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A institucionalização de políticas públicas de livros didáticos de História

3 LIVROS DIDÁTICOS: Novos tempos, novas políticas, novas configurações

3.1 Políticas curriculares de produção de livros didáticos de História

3.1.2 A institucionalização de políticas públicas de livros didáticos de História

O ensino de História veio se tornando aos poucos objeto de preocupação pelo seu papel

estratégico no processo de construção de uma identidade nacional e de uma memória histórica

(BEZERRA, LUCA, 2006). E os livros didáticos, que exercem uma função curricular para a

formação de uma unidade sobre a educação nacional, se tornam ferramentas para estruturar

esse ensino (SILVA, 2013). Em seus conteúdos, as disputas por narrativas históricas de heróis

e fatos estavam ligadas ao viés político das primeiras décadas do século XX: uma educação

laica e patriótica ufanista.

A década de 1930 se caracterizou pela constituição legal de políticas públicas voltadas para o

livro didático. Com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MES) em 14 de

novembro de 1930, foram criadas leis com o intuito de estruturar a escola brasileira e ampliar

a rede escolar com uma pretensão de universalização do ensino (ROCHA, 2017, p. 14). Nessa

onda de reestruturação do sistema escolar, foram consolidadas as relações entre o governo e

os produtores de materiais didáticos através da regulação sobre o processo de produção,

compra e distribuição para alunos de escolas públicas (BEZERRA, LUCA, 2006; TEIXEIRA,

2012).

Uma das primeiras políticas voltadas para os materiais didáticos foi a criação da Comissão

Nacional de Literatura Infantil em 1936 e logo, em seguida, a criação do Instituto Nacional do

Livro (INL), antigo Instituto Cairú, instituído pelo Decreto-Lei nº 93 de 21 de dezembro de

1937, no período ditatorial do governo de Getúlio Vargas. Este órgão, dentre outras medidas,

visava organizar e publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional,

estimular a edição de obras de interesse para a cultura do país, promover a edição de livros

nacionais e importação de livros estrangeiros e incentivar a organização e manutenção de

bibliotecas públicas para onde esses livros seriam gratuitamente destinados (BRASIL, 1937).

No ano seguinte, é criada a primeira política de legislação e controle sobre a produção,

importação e utilização de livros didático através da Comissão Nacional do Livro Didático

(CNLD), criada pelo Decreto-Lei nº 1006 de 30 de dezembro de 1938. As pessoas que

compunham essa comissão eram nomeadas pelo Presidente da República e reconhecidas pelo

notório conhecimento pedagógico e valor moral, encarregadas de examinar e julgar os

materiais que lhe forem apresentados, podendo, inclusive, indicar alterações ou correções nos

livros, orientar a importação e tradução de livros, estimular a produção de livros didáticos de

sensível necessidade e promover e organizar exposições nacionais de materiais didáticos

autorizados. Esta medida torna livre aos diretores e professores a escolha do livro para uso

dos alunos, porém proíbe o uso de livros de autoria própria de professores, diretores ou

qualquer outra autoridade escolar, demonstrando a centralização do poder do Estado

(BRASIL, 1938). Essa medida é consolidada no período democrático que sucede o governo

varguista através do Decreto-Lei nº 8.460 de 26 de dezembro de 1945.

A partir dessas reformas, passaram a haver programas curriculares estruturados que definiam

conteúdos, prioridades, orientações quanto aos procedimentos didáticos e indicação de livros

e materiais. (SILVA, 2013, p. 110). A intervenção do Estado foi se tornando cada vez mais

direta. Com a Reforma Capanema em 1942, aumentou o incentivo, organização e controle da

produção para o público escolar. O controle do Estado sobre os livros se exercia nos

conteúdos neles contidos a fim de evitar impropriedades e inexatidões factuais e contribuir

para uma melhoria na qualidade e difusão do livro didático, tal como prescrito pelo

Decreto-Lei 38.556/1956. Os autores que escreviam as obras também passaram a revisar e atualizá-las

ao longo dos anos para adequá-las às políticas do Estado.

A década de 1960 é um período marcante nas políticas de livros didáticos porque foi palco de

mudanças impulsionadas principalmente pela democratização do ensino, pelo aumento do

público escolar e, ao mesmo tempo, devido a uma formação de professores cada vez mais

defasada. Essa alteração de cenário provoca demandas por modificações nos materiais

escolares a fim de que se adaptassem a uma nova concepção de educação baseada em

diferentes níveis de ensino e efetivassem uma política de permanência dos alunos nas escolas

(FILGUEIRAS, 2015, p. 89). Os livros passaram a ser revisados quanto à composição

pedagógica e conteúdos. Os autores desses materiais, que se destacavam como grandes

intelectuais de alta qualificação, aos poucos iam perdendo o interesse na produção devido a

uma desvalorização do ensino básico (SOARES, 2007).

