3 LIVROS DIDÁTICOS: Novos tempos, novas políticas, novas configurações
3.2 O livro didático na atualidade: impactos do PNLD no lugar de autoria
3.2.2 O lugar de autoria na atualidade
3.2.2.2 A relação entre autores e editoras
Como estamos conseguindo observar ao longo desta tese, as editoras vêm ganhando um papel
de destaque na produção de materiais didáticos. O que se pode observar, ao longo da trajetória
dos livros didáticos no Brasil, foi que houve um aumento expressivo no número de empresas
que visam contratar o trabalho de intelectuais a fim de aprimorá-los e impulsionar as vendas
desses materiais.
O aumento do controle dos órgãos governamentais só tornou essa relação entre autores e
editores ainda mais próxima. A partir da década de 1990, com as constantes mudanças
curriculares, a revisão e atualização das obras se tornava algo necessário. Por outro lado, o
intervalo para publicação da próxima edição para ser submetida à avaliação do PNLD se
reduzia para 2 anos (GATTI JR, 2004a).
Aos poucos, a concorrência entre as grandes editoras foi aumentando, que passaram a investir
cada vez mais na qualidade dos livros para prepará-los para as avaliações. Algumas editoras
chegam a submeter mais de um título de coleção para que, caso uma não seja aprovada, haja
uma segunda opção para garantir as vendas para o Estado. No PNLD 2017 - História, por
exemplo, a Saraiva teve 3 coleções aprovadas e a FTD, Moderna e Positivo, 2 cada uma.
Assim, novas coleções passaram a ser feitas para atingir mercados específicos de
consumidores, o que não significa que tenha ocorrido mudanças nos conteúdos ou na didática
da obra e sim na sua organização (GATTI JR, 2004a).
O investimento das editoras está se expandindo para além da divulgação propriamente dos
livros didáticos. Hoje percebemos o desenvolvimento de outros recursos que agregam valores
às coleções como mídias digitais, livros paradidáticos, exploração dos meios de comunicação
como jornais, revistas, programas de televisão e filmes que passam a dividir espaço com o
livro didático impresso dentro e fora de sala de aula (SILVA, 2013). Uma novidade dos
últimos anos é o aprimoramento de portais eletrônicos das editoras que oferecem diversos
recursos para professores e aluno como atendimento online de tutores, avaliações prontas,
materiais de apoio, planos de aula, slides para aulas, vídeo-aulas e curso de Educação à
Distância (EAD) para a formação de professores82.
A figura do autor era um dos alvos desse investimento das editoras, que passaram a optar por
sujeitos formados na própria área da qual escrevem, como pôde ser observado no Gráfico 5, e
que tivessem experiência didática (SOARES, 2007). O vínculo de uma obra com o nome de
um autor83 é uma prática que aos poucos foi deixando de ser realizada. Atualmente, passa a
ser mais reconhecida, na comunidade escolar, um livro através do nome da editora ou da
coleção como projeto editorial. Novos títulos surgiram no mercado, com ampla divulgação de
suas propostas didáticas com um teor de novidade e renovação das obras. Os autores ou a
equipe editorial são continuamente substituídos, promovendo a consagração de alguns
sujeitos já famosos nesse meio e permitindo o surgimento de novos nomes nesse meio
(SOUZA, 1996).
No levantamento realizado sobre os escritores, um indício que pode mostrar essa relação entre
autor e editora é a concentração de um grande número de autores que atuam na região
Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, como pode ser verificado no gráfico abaixo:
GRÁFICO 9: Região de atuação profissional dos escritores de livros didático - PNLD 1997 e
PNLD 2017
82
Exemplos deste tipo de ferramenta são os portais eletrônicos do Grupo Somos Educação
(http://edocente.plurall.net/) e da Editora Positivo (http://www.editorapositivo.com.br/).
83
Exemplo: “o livro do Borges Hermida”, “o livro do Koshiba”, “o livro do Aquino”, são expressões em que a
obra era reconhecida pelo nome do autor.
Uma das explicações que podemos elaborar para esses dados criados é que a escolha dos
autores pode estar ligada com a sede das principais editoras que investem na publicação de
livros didáticos. Das editoras presentes no PNLD 2017 - História, as editoras Saraiva, Ática,
Scipione (Grupo Somos Educação), FTD, Brasil e IBEP possuem sede em São Paulo; a
editora Moderna pertence ao Grupo Santillana, de origem espanhola, mas sua sede no Brasil
localiza-se em São Paulo; a editora Leya é portuguesa, mas sua sede brasileira também está
em São Paulo. A única exceção é a editora Positivo, cuja sede localiza-se no Paraná (e os três
autores que publicam obras por essa editora atuam em Minas Gerais).
Podemos entender que a proximidade do local de atuação dos autores com a sede da editora
facilita no processo de produção dos livros por meio de uma comunicação mais rápida e pela
redução no custo de passagens. Mas não podemos considerar este como o único motivo da
concentração de autores da região Sudeste. Por outro lado, essa concentração regional impede
na diversidade de obras e discussões pedagógicas e historiográficas presentes em outros
estados do país.
