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CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. Avaliação

1.3 A avaliação oral de segunda língua sob uma perspectiva histórica

1.3.2 Avaliação oral nos anos de guerra

A segunda guerra mundial foi o divisor de águas na história da avaliação oral de línguas, pois percebeu-se que muitos soldados não tinham habilidades linguísticas para executar suas tarefas. Por essa razão, foi criado em 1942 o Army Specialized Training

Program (ASTP) – Programa de Treinamento Especializado do Exército, o primeiro programa de instrução linguística para lidar com problemas de comunicação dos profissionais americanos por meio de programas que focavam na produção oral nos campos da engenharia,

medicina e linguagem. Os primeiros aprendizes começaram a seguir o novo currículo no início de 1943 e aproximadamente 140.000 soldados receberam instrução intensiva no ano em que o ASTP foi operacionalizado. No entanto, em abril de 1944 o governo americano suspendeu o programa.

Por ser um programa com foco na produção oral, o critério para alcançar o sucesso deveria ser diferente do que ocorria até então. Segundo Fulcher (2003), o ASTP classificava o examinando em duas categorias: expert e competente. Era considerado “expert” o indivíduo que era capaz de compreender e falar a língua tão bem quanto um nativo com o mesmo grau de instrução e “competente” aquele indivíduo que era capaz de compreender a língua falada entre os adultos nativos e era capaz de falar bem o suficiente para ser entendido por nativos sobre assuntos não técnicos de importância militar.

A mudança no ensino de línguas fez com que a avaliação passasse de uma avaliação de conhecimento gramatical para uma avaliação da capacidade de desempenho do examinando. Kaulfers (1944, p. 137), citado por Fulcher (2003, p. 6-7), reflete sobre a necessidade dessa mudança, conforme podemos ver a seguir:

A urgência da situação mundial não permite teorização erudita em Inglês sobre a estrutura gramatical da língua durante dois anos antes de tentar conversar ou entender conversas telefônicas... . A natureza dos itens de teste individual deve fornecer indícios concretos e reconhecíveis da prontidão do examinando para atuar em uma situação da vida, na qual a falta de capacidade de entender e falar de improviso pode ser uma deficiência grave para a segurança e conforto, ou para a execução eficaz das responsabilidades militares23. (KAULFERS, 1944 apud

FULCHER , 2003, p . 6-7)

Segundo Kaulfers (1944), os testes de lápis e papel, ou seja, os testes de conhecimento, são incapazes de mensurar a capacidade de falar em situações de vida real. Para o autor, a afirmação de que eles podem medir a capacidade oral consiste em uma “falácia correlacional”, uma vez que “não se pode garantir que a capacidade de se expressar de forma escrita está correlacionada com a capacidade de falar a língua extemporaneamente24” (KAULFERS, 1944, p. 140, apud FULCHER, 2003, p. 7).

23 Tradução para: The urgency of the world situation does not permit of erudite theorizing in English about the

gramatical structure of the language for two years before attempting to converse or to understand telephone conversations... The nature of the individual test items should be such as to provide specific, recognizable evidence of the examinee´s readiness to perform in a life-situation, where lack of ability to understand and speak extemporaneously might be a serious handicap to safety and comfort, or to the effective execution of military responsibilities. (KAULFERS, 1944, apud FULCHER, 2003, p.6-7)

24 Tradução para: It simply cannot be taken for granted that ability to express oneself in writing is correlated with

Nesse sentido Kaulfers argumentou em favor de testes de desempenho com duração de cinco minutos e três níveis de dificuldade. Interlocutores e avaliadores seriam pessoas diferentes. O ambiente deveria ser agradável e o entrevistador deveria ser amigável e informal, porém prático. O teste começaria com uma conversa informal para relaxar o examinando antes do início do teste propriamente dito.

De acordo com Fulcher (2003), esses testes de desempenho nunca foram colocados em prática, mas serviram de base para novos tipos de avaliação oral. Ainda segundo o autor, o único teste desenvolvido com relação aos novos programas ASTP foi realizado no Queen´s College, em Nova Iorque, pois Agard e Dunkel (1948) não conseguiram encontrar na literatura nenhum teste oral e, portanto, elaboraram seu próprio teste para avaliar os alunos do programa ASTP, cujo critério para o sucesso era a competência comunicativa.

Esse teste era constituído de três partes, conforme apresenta Fulcher (2003), baesado em Barnwell (1996):

a) descrição de imagem: o examinando olha uma sequência de imagens e descreve cada uma delas;

b) discurso: um tópico é dado ao examinando e solicita-se que ele faça uma pequena apresentação, sem preparação prévia;

c) conversa direcionada: o examinando ouve uma gravação na língua alvo que diz o que ele deve fazer.

As partes 1 e 3 eram avaliadas com base em uma escala de três níveis, enquanto a parte 2 avaliava a base linguística, tendo como critérios a gramática, a fluência, o vocabulário e a pronúncia. Segundo Fulcher (2003), esse trabalho de avaliação oral é o precursor do primeiro teste oral publicado, o Foreign Service Institute (FSI)25 Oral Proficiency Interview (OPI) (Entrevista de Proficiência Oral do Instituto de Serviço Estrangeiro).

Com relação à avaliação oral no Reino Unido, Fulcher (2003) aponta que ela também teve um foco militar, sendo que novos pensamentos sobre o desenho da avaliação oral e os fundamentos para as inovações surgiam mais lentamente.

25 O Foreign Service Institute ( FSI ) é a principal instituição de treinamento do Governo Federal para oficiais e

pessoal de apoio da comunidade de negócios estrangeiros dos Estados Unidos, que prepara diplomatas norte- americanos e outros profissionais para ampliar os interesses em negócios estrangeiros no exterior e em Washington. O FSI fornece mais de 600 cursos, entre eles 70 cursos de línguas estrangeiras. Disponível em: