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3 LIVROS DIDÁTICOS: Novos tempos, novas políticas, novas configurações

3.2 O livro didático na atualidade: impactos do PNLD no lugar de autoria

3.2.1 Sistemas de ensino: driblando a avaliação do PNLD

A intensificação de fiscalização de livros didáticos, promovida pelo PNLD, tem feito com que

as editoras invistam em alternativas para driblar a avaliação e continuar garantindo a

lucratividade. É nesse contexto que tem aumentado a produção de sistemas de ensino que têm

substituído cada vez mais o lugar dos livros didáticos.

Esses materiais, definidos por Lellis (s.d.) como “instituições privadas que produzem e

vendem seu material didático a escolas conveniadas, em um esquema de franquias”,

começaram a fazer sucesso em cursinhos de pré-vestibular na década de 1950. A

sistematização das aulas passou a se difundir nas escolas conveniadas a esses cursinhos na

década de 1980, com um discurso de ser um material reciclado, mais apropriado para atender

os interesses dos alunos e que ajudaria professores pouco qualificados com o prestígio dos

cursinhos como selo de qualidade.

A crise inflacionária no país no início da década de 1990 impulsionou a expansão dos

sistemas de ensino nas escolas particulares como uma forma de corte de gastos com o contrato

de professores qualificados e material didático de custo elevado. A venda desse tipo de

material foi gradativamente crescendo com a divulgação de uma imagem de garantia de

aprovação nos cursos de ingresso às universidades públicas do país (CASSIANO, 2013, p.

41). Os sistemas de ensino passam a impactar nas políticas de currículo desenvolvidas em

instituições educacionais, oferecendo uma possibilidade de trabalho com conteúdos a partir de

uma proposta já estruturada (idem, 2017).

Com a recuperação da economia a partir de 1994, começou um investimento desse tipo de

material voltado para a escola pública (LELLIS, s.d.). Atualmente os municípios possuem

autonomia para optar pelo uso dos sistemas de ensino, desde que arquem com os custos com

as verbas locais. Isso faz com que haja uma estratégia diferente das editoras para este universo

educacional específico. Com um discurso das prefeituras de proporcionar uma educação de

qualidade, equiparada ao que recebem as classes mais favorecidas da sociedade, se torna

necessário abrir um processo de licitação e declarar ao governo federal a opção de não adotar

os livros fornecidos através do PNLD a fim de não gerar duplicidade de gastos do dinheiro

público66 (LELLIS, s/d). Durante o governo Lula, a então Ministra da Educação Guiomar de

Mello chegou a defender a adoção do MEC dos sistemas de ensino. Algumas questões surgem

quanto à adoção desses materiais na rede pública: há licitação em todos municípios? Quem

analisa os editais e contratos? Esses sistemas de ensino representariam uma terceirização da

educação? (CASSIANO, 2013, p. 43, 2017, p. 84)

A configuração desse tipo de material é diferente da proposta dos livros didáticos, oferecendo

não somente os textos didáticos em forma de apostilas, mas também outros serviços

oferecidos no “pacote” como orientação pedagógica, ciclo de palestras para treinamento do

professorado, metodologias prontas e fornecimento de produtos tecnológicos como acesso a

portais de internet e cursos à distância. Segundo Cassiano (2013, 2016), as principais editoras

que têm investido nesse tipo de estratégia de marketing é o grupo Somos Educação (Sistema

Anglo, entre outros), o grupo Santillana (Uno Internacional) e o grupo Positivo.

Nos últimos anos, a mídia tem feito um alarde muito grande sobre a eficácia desses tipos de

materiais67, mostrando dados em que as notas de avaliação dos alunos que usaram esse tipo de

66

Resolução nº60 de 20 de novembro de 2009, alterada pela Resolução nº 10 de 10 de marco de 2011.

67

Consulta em 09/01/2018 nos seguintes endereços eletrônicos:

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2010/06/uso-de-sistema-de-ensino-estruturado-melhora-notas-de-alunos-diz-pesquisa.html

https://veja.abril.com.br/blog/educacao-em-evidencia/ensino-estruturado-um-modelo-pedagogico-eficaz/

http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/escolas-privadas-adotam-sistemas-de-ensino-estruturado

material têm melhorado e o aumento da demanda dos pais pelo seu uso porque confiam nesse

tipo de metodologia voltada para a aprovação no vestibular:

“Mas o sucesso dos sistemas de ensino só é possível porque atendem uma demanda

dos próprios pais. Preocupados com o vestibular, os pais cobram um bom

desempenho da escola e querem que seus filhos estejam atentos ao exame desde

cedo. Os pais enxergam a educação como um instrumento de ascensão social. „Não

adianta enfeitar. O futuro é o vestibular. E você quer o melhor para o seu filho‟,

afirma Jocely Fortuna, mãe de três filhos, todos educados com apostilas dos

cursinhos.” (Portal Aprendiz, 2006)

Por outro lado, alguns especialistas na área educacional apontam problemas na adoção desse

tipo de material como (i) a padronização e imposição de uma metodologia e concepção

didática, tirando a autonomia do professor na montagem de seus planos de aula e na escolha

do material; (ii) uma abordagem baseada na memorização e reprodução de conteúdos e

informações sem proporcionar reflexões e a produção de conhecimentos por parte do aluno;

(iii) o alto custo desses materiais comparados aos livros fornecidos gratuitamente pelo MEC,

desviando um dinheiro que poderia ser empregado com outros custos na educação; e (iv) a

possibilidade de conterem erros porque não passam por uma avaliação de especialistas

(LELLIS, s.d.; CASSIANO, 2013, 2017). Outra questão polêmica levantada por Cassiano é

quanto a proposta de formação de professores. Que formação seria essa se o sistema já

oferece um material pronto para ser reproduzido? Como é possível refletir sobre a ação de

forma própria com modelos semi-prontos?

Quanto a questão da autoria, os sistemas de ensino não apresentam um sujeito físico como

responsável pela obra. É a própria editora que aposta no selo de qualidade que representa

através dos números de aprovações que se torna responsável pela obra. Nesse caso, a própria

editora ganha hegemonia sobre o lugar de autoria. Mesmo não indicando o nome de um

autor, compreendo que existe ali a função-autor (FOUCAULT, 2012a). A equipe que

participa desse tipo de produção68 não recebe direitos autorais porque a proprietária da

concepção da obra é a própria editora, sendo assim um negócio mais rentável. A identidade da

obra, neste caso, não tem nenhuma ligação com pessoas físicas e racionais (ANDRADE,

2003; CASSIANO, 2013).

Ainda há muitas desconfianças e desafios sobre a questão dos sistemas de ensino. Mas

aquelas apostilas, que eram criticadas pela má qualidade dos materiais, têm se adaptado às

exigências do público consumidor, aprimorando a metodologia utilizada e ganhando cada vez

mais campo no mercado brasileiro.

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