40%
25%
12%
10%
7%
3% 3%
PNLD 1997
Não identificado
São Paulo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
Paraná
Goiás
Pernambuco
48%
17%
14%
14%
7%
PNLD 2017
São Paulo
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Paraná
Não identificado
Também é realizado um intenso trabalho de marketing envolvendo esses autores. Muitos
passam a participar de atividades promovidas pelas editoras como palestras onde podem ter
um maior contato com professores e alunos (MUNAKATA, 2016). As entrevistas realizadas
nesta pesquisa demonstram que essa relação de divulgação através das editoras acontecem de
formas diferenciadas.
“Então, as atividades de divulgação elas são sempre mediadas e, na verdade,
organizadas pela editora. O autor, com raras exceções, ele tem pouco acesso ao
professor, à professora, da sala de aula, um acesso assim direto. Alguns autores e
autoras têm porque já são pessoas que estão há muito tempo e enfim, foram
cultivando isso ao longo do tempo, mas, de maneira geral, esse contato é sempre
mediado pelas editoras. Então as editoras, a partir das demandas, às vezes é da
secretária de educação municipal ou estadual, ou de escolas mesmo tanto públicas
quanto privadas, elas solicitam, falam: "ah, olha, tem um grupo aqui de cinco
escolas da região X que eles querem conversar sobre a questão da leitura,
interpretação de documentos históricos, então você pode fazer uma oficina sobre
isso e trarará" então a gente vai atendendo a essas demandas conforme elas vão
chegando, quando não vem uma demanda específica, a gente também propõe, né?
Então "ó, seria bacana, a gente conversar com os professores sobre as perspectivas
atuais do ensino de História, como trabalhar dentro de uma perspectiva em que o
aluno seja mais protagonista, e tal" a gente apresenta uma proposta pra editora, e a
editora entra em contato aí com a parte comercial, porque essa é a parte que está
mais diretamente em contato com as escolas, gestores e professores, e aí eles vão
agendando também conforme as necessidades e os pedidos dos colegas professores.”
(PANAZZO, 2017)
Panazzo caracteriza suas ações de forma mediada pela editora, por demanda do público
escolar ou por proposta feita pelas próprias autoras. Já Cotrim, que trabalha na mesma editora,
caracteriza sua relação de forma diferente, indicando que não há um padrão na relação com os
autores.
“Então, quando viajo, dou palestras, eu sempre dou palestra relacionada a algum
tema, por exemplo, agora eu fiz um ciclo de palestra cujo o tema educação,
cidadania e pertencimento. Falava um pouco de educação, processos educacionais,
formas de conduzir e falava de cidadania, né?
Entrevistador: Pela editora que você faz esse ciclo de palestras?
Eu faço esse ciclo de palestraS atendendo às vezes a convites de pessoas ligadas a
secretarias de educação, de escolas e às vezes da própria editora que organiza
eventos em determinados lugares. Então têm esses três mecanismos. Eu gosto de
receber convites de escolas que me pedem pra falar de alguma coisa. Tenho pudor
de não falar, embora eu seja um autor de livros didáticos, é minha profissão escrever
livros, mas eu tenho pudor de não vender livros, eu não sou vendedor de livros. Você
vende livros indiretamente, à medida que você divulga suas ideias, as ideias podem
estar associadas ao livro. Mas eu sempre desenvolvo alguns temas assim pra
educacionais, né? E nesses encontros, ainda mais agora com internet, com essas
coisas todas, eu tenho Facebook, eu recebo muitas sugestões "por que você não faz
isso?" "não faz aquilo?". A gente vai fazendo o que pode, sem querer evidentemente
dar conta de tudo.” (COTRIM, 2017, grifo nosso)
As palavras de Cotrim situam a editora como mediadora para as palestras que ministra pelo
país, mas não é algo que acontece só por essa iniciativa. O autor, que está mais tempo no
mercado editorial, relata receber convites pessoais. Um discurso em comum entre as falas dos
dois autores é que essas visitas não possuem como objetivo promover a venda de livros, mas
sim estabelecer diálogos com os professores sobre temas que envolvem o ensino de História.
Panazzo demonstra como esse encontro proporciona o conhecimento das demandas do
público-alvo.
“(...) é uma experiência extremamente positiva porque ali também é um momento
em que a gente tem condição de ouvir o professorado, e muitas vezes ele, por mais
que a gente imagine quais sejam as demandas, dificuldades e tudo mais, naquele
momento que ele está conversando conosco, a gente tem clareza de onde o nosso
livro dialoga com essas necessidades, que a gente precisa ainda rever, precisa às
vezes mudar, incluir, enfim, então esse contato com os professores e professoras do
país todo, ele é extremamente importante pro nosso ofício de autor, isso é em
qualquer área do conhecimento.” (PANAZZO, 2017)
No documento
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ADRIANA SOARES RALEJO
(páginas 176-180)