A Inglaterra elisabetana em que Shakespeare veio ao mundo

Shakespeare nasce para o mundo em 1564, apenas seis anos depois que Elizabeth ascendera ao trono, aos vinte e cinco anos, em 1558, sucedendo sua irmã Maria, que morreu depois de um governo curto e atormentado.194

O reinado Tudor começou com a coroação de Henrique VII, quando este venceu Ricardo III na batalha de Bosworth, em 1485, dando fim ao período da Idade Média e à Guerra das Rosas, entre os Lancaster (Rosa Vermelha) e os York (Rosa Branca). A linha da Casa dos Tudor (cujo emblema seria a rosa de duas cores) dá início ao Renascimento inglês, que durará até a Guerra Civil inglesa, que, em 1642, abre caminho a dois governos da Commonwelth.

A Inglaterra levava séculos praticando a religião católica, até quando Henrique VII morre, em 1509. Seu filho assume o trono como Henrique VIII. Sua primeira mulher, Catarina de Aragão, deu à luz apenas uma menina, a quem chamaram Maria. Precisando gerar um herdeiro homem, Henrique solicitou o divórcio ao Papa, o que lhe foi negado em 1529. Este foi o ano da ruptura entre a Inglaterra e a Igreja Católica tradicional; Henrique VIII consegue que o parlamento inglês crie uma legislação na qual a Inglaterra se declara independente da Igreja Católica e proclama o Rei como cabeça da Igreja Anglicana. Assim, Henrique VIII declara sua própria e prévia união nula e se casa com Ana Bolena, que dá à luz outra menina a quem chamaram Elizabeth, que mais tarde se converteria na Rainha Virgem.

Sob o reinado de Henrique VIII, começam a ser recebidas as influências que vêm impulsionadas a partir do continente quanto às novas ideologias que estão modificando as estruturas da religião católica imperante, e a pressão de uma nova tendência na espiritualidade religiosa começa a se fazer relevante. Este é o chamado movimento Protestante, liderado por Martim Lutero195, que também é incitado pela

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Rima inglesa para recordar os reis e rainhas da Inglaterra desde William I, o Conquistador: Willie, Willie, Harry, Steve, Harry, Dick, John, Harry Three. Edward One, Two, Three, Dick Two, Henry Four, Five, Six then who? Edward Four Five, Dick the Bad, Harrys twain and Ned, the Lad. Bloody Mary, Lizzie, James the Vain, Charlie, Charlie, James again. William and Mary, Anne O´Gloria. Four Georges, William and Victoria, Edward Seven, Georgie Five, Edward, George and Liz (alive).

www.britroyals.com/rulers.htm

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França com o teólogo reformista João Calvino, 196 que, já em 1536, fugiu para Suíça em busca de asilo para poder escrever sua doutrina.

Henrique VIII faz com que sua segunda esposa, Ana, seja executada sob a acusação de adultério e se casa pela terceira vez, agora com Jane Seymour, que, antes de morrer por causas naturais, dá à luz o único filho varão que Henrique VIII teria e a quem deram o nome de Eduardo. Henrique VIII se casa depois com outras três mulheres, mas não volta a procriar. Com sua morte, em 1547, seu filho é coroado como Eduardo VI e morre em 1553, antes de alcançar a maioridade. Em vista disso, Maria é elevada ao trono depois de um breve reinado de Lady Jane Gray (nomeada por Eduardo como sua sucessora), que durou apenas nove dias antes de ser decapitada aos dezesseis anos (por ter interrompido a linha de sucessão, um ato considerado traição)197. Maria I, criada por Catarina de Aragão e sob a fé católica, casou-se com o Rei Felipe II da Espanha, que subiu ao trono em 1554. Na Inglaterra, Maria regressou à velha religião católica. Seu governo perseguiu cruelmente os protestantes e queimou na fogueira por heresia mais de duzentos e setenta e três mártires protestantes. Muitos outros fugiram para o exílio e outros se esconderam na clandestinidade. Maria, a Sangrenta (Bloody Mary),198como foi apelidada, além do mais envolveu a Inglaterra na guerra contra a França em apoio à Espanha, com consequências nefastas para o país, que se empobreceu e terminou por perder Calais, o último território que a Inglaterra mantinha na região continental. Com a morte de Maria, sua meia-irmã Elizabeth era a única herdeira direta de Henrique que poderia assumir o trono. Mais importante ainda, deveria fazê-lo sob a religião protestante e, já que o Papa nunca havia concedido o divórcio a seu pai, Elizabeth era considerada ilegítima pela Igreja Católica. Sob essa perspectiva, Elizabeth, que não era uma protestante fanática, ao assumir, rompe com a Igreja Católica e passa a ser a cabeça da Igreja Anglicana Protestante da Inglaterra.

católico, da ordem dos agostinianos. Foi crítico da compra de indulgências e entrou em conflito com o Papa Leão X, que o excomungou em 1521. Sua reforma conduziu ao movimento Protestante, que incluiu o matrimônio dos sacerdotes e impeliu a id as fontes, ir às fontes, traduzindo integralmente a Bíblia. Morreu em 1546.

