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Evolução em 24 horas

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 120-125)

7. Mobilidade Urbana a Partir de Dados Reais

7.3 Linhas isócronas a partir do Waze

7.3.1 Evolução em 24 horas

A Figura 18 mostra a dinâmica das linhas isócronas em Belo Horizonte para percursos de carro, a partir da Praça Sete de Setembro, ao longo de um dia, com base nos dados disponibilizados na plataforma Livemap, do Waze, em março de 2015. Os tempos de percurso foram estimados com intervalos de duas horas, começando à 01:00, em dias de semana. A resolução de trinta pontos em cada eixo, totalizando novecentos pontos, implica linhas isócronas mais suavizadas e, portanto, menos detalhadas do que as que podem ser obtidas usando simulações em GIS (como na Figura 17); o nível de detalhe é, no entanto, suficiente para analisar a forma espaço-temporal da mobilidade urbana na escala de bairros. A análise da evolução das linhas isócronas ao longo do dia aponta para duas diferenças fundamentais entre as distâncias espaciais e as distâncias temporais. Uma delas é a diferença de percepção que se tem quando se observa apenas as distâncias físicas – a partir, por exemplo, da simples análise de um mapa – e os tempos de deslocamento efetivamente gastos pela população. A outra, talvez ainda mais relevante no planejamento urbano, é a diferença de tempo de deslocamento ao longo do dia.

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Figura 18 – A evolução das linhas isócronas para o deslocamento de carro a partir da Praça Sete de Setembro, ao centro de cada imagem, para cada hora do dia. Cada linha representa um incremento de cinco minutos.

120 É comum que este tipo de mapa seja representado com as áreas internas a cada linha pintadas de uma mesma cor, o que facilita a legibilidade. Neste mapa, e nos que seguem, optou-se por manter os gradientes provenientes das análises para refletir adequadamente as nuances das informações nelas contidas.

03:00 19:00

Área Acessível 221,79 km² 61,01 km²

Raio Médio da Linha Isócrona 8,38 km 4,51 km

Distância Linear Mínima 4,84 km 3,15 km

Distância Linear Máxima 11,69 km 6,36 km

Desvio Padrão das Distâncias 1,59 km 0,82 km

Tabela 1 – Comparação de características das linhas isócronas de 15 minutos apresentadas na Figura 18 em dois horários do dia: às 03:00, horário de trânsito mais fluido, e às 19:00, horário de trânsito mais intenso.

A Tabela 1 compara as características físicas da linha isócrona de quinze minutos em dois horários diferentes do dia: às 03:00, quando o trânsito é mais fluido, e às 19:00, quando o trânsito é mais intenso. Dois elementos se destacam: primeiro, às 03:00 é possível chegar, em menos de quinze minutos, a uma área de 221,79 quilômetros quadrados, ou cerca de dois terços da área do município de Belo Horizonte (330,95 km²). Às 19:00, a área acessível de carro em quinze minutos desde a Praça Sete de Setembro cai para 61,01 quilômetros quadrados, ou 27,5% da área original. O outro elemento de destaque é a assimetria destas diferenças, a depender do sentido de deslocamento a partir do ponto central. A dimensão dessa assimetria é dada pelo desvio padrão das distâncias. Em um ambiente plano e sem obstáculos, o desvio padrão das distâncias seria próximo de zero, e os tempos de deslocamento são isotrópicos (iguais em qualquer direção). É natural pensar, a partir de uma análise superficial de um mapa urbano, que os tempos de deslocamento ali também são isotrópicos, de forma que usuários e, sobretudo, planejadores tendem a tomar suas decisões (onde morar, onde trabalhar, onde construir) com base em distâncias lineares. A tabela acima indica o quanto esta noção se distancia da realidade: às 03:00, o deslocamento linear possível em quinze minutos varia entre 4,84 km e 11,69 km, com um percurso médio possível de 8,38 km e desvio padrão de 1,59 km. Às 19:00, o percurso possível varia entre 3,15 km e 6,36 km, com média de 4,51 km e desvio padrão de 0,82 km. A Figura 19 indica o desenho de cada uma das linhas isócronas (às 03:00 e às 19:00).

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Figura 19 – Linhas isócronas indicando a área a que se pode chegar em quinze minutos, a partir da Praça Sete de Setembro, às 03:00 (linha vermelha, maior) e às 19:00 (linha verde, menor).

Outra indicação da diferença entre distância estritamente espacial e distância espaço- temporal pode ser vista na Figura 20. Nela estão destacados os mapas das 03:00 e das 19:00 no entorno do bairro Buritis. Esta região foi adensada de forma acelerada a partir da década de 1990 (EPAMINONDAS, 2006), e, apesar da reivindicação dos moradores desde o início da década de 2000 por menores coeficientes de aproveitamento, para conter o adensamento e a piora nas condições de acesso, só vieram a ter seus coeficientes de aproveitamento reduzidos, de 1,7 para 1,0, em 2010. O mapa indica a consequência espacial deste desenvolvimento agudo: sem trânsito, às 03:00, quase toda a região pode ser acessada a

122 partir do centro da cidade em menos de quinze minutos. No horário de pico, no entanto, o tempo de acesso piora de forma marcada, chegando a mais de trinta minutos; e o fenômeno é de tal forma acentuado que a conformação descrita pelo mapa indica uma região de “pico” no em parte do bairro, representada pela linha fechada ao centro da imagem. Esta linha indica que o acesso a qualquer área de seu entorno é mais rápido do que à área nela inscrita. Certas partes do Barreiro, por exemplo, podem ser acessadas em menos tempo do que partes do Buritis, apesar de estarem até três quilômetros mais distantes da Praça Sete de Setembro.

Apesar de estudos como este não terem sido feitos ao longo do processo de adensamento construtivo na região nas últimas décadas, é de se esperar que a piora nas condições de acesso ao bairro tenha ocorrido lentamente, na medida do adensamento construtivo do bairro. A distribuição de área construída de forma eficiente, por seus desdobramentos nas condições de uso da cidade, deve ser um dos objetivos centrais dos instrumentos de planejamento urbano, sobretudo dos planos de mobilidade e da definição de coeficientes de aproveitamento. O caso do bairro Buritis indica, no entanto, a lentidão com que as ferramentas atuais respondem às demandas: da reclamação da associação de moradores do bairro, no começo da década de 2000 (PARANAIBA, 2013), à mudança de coeficiente, em 2010, e ao reflexo dessa mudança na produção imobiliária, transcorreu-se mais de uma década. Em 2013, três anos depois da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo

Figura 20 – Desenho das linhas isócronas na região do Buritis/Estoril para deslocamentos a partir da Praça Sete de Setembro em duas horas diferentes do dia.

123 que restringiu a construção na região entrar em vigor, cerca de 17% de todos os imóveis novos ou em planta da cidade estavam na região Oeste.

Monitoramentos desse tipo permitirão acompanhar o impacto que a permissão de adensamento, em cada região da cidade, gera em seu entorno, suscitando ajustes por parte do planejamento urbano; na medida em que estes diagnósticos se tornem mais precisos e confiáveis, é possível imaginar que os parâmetros urbanísticos sejam diretamente atrelados a eles, com revisões acontecendo conforme uma periodicidade programada. Este assunto voltará a ser tratado nas seções seguintes.

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 120-125)