• Nenhum resultado encontrado

3 LIVROS DIDÁTICOS: Novos tempos, novas políticas, novas configurações

3.2 O livro didático na atualidade: impactos do PNLD no lugar de autoria

3.2.2 O lugar de autoria na atualidade

3.2.2.1 Em defesa dos autores de livros didáticos: o papel da ABRALE

A especialização crescente dos autores para a produção de livros didáticos, direta ou

indiretamente, faz com que esse grupo, ao mesmo tempo em que é heterogêneo e constituído

por sujeitos de diferentes trajetórias e campos de atuação, como procuramos demonstrar

através da análise das informações apresentadas, se constitua como um lugar que além de

mobilizar, também exerce um poder, onde decisões e escolhas são feitas sobre o

conhecimento histórico a ser ensinado.

Devido a importância desse lugar de autoria e a necessidade da defesa da integridade e

legitimidade deste lugar, foi fundada, em setembro de 1992, a ABRALE. Esta organização,

sem fins lucrativos, possui como finalidade contribuir para a elevação da qualidade do ensino

brasileiro; defender a dignidade profissional dos autores-educadores; promover a integração

dos autores de livros didáticos e paradidáticos representando-lhes os interesses junto às

editoras, órgãos governamentais e entidades congêneres80.

Entendemos que a necessidade da formação da ABRALE está situada em um contexto em que

os livros didáticos, de todas as disciplinas e níveis de ensino, mas principalmente aqueles da

disciplina História, passaram a receber diversas críticas quanto aos seus conteúdos e métodos

marcados por uma abordagem tradicional e com forte caráter ideológico, obras características

do período do regime militar. Esses livros foram ganhando descrédito, como comentado

anteriormente e, consequentemente, seus autores, cuja formação e prática foram colocados

“sob suspeita”. A rejeição e a postura crítica da sociedade a esses materiais foram crescendo e

gerando polêmicas.

Mesmo com a mudança no perfil dos livros didáticos do final da década de 1980 por

discussões marcadas por uma historiografia crítica e com abordagens mais próximas da

realidade do aluno (discurso presente em propostas curriculares na década de 1990), os livros

didáticos continuaram sendo alvo de críticas, agora no contexto de avaliações realizadas pelo

PNLD. Assim, a ABRALE tem se colocado como interlocutora de órgãos governamentais

como o MEC, a Secretaria de Educação Básica e o FNDE, que elaboram e são gestores do

PNLD, e rebatendo críticas generalizadoras da mídia sobre a má qualidade do livro educativo,

ao mesmo tempo em que discute condições para sua melhoria.

Em relação aos autores, esta organização tem representado um lugar de luta pelos direitos

desses sujeitos, apresentando sugestões para a elaboração da nova Lei do Direito Autoral e

elaborado seu Código de Ética. Em sua relação com as editoras, tem se colocado como

interlocutora da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (ABRELIVROS) na

busca de garantir os direitos e a legalidade dos contratos estabelecidos com os autores.

Em um breve levantamento realizado na página virtual da Associação e na página no

Facebook, encontramos os seguintes temas compartilhados ou promovidos no ano de 2017

que demonstram que tipos de preocupações e discussões mobilizam esse lugar de defesa dos

autores:

 Base Nacional Comum Curricular

 Escola Democrática

 “Escola Sem Partido”

 Ensino religioso

 Sexualidade e gênero

 Realidade do aluno e da escola (adolescência, violência e desigualdade)

 Avaliações (IBEP, ENEM, ANA, PNLD)

 Inclusão e acessibilidade

 Educação digital

 História e Cultura afro-brasileira e africana

 Alfabetização

 Educação Infantil

 Formação de professores

 Métodos de ensino-aprendizagem

Em entrevista com Silvia Panazzo, que no momento da realização desta pesquisa ocupa o

lugar da presidência da ABRALE81, a autora coloca quais são os principais desafios desta

organização:

“Nós estamos num momento em que a ABRALE enfrenta situações desafiadoras. A

ABRALE é uma associação de 25 anos [em 2017] (...) E desde a sua origem, ela tem

como foco principal colaborar, contribuir pra educação pública, sobretudo a pública,

de qualidade. Então nesse momento os desafios que a ABRALE enfrenta são muitos

(...) Por que a gente percebe uma pouca, talvez pouca sensibilidade, vamos dizer

assim, dos órgãos do governo pras questões que a ABRALE, enquanto associação

dos autores, levanta.

