiano tradicional é focar as discussões em critérios que seriam aplicáveis de forma dinâmica a grandes áreas sem que seja necessário discutir as especificidades de cada parte da cidade; ademais, a implantação de equipamentos geraria alterações dinâmicas na capacidade de adensamento de cada zona, com estas alterações já previstas e legitimadas pelos critérios estabelecidos na lei. A proposta não vai além dos polígonos desenhados, mas permite, ao menos, que eles evoluam de forma dinâmica.

Processos como o descrito podem servir de base para que as políticas urbanas sejam mais diretamente conectadas à acessibilidade efetiva de diferentes equipamentos urbanos.

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No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 166-170)