A instituição da Ditadura Militar no Brasil de 1964 inaugura um período de censura e

ausência das liberdades democráticas no país. Junto à massificação escolar, aumentava

também as interferências políticas marcadas pelos interesses econômicos (MIRANDA,

LUCA, 2004, p. 125). Quando à produção de livros didáticos, o Estado passa a fiscalizar mais

as informações veiculadas nesses materiais, controlando, dessa forma, a educação. É nesse

contexto que é criada a Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED) pelo Decreto

nº 59.355/66, em um acordo internacional do Ministério da Educação (MEC) com o USAID

(United States Agency for International Development) (BEZERRA, LUCA, 2006;

CASSIANO, 2013), e com a colaboração do Sindicato dos Editores (SNEL). O objetivo dessa

medida consiste em incentivar, orientar, coordenar e executar as ações referentes à produção,

edição e distribuição do livro didático. Essa parceria assegurou ao MEC um financiamento

para a distribuição de 51 milhões de livros em três anos.

Em uma diretriz política diferente, mas também buscando atender a uma demanda criada pela

expansão do ensino, é criada a Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) pela Lei nº

5.327, em 1967. Enquanto a COLTED estimulava o mercado de livros didáticos, a Fename se

responsabilizava pela distribuição de materiais escolares a estudantes carentes. Filgueiras

(2015) analisa a constituição desses órgãos como duas frentes de atuação do MEC: uma que

visa o controle e incentivo do mercado editorial privado (COLTED) e outra que foca sobre a

publicação e distribuição de livros didáticos aos alunos e professores de escolas brasileiras a

fim de contribuir para a melhoria de sua qualidade, preço e utilização (Fename).

Neste período ditatorial, os livros ganham um teor de orientação e condução sobre a ação

docente, com uma linguagem mais acadêmica, em resposta à deficiência verificada na

formação de professores, e com técnicas de ensino como instruções programadas e estudos

dirigidos (BEZERRA, LUCA, 2006; GATTI JR, 2004a; FILGUEIRAS, 2015). Ao invés de

instrumentos que serviam como referência pedagógica, como vigorou durante a década de

1960, os livros didáticos passaram a ser condutores da prática docente, influenciando todo

trabalho pedagógico com a prescrição de metodologias, conceitos e finalidades da educação a

serem seguidos (SILVA, 2013, pp. 110-111).

Pautados em uma versão “oficial”, os livros didáticos de História produzidos durante esse

período apresentavam conteúdos que legitimavam o regime político vigente com um caráter

doutrinário. Segundo levantamento realizado pela Folha de São Paulo, os autores desses

materiais eram orientados a concluir a narrativa no ano de 1964 e, caso prosseguissem, não

poderiam “diminuir” o governo vigente (MONTEIRO et al, 2014, p. 192). Os conteúdos

históricos se consolidavam por uma história tradicional com base nos fatos e nas datas

comemorativas, que não despertavam um pensamento crítico, um movimento da

historiografia que passou a crescer na década de 1960.

Na década de 1970, o fim do acordo MEC-USAID levou o governo a buscar outras fontes de

orçamento para a produção dos materiais didáticos. Assim, através da Portaria Ministerial nº

35 de 11 de março de 1970, é implementado um sistema de coedição de livros em parceria

com o empresariado das editoras nacionais, utilizando recursos do INL que substitui a extinta

COLTED. Dessa forma, no ano seguinte, são criados programas de livro didático para todos

os níveis de ensino: o Programa do Livro Didático para Ensino Fundamental (PLIDEF), o

Programa do Livro Didático para o Ensino Médio (PLIDEM), Programa do Livro Didático

para o Ensino Superior (PLIDES), Programa do Livro Didático para o Supletivo (PLIDESU)

e o Programa de Livro Didático para o Ensino de Computação (PLIDECOM). O único

programa que permaneceu ativo foi o PLIDEF, que tempos mais tarde será substituído pelo

PNLD (CASSIANO, 2013, p. 259).

Em 1976, a INL é extinta e a Fename torna-se totalmente responsável pela execução do

programa do livro didático, firmando acordos com as Secretarias de Educação para que os

livros fossem distribuídos aos alunos carentes. O governo assume a compra de boa parcela

dos livros para distribuir nas escolas e unidades federadas através do Decreto nº 77.107 de 04

de fevereiro de 1976, mas, devido à insuficiência de recursos para atender todos os alunos do

ensino fundamental da rede pública, a grande maioria das escolas municipais é excluída do

programa, conforme informação que consta no portal eletrônico do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE).