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Parâmetros secundários

No documento POR UMA CIDADE ABERTA (páginas 172-177)

8. Discussão da relação entre área construída e mobilidade urbana

8.3 Parâmetros primários e secundários

8.3.2 Parâmetros secundários

Além da disponibilização de dados de forma aberta para informar e subsidiar as decisões de cidadãos, empresas e instituições, é possível desenvolver, a partir deles, processos que permitam estabelecer objetivos e parâmetros, baseados nos dados descritos como primários, que se ajustem dinamicamente com base na variação deles.

A oportunidade apresentada pelo estabelecimento deste tipo de dinâmica é a de conectar o levantamento de dados diretamente às ações a eles relacionadas. Em vez de arbitrados nominalmente, parâmetros podem ser definidos na forma de algoritmos atrelados a variáveis originadas nesta plataforma. Os Coeficientes de Aproveitamento e os custos da Outorga Onerosa do Direito de Construir, por exemplo, podem variar de acordo com os valores das externalidades marginais da área construída em cada região da cidade. Desta forma,

92 PDF, correspondente a uma estrela de abertura, ou XLS/KMZ, correspondentes a duas estrelas.

93 Isto significa uma abertura mínima de três estrelas no 5-Star Open Data Initiative.

171 pode-se incentivar a construção em áreas bem servidas de infraestrutura urbana, com altos coeficientes de aproveitamento, onde novas construções imponham poucos custos marginais para a coletividade. Áreas saturadas, mas com localização estratégica, podem ter altos valores de outorga onerosa, com o objetivo de financiar a implantação de infraestrutura urbana que normalize a qualidade dos serviços públicos da região.

Objetivos como estes costumam ser levados em conta na definição de parâmetros a partir das conferências de política urbana atualmente, como se mencionou, mas o estabelecimento de plataformas continuamente atualizadas pode permitir que os números se ajustem automaticamente, na medida em que seus objetivos sejam cumpridos.

Uma parte importante do planejamento urbano moderno é distribuir, de forma eficiente, a demanda por áreas construídas de diferentes tipos e usos. Esse processo tem como base, pelo menos em teoria, a capacidade de suporte, utilizada e disponível, da infraestrutura urbana em cada região da cidade: se há demanda pela construção de certos tipos de moradia, o planejamento urbano deve se encarregar de definir as regiões da cidade em que o suprimento dessa demanda tende a trazer o mínimo de externalidades negativas com o máximo de externalidades positivas.

Uma parte importante da infraestrutura urbana, e tema recorrente neste trabalho, é o sistema viário e de transporte público. A distribuição eficiente de área construída é de fundamental importância para o bom funcionamento da cidade; não apenas em decorrência da natureza exponencial do impacto marginal de cada novo carro na cidade, como descrito nos Capítulos 6 e 7, mas pela importância da distribuição desta demanda no espaço. Um estudo do MIT indica que eliminar 1% dos deslocamentos de carro de uma cidade pode melhorar em 3% a fluidez do trânsito, mas se os deslocamentos eliminados acontecerem em regiões cuidadosamente estudadas, a melhoria do trânsito em toda a região pode chegar a 18% (GONZALES, WANG, 2013 apud TOWNSEND, 2015).

Para distribuir adequadamente a demanda por trânsito95, não basta conhecer a

velocidade média de dada região da cidade, já que esta pode ser influenciada por fatores como geometria viária, topografia e pavimentação, além de tipos e frequências de uso. Mas a variação dos tempos de deslocamento ao longo do dia pode cumprir este papel: se uma determinada parte da cidade apresenta, no horário de pico, tempos de transposição quatro vezes maiores do que no horário de menor demanda, é possível afirmar que seu sistema

95 Cabe, aqui, reiterar que o tema do trânsito é secundário a este trabalho, sendo abordado com mais frequência por oferecer, atualmente, dados mais abrangentes e completos do que outras dimensões da vida urbana.

172 viário está em um nível de saturação mais elevado do que outra parte em que esta relação seja de duas vezes.

É possível, portanto, desenvolver mapas com parâmetros secundários, ou mapas resultantes do processamento algorítmico de informações variáveis provenientes dos dados primários descritos anteriormente. Os mapas isocrônicos apresentados no Capítulo 7 indicam o tempo necessário para se chegar a cada ponto da cidade a partir de um ponto central. Desta forma, a proximidade das linhas isócronas permite auferir o tempo necessário para se transpor cada trecho específico da cidade: linhas próximas indicam áreas de baixa velocidade média e linhas espaçadas indicam áreas com trânsito de alta velocidade. Desta forma, a fluidez de trânsito96 de cada um dos 900 pontos do mapa de Belo Horizonte foi deduzida, a partir da

proximidade das linhas isócronas, no horário de pico (19:00) e no horário de trânsito mais fluido (03:00)97. A posterior divisão dos resultados de horário de pico pelos resultados do

horário de menor trânsito resulta, portanto, no nível de saturação do sistema viário em cada parte da cidade. O mapa resultante desta divisão aparece na Figura 45.