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João Calvino (1509-1604), nascido na França, teólogo reformista e Protestante seguidor de Lutero, é o autor dos cinco pontos e da Instituição da Religião Cristã.

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É nesse momento que, na América, realiza-se a fundação da cidade de São Paulo, em 1554.

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Shakespeare, pelo tanto que se sabe, passou a maior parte de sua vida em uma Inglaterra que vivia a revolução de uma mudança religiosa importante. É fundamental ter em mente que, embora essa disputa fosse o mais visível, ela se dava sobre o solo fertilizado pelo paganismo Celta, locus de um saber esotérico, hermético, de imensa influência no renascimento. Nem todos os súditos estavam muito dispostos a acatar, mais uma vez, uma mudança de fé impelida pela coroa e isso teve consequências brutais sobre a convivência do povo inglês. Muitos dos súditos, tanto da nobreza como os mais pobres e despossuídos, tentaram permanecer estoicos frente à autoridade, seguindo o exemplo de tantos outros mártires cristãos. Isto os levou a suportar confissões falsas e humilhantes, as torturas mais atrozes e mortes horríveis. As igrejas foram queimadas e seus sacerdotes esquartejados das formas mais cruéis e horrendas, e mais de trinta mil católicos fugiram para o continente. A todos os demais, não restou outro caminho que não fosse aceitar a mudança ou aparentar seguir a nova fé.

A vida no século XVI não era fácil, a mortalidade infantil era altíssima e as doenças, como o tifo, a peste bubônica, a sífilis e a varíola faziam com que a média de vida fosse de trinta e cinco anos. A população era algo mais do que três milhões e, em Londres, viviam ao menos duzentos mil199 habitantes, quando Elizabeth assumiu a coroa.

Existiam ameaças constantes provenientes do mundo exterior. Quando Elizabeth subiu ao trono, a Inglaterra estava em guerra contra a França e a Escócia era regida por Maria de Guise, de linhagem francesa e mãe de Maria Estuardo, que se encontrava casada com o rei da França, Francisco II. Na Escócia, a ideologia protestante também prendia e adquiria força, o que ajudou Elizabeth a encontrar adeptos entre os inimigos que preferiam uma Inglaterra protestante a uma França católica. Por isso, ela pôde estabelecer alguns tratados de paz com os escoceses que abrigavam a nova fé. John Knox tinha voltado à Escócia de seu exílio em Genebra, promovendo as ideias reformistas de Lutero e se transformando, em 1559, no líder dos protestantes escoceses, opositores da coroa de Maria de Guise. Elizabeth decide,

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então, enviar tropas à Escócia e os franceses são expulsos. Na França, também se dá um levante protestante e, ao morrer seu rei, Francisco II, em 1560, ocorre uma guerra civil que Elizabeth não hesita em apoiar, enviando tropas à Normandia e também esperando recuperar o território perdido por sua irmã, mas não consegue e as forças regressam ao continente.

Maria Estuardo (1542-87), viúva, regressa da França à Escócia e assume como Mary Stuart Queen of Scots, mas não soube lidar com os protestantes e, sendo ela muito católica, finalmente teve que fugir e buscar refúgio na Inglaterra em 1568. Isto produziu uma comoção entre os círculos católicos ingleses que viam Maria Estuardo como uma alternativa legítima à Elizabeth para a religião católica voltar à Inglaterra. No norte da Inglaterra, onde nasce Shakespeare, existia uma forte resistência à mudança religiosa e muitos praticavam a antiga fé às escondidas e se ordenavam sacerdotes à sombra. Em 1569, houve um levante que envolveu muitos cavaleiros do norte, mas foi sufocado para se reorganizar e voltar a emergir no ano de 1571. O duque de Norfolk foi executado por traição. A situação com a Espanha se fazia cada vez mais conflitiva e a Rainha Virgem apoiava os piratas para arrecadarem tesouros para a coroa em alto mar; Francis Drake, o maior navegante desses tempos, enriqueceu as arcas inglesas com tesouros requisitados dos galeões espanhóis. Em 1583, Francis Thockmorton foi tido como culpado de um complô contra a coroa, planejando uma invasão espanhola à Inglaterra. O Conselho da rainha insistia em que Maria era uma ameaça à permanência de Elizabeth no trono e que devia ser executada por instigar a derrocada da rainha e por sedição.

Sabe-se que a Inglaterra de Elizabeth era um Estado onde os serviços de inteligência eram exageradamente poderosos e onde as redes de espiões a serviço da coroa tinham olhos em todas as partes. O Estado vigilante estava desarticulando constantemente intrigas ou deixando que se formassem para poder logo eliminá-las e acabar com os inimigos jesuítas sem compaixão. Assim muitos foram procurados, presos, fervidos, queimados, esquartejados ou decapitados.

