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CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. Avaliação

1.7 A interação na avaliação de desempenho em segunda língua

Segundo McNamara (1997b, p. 449), “[...] para Bachman o termo interação, mesmo ao referir-se à interação social, refere-se exclusivamente à atividade cognitiva por parte do examinando43” (ênfase no original). Porém, McNamara (1997b) considera que essa concepção do termo interação implica uma visão isolada do examinando. Para o autor, o perigo desse foco exclusivo na capacidade do examinando em termos cognitivos é que o desempenho passa a ser visto como simples projeção da capacidade do examinando. É como

43 No original: […] for Bachman the term interaction, even when it is referring to social interaction, refers

se ele fosse o único responsável pelo seu desempenho. No entanto, segundo McNamara (1997b, p. 453), “obviamente, o desempenho não é uma simples projeção do que está na cabeça do examinando44”.

Nesse mesmo sentido, Brown (2007) corrobora a afirmação de McNamara ao definir interação como uma troca colaborativa de pensamentos, sentimentos ou ideias entre duas ou mais pessoas e que provoca um efeito recíproco em cada um. Para o autor, é por meio da interação que as pessoas “negociam” sentidos.

Por meio de dois exemplos citados por McNamara (2000), o da enfermeira tailandesa e o da enfermeira de Hong Kong, relatados a seguir, é possível verificar essa troca colaborativa e ver que o desempenho, seja ele bem sucedido ou não, depende da interação das duas (ou mais) pessoais envolvidas.

A enfermeira tailandesa trabalhava com pacientes idosos em um hospital geriátrico americano. Tratava-se de uma pessoa com problemas linguísticos, como deficiência na gramática, vocabulário e pronúncia. Porém, devido a sua competência profissional e personalidade agradável, as pessoas que se comunicavam com ela tomavam para si parte da responsabilidade para o sucesso da comunicação, pois conheciam sua proficiência limitada na língua inglesa. Eles, portanto, contribuíam para o sucesso da interação, por meio de negociações, verificando o que haviam entendido e pedindo esclarecimentos quando necessário.

Em contrapartida, a enfermeira de Hong Kong era uma falante nativa de cantonês e uma falante competente de inglês que trabalhava em um hospital em um país cuja língua oficial era o inglês. Em um caso de emergência com um paciente, ela precisou ligar para a recepcionista, uma falante nativa de inglês, para pedir ajuda urgente. No entanto, a recepcionista, cuja reputação era de ser racista, declarou não ser capaz de entender a enfermeira e, portanto, a interação não foi bem sucedida e o paciente morreu.

Qualquer que seja a explicação para esse não entendimento, independentemente do responsável pelo sucesso ou fracasso da comunicação, o que importa é que a comunicação não ocorreu, ou seja, “tanto o sucesso quanto o fracasso parece ser uma conquista compartilhada, pois a comunicação é co-construída” (McNAMARA, 2000, p. 84- 85)45.

44 No original: But clearly a performance is not a simple projection of what is in the head of the candidate.

(McNAMARA, 1997b, p. 453)

45 Tradução para: It seems that success or failure is a joint achievement: the communication is a co-construction.

Da mesma forma, não é possível ter uma visão isolada do examinando, no contexto de avaliação de línguas. A atuação do entrevistador, juntamente com o seu estilo, podem interferir no desempenho do examinando durante a interação. Lazaraton (1996), uma das primeiras pesquisadoras a focar os estilos de entrevistadores de exames orais, analisou uma aplicação do exame CASE (Cambridge Assessment of Spoken English) de modo a verificar como os entrevistadores interagiam com os examinandos por meio de apoios e quais implicações, vantagens e desvantagens, esses diferentes apoios exerciam no desempenho dos examinandos.

Os tipos de apoios categorizados por Lazaraton (1996) são apresentados no quadro abaixo, elaborado por Bottura (2014, p. 51):

QUADRO 3: Tipos de apoio dados pelos entrevistadores nas interações

Tipos de apoio dados pelos entrevistadores

nas interações O entrevistador...

1.Contextualiza o assunto. - Contextualiza o assunto a ser conversado, o que pode facilitar o entendimento do

examinando. Esse apoio beneficia o

desempenho do mesmo, uma vez que facilita a compreensão sobre o assunto a ser discutido. Contudo, é desvantajoso para a confiabilidade do exame já que esse tipo de apoio não é realizado de modo igual a todos participantes. 2.Fornece vocabulário. - Fornece vocabulário de modo a ajudar o

examinando a elaborar as respostas.

- Beneficia o desempenho do examinando, pois auxilia a construção de respostas mais

aceitáveis.

- Prejudica o desempenho do examinando, pois o entrevistador realiza interferências para fornecer vocabulário e não fornece

oportunidades para o examinando produzir na língua-alvo.

- Aumenta assimetria da relação.

3. Fornece feedback. - Fornece algum feedback após respostas dos examinandos, tais como: ótimo, ok, mhm mhm, muito bem!.

- Prejudica o desempenho, pois o examinando pode interpretar o feedback depois de suas respostas como uma avaliação do entrevistador sobre o que ele disse.

4. Repete e corrige respostas dos examinandos. - Atua como professor, corrigindo as respostas dos examinandos em contexto avaliativo. 5. Realiza fala facilitadora para estrangeiros. - Fala lentamente, pausadamente e com excesso

de articulação. 6. Realiza afirmações acerca das questões da

prova.

- Realiza perguntas de sim/ não sobre os tópicos a serem desenvolvidos.

- Fornece poucas oportunidades para o examinando demonstrar o que sabe desempenhar na língua-alvo.

7. Infere conclusões para o examinando. - Resume e infere conclusões acerca do que o examinando está falando, o que retorna ao modelo de perguntas sim/ não, dando poucas oportunidades para o examinando engajar-se na interação.

8. Age como professor facilitador, reformulando perguntas e checando compreensão.

- Reformula as perguntas para facilitar a compreensão da mesma para os examinandos. Muitas vezes essa reelaboração é exagerada, com várias perguntas adicionais sobre o mesmo assunto para checar ou facilitar a compreensão. Fonte: Bottura (2014, p. 51)

A partir desses tipos de apoios, a autora busca analisar se eles contribuíram para diferentes oportunidades para os examinandos, podendo causar diferenças no desempenho e consequentemente na avaliação final.

Esses tipos de apoios serão importantes para nossas análises, uma vez que permitirão verificar se eles ocorreram nas interações e se contribuíram ou não para que a interação mediada pelos Elementos Provocadores fosse bem sucedida para os examinandos, de modo a minimizar os efeitos de uma má escolha dos EPs por parte dos avaliadores e/ou de EPs que não favoreceram a interação por fatores diversos.

No Brasil, autores como Bottura (2014), Furtoso (2011) e Sakamori (2006) também discutiram a atuação dos entrevistadores em interações face a face, especificamente na interação face a face do exame Celpe-Bras, foco deste estudo. Por isso, optamos por trazer a contribuição dos seus trabalhos na seção 1.8.4, na qual apresentaremos trabalhos publicados sobre o exame Celpe-Bras.

Na sequência, apresentaremos a Parte Oral do exame de proficiência Celpe- Bras, a qual se dá por meio de uma interação entre Avaliador-Interlocutor e examinando. Discutiremos sua concepção teórica, níveis de proficiência, documentos (Manuais e Guias) e, finalmente, trabalhos publicados sobre o Exame.