96 Em geografia, usa-se o termo impedância. Áreas que permitem rápida fluidez nos deslocamentos são áreas com baixa impedância (MOURA; DE MAGALHÃES, 2013).

97 O número usado com este objetivo foi a tangente da normal da topografia gerada pelo mapa de linhas isócronas, na metodologia descrita no Capítulo 7.

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Figura 45 – Mapa de saturação do sistema viário de Belo Horizonte, extraído a partir da divisão dos tempos de deslocamento em cada trecho da cidade no horário de pico pelos tempos em horário de menor trânsito. Feito a partir de dados extraídos do Waze em maio de 2015.

O mapa resultante mostra o que se denomina aqui de parâmetro secundário: índices que indicam, neste caso, o quanto o sistema viário está saturado. A informação apresentada é semelhante àquela disponível nos mapas de linhas isócronas, mas aqui ela aparece processada de forma a indicar, objetivamente, pontos com maior ou menor variação de tempos de deslocamento ao longo do dia. Este tipo de informação vai além do que este estudo chama de parâmetro primário porque, além de permitir legibilidade e ação por parte da população, pode, eventualmente, ser usado diretamente para guiar políticas públicas. No Capítulo 7 (p. 139) é possível ver a evolução da intensidade do trânsito ao longo do dia em diferentes cidades, sendo possível verificar o impacto positivo da distribuição do trânsito para antes ou depois do horário de pico. Pode-se ver, por aquela figura, que os tempos de deslocamento no horário de pior trânsito em Belo Horizonte equivalem, em média, a 1,57 vezes os tempos médios em horário de pouco trânsito. O mapa da Figura 45 detalha este dado no espaço, indicando as variações específicas para cada ponto da cidade; enquanto grande parte da cidade de fato apresenta índices entre 1 e 2 (tons de azul e verde), algumas

174 regiões têm índices de 3 ou 4, com pontos de pico ultrapassando 5. Isto explica, espacialmente, a afirmação de Gonzales e Wang (TOWNSEND, 2015) de que remover apenas 1% dos deslocamentos de veículos na cidade, em horários específicos, pode melhorar a performance do sistema viário da cidade inteira em 18%; os principais gargalos são pontuais e aparecem como picos no mapa apresentado.

Diferentes políticas podem ser propostas a partir deste tipo de dado. A intensidade de trânsito em um dado ponto no sistema viário pode ser apenas de passagem, ou pode ter aquele ponto como destino ou origem. Para a parcela do trânsito que for de passagem, os pontos de pico podem indicar fluxos que devam ser priorizados no investimento em infraestrutura de transporte público que não dependa de vias compartilhadas com automóveis particulares. O mapa acima poderia ser enriquecido com o cruzamento de dados de área total construída em cada região da cidade.

Poderíamos ter, como consequência desta análise, o encaminhamento das seguintes hipóteses para testes em pesquisas futuras:

- áreas com altos índices de saturação e grande densidade de construção podem ser definidas pelo planejamento como de baixa prioridade para adensamento adicional;

- áreas com altos índices de saturação e baixa densidade construtiva seriam, provavelmente, regiões de passagem de trânsito, caso que pode indicar a necessidade de restrição de potencial construtivo concomitante a investimento em infraestrutura de mobilidade urbana;

- áreas com baixos índices de saturação e bem dotadas de infraestrutura urbana podem ser definidas como prioritárias para o adensamento.

A partir destas hipóteses, políticas específicas poderiam ser atreladas a estes índices. As áreas de adensamento prioritário poderiam ter coeficientes de aproveitamento maiores e descontos ou isenções nos custos de Outorga Onerosa do Direito de Construir. Estes números poderiam ser definidos não de forma nominal, com revisão prevista para a conferência de política urbana seguinte, como ocorre hoje, mas de forma paramétrica, ou seja, variando automaticamente à medida que cumprissem seus objetivos.

O produto dos processos de planejamento seria, em vez de números fixos, parâmetros autoajustáveis. Estes parâmetros seriam alimentados por uma plataforma aberta, de acesso e escrutínio livre e irrestrito para qualquer interessado. Desta forma, cada ato individual pode encontrar caminho às políticas de planejamento urbano. Cada cidadão contribui para o planejamento urbano de forma variável e contínua:

175 - ao se deslocar pela cidade;

- ao consultar o que aqui se descreve como parâmetros primários;

- ao escrutinar e interferir sobre os processos de cálculo dos algoritmos que compõem os parâmetros secundários;

- ao interferir sobre as políticas originadas a partir dos parâmetros secundários, e ao propor ações e políticas de qualquer escala.

Desta forma, é possível distribuir os processos de participação no desenvolvimento urbano em ações contínuas e com diferentes graus de complexidade, variáveis de acordo com o grau de interesse de cada cidadão em cada assunto específico.

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