(...)

O objetivo é esse: ofertar ao professorado bons materiais, materiais de qualidade,

materiais que não sejam uma colcha de retalhos pra atender a tantas demandas e pra

isso a gente precisa de tempo, a gente precisaria também de assim que os programas

fossem mais estáveis, porque se a cada programa, você tem mudanças muito

significativas, você nunca consegue melhorar aquilo que já mudou de novo, então

esse tempo do aprimoramento também é importante, uma obra ela amadurece. Pra

isso o programa também precisaria ser mais estável nas suas demandas.”

(PANAZZO 2017)

Um dos principais pontos de discussão promovido pela Associação foi a produção da BNCC

que tem impactado na produção de livros didáticos, como comentado anteriormente pelo

Edital do PNLD 2019 – Séries Iniciais. Panazzo também fala sobre essa questão como

representante da ABRALE:

“Então, pra você ter uma ideia, em 2015 quando ainda não tinha sido lançada nem a

primeira versão da BNCC, mas já estava em processo de elaboração, a ABRALE,

em parceria com Abrelivros, que é a associação das editoras no segmento didático,

fez uma tarde de estudo, de debate a respeito da BNCC convidando representantes

do MEC pra entenderem como é feito o material didático, entender, inclusive, a

questão dos prazos porque já na época nos preocupava um documento sendo feito, e

claro (...), ele sendo aprovado, os materiais didáticos precisarão se ajustar à eles, mas

tentando mostrar que assim, não é do dia pra noite. Então acho que foi uma coisa de

informar mesmo tudo desde a concepção do autor até a questão prática mesmo, das

provas, do projeto gráfico, da questão da gráfica, do tempo que se precisa pra

imprimir e etc, das licenças que são necessárias serem compradas ou obtidas, enfim.

E já naquela época os representantes do MEC se surpreenderam com a

complexidade que está envolvida nessa cadeia produtiva do livro, porque pra quem

não conhece parece até uma coisa simples, né? "Ah, seis meses? Puxa, tempo

suficiente, nossa, vai um ano é suficiente" quando não é. Na verdade as obras

começam a ser gestadas entre dois anos e meio e três anos antes do seu lançamento,

dois anos e meio, três anos antes há um ritmo aceleradíssimo. Não é que tem tempo

pra fazer com muita calma, não, esse já é um ritmo (...), essa coisa do cronograma, é

muito enxuto e a gente tendo que correr pra cumprir os prazos porque a

complexidade é muito grande, são muitos atores envolvidos. Não é só o autor ou só

a gráfica, quer dizer, tem vários segmentos aí envolvidos nessa produção. Então, na

época a gente já fez essa conversa, essa discussão pra alertar sobre a necessidade de

um tempo hábil pra que os materiais saíssem ajustados de acordo com essa BNCC

que naquele momento era só um esboço ainda. E, desde então, essa questão tá no

81

A ABRALE, desde sua criação, teve 14 presidentes que atuam como autores de livros didáticos, 4 deles foram

da área de História: Gilberto Cotrim, Alfredo Boulous Jr, Gislane Azevedo Seriacopi e Silvia Panazzo.

nosso radar. Aí vem uma primeira versão que aberta à consulta pública e tal que

acabou sendo modificada numa segunda versão, e depois a terceira versão que

acabou também trazendo muitas novidades em vários aspectos e isso impacta na

produção autoral, na produção editorial. Então a gente tem mantido conversas

frequentes com a SEB, com os órgãos do MEC que cuidam dessa parte, falando dos

prazos, nós pedimos que eles revissem a obrigatoriedade desses materiais saírem de

acordo com a BNCC , terceira versão, justamente por conta do tempo, a terceira

versão foi publicada em abril, muitos autores já estavam trabalhando na suas obras

(...) que isso apresentou um retrabalho, a partir do zero.” (PANAZZO, 2017)

Compreendemos que a fundação desta organização evidencia a existência de um lugar de

autoria e a necessidade de luta e legitimação deste lugar dentro do universo educacional.