Houve um último episódio, envolvendo Maria Estuardo, denominado a conspiração de Babington, que a incriminou falsamente e fizeram com que Maria aparecesse como se houvesse aprovado explicitamente o plano para derrubar e

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assassinar Elizabeth. Depois de um julgamento prolongado, foi considerada culpada e decapitada em 1587.

Logo em 1588, a Armada Invencível finalmente chegou à costa da Inglaterra onde, depois de alguns enfretamentos com os ingleses, sucumbiu pelo mau tempo, perdendo a metade de suas embarcações. Se bem que a guerra com a Espanha nunca tenha terminado de todo enquanto durou o reinado de Elizabeth, os movimentos bélicos diminuíram e a situação se manteve em relativa calma. Em 1603, aos sessenta e nove anos, a Rainha Virgem escolheu morrer sentada em seu trono (pois não quis fazê-lo deitada na cama), depois de um longo reinado. Sem ter nomeado herdeiro da coroa, esta passou às mãos do filho de Maria Estuardo, Jaime ou Jacobo I, que já era rei da Escócia; sob seu reinado, a Irlanda foi anexada ao protetorado e se unificaram os três países sob o nome de Gran Bretanha com um rei, uma bandeira e uma administração comuns.

O complô da pólvora segundo desenho de Crispijn van de Passe (1565-1637) National Gallery

A suposta tolerância que Jaime I tinha com os católicos não foi tal, posto que ocorreu o levante conhecido como The gun powder plot, ou “O complô da pólvora“, em 1605. Com um plano de mais de um ano, um grupo no total de treze conspiradores, todos nobres católicos, dirigido por Robert Catesby, Thomas Winter e John Wright,

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alugou umas adegas que se encontravam debaixo do parlamento e nas quais haviam armazenado trinta e seis barris de pólvora. Os rebeldes planejavam fazer explodir tanto o rei como sua família, assim como todos os nobres e administradores da lei, que se encontravam no ato público, durante a cerimônia da Abertura do Estado, que se realizava em outubro. Um ato terrorista, que também pretendia ser um ato simbólico, em que a administração do Estado voasse pelos ares, produzindo um caos tão enorme que somente poderia levar a uma verdadeira revolução. Houve uma advertência anônima a um nobre católico William Parker, para que não assistisse à cerimônia, e que foi interceptada pela autoridade. Acredita-se que o conselheiro do rei, Robert Cecil, conde de Salsbury, já sabendo do plano, poderia tê-la escrito, para assim obter maior posição na corte de Jaime, o que ocorreu. Ademais a cerimônia foi adiada para cinco de novembro de 1605, pelo aparecimento da peste, o que deu tempo para investigar e revistar as dependências e suas proximidades, depois do vazamento do complô. Ali, junto com a pólvora, encontraram Guy Fowkes, a quem torturaram brutalmente para que delatasse seus companheiros. Apesar de muitos haverem dito que ele não teria delatado seus camaradas, o certo é que a informação surgiu e os treze conspiradores foram sentenciados por traição, com o consequente castigo de morte por suplício:

Pendurando-os pelo pescoço sem deixá-los morrer, cortando-lhes os genitais, lançando-os ao fogo diante de seus próprios olhos e, arrastando-os ainda vivos, destripando-os e arrancando-lhes o coração antes de decapitá-los e despedaçá-los. Sem demora expunham ao público as cabeças espetadas em lanças e os pedaços restantes foram jogados aos pássaros, como comida.200

Foi tal a agitação produzida por esse acontecimento que, para ver os condenados sofrerem o castigo e serem executados no mesmo edifício que pretendiam fazer voar, tiveram que pagar entrada para assistir ao evento. Como forma de comemorar o complô, todos os anos, até hoje, as atividades de Abertura do Estado iniciam-se, tradicionalmente, com a revisão das adegas e os sótãos da casa do Parlamento inglês. O complô finalmente produziu uma perseguição feroz a todos os

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católicos e aumentou a polícia secreta e os meios de tortura para extrair confissões. A política absolutista de Jacobo, que poderíamos chamar de tolerância zero, foi assentando as bases para o que viria depois e que terminaria quando Carlos I, filho primogênito de Jacobo, foi deposto na guerra civil inglesa, dando origem aos governos do Commonwealth antes da Inglaterra voltar a retomar a monarquia.

Se, por um lado, Jacobo foi um rei que deu um passo atrás em muitas das liberdades parlamentares que os ingleses já tinham obtido e infantilizou a nação comparando a si mesmo com a figura do pai que vê os súditos como seus filhos e que sabe melhor do que ninguém o que é melhor para eles, se retrocedeu com a ideia de que seu poder provinha diretamente de Deus, por isso estava acima da lei dos homens, por outro lado, o número de execuções que houve em seu reinado baixou notavelmente, em relação ao período anterior de Elizabeth. Em vinte e dois anos de reinado, vinte e cinco católicos foram martirizados e mortos pela tortura, muito menos dos duzentos que foram executados no período anterior.