• Nenhum resultado encontrado

(Des)Encontros

Após os dois primeiros encontros na escola entre Nikita, eu e as crianças, foi fundada uma espécie de reverberação no tempo, como se fossem ecos dos diálogos que se iniciaram, as lembranças saltam e me fazem refletir. Uma delas coloco aqui...

Nikita tirava seus objetos de dentro de uma sacola, um de cada vez, contando o que eles significavam e as histórias que carregavam. Ela nos contava essas histórias com muita tranquilidade e afeto. Em um certo momento retirou a maraca, explicou que era um chocalho, falou sobre os materiais utilizados para sua confecção e o sentido dela em sua cultura, e que cada povo, cada etnia a utilizava de uma maneira diferente. Disse que as maracas também são chamadas de mbaracá na etnia guarani, e que apenas os homens ou os mais velhos manuseiam este instrumento em rituais de cura. E, assim, seguiu mostrando e nos narrando sobre os outros objetos.

No primeiro encontro com as crianças pensamos em uma roda de conversa, onde ela poderia falar sobre sua história, sua cultura, tirar as dúvidas das crianças e falar mais sobre as coisas que despertavam a curiosidade e a imaginação das crianças. Após este primeiro contato, como já disse, pensamos juntas, eu e Nikita, como poderia ser um segundo encontro. Conversamos ao longo dos meses e, chegando no dia marcado, organizamos a roda de canto e dança. Durante essa roda, Nikita nos orientava a falarmos as vogais dos nossos nomes, todos no mesmo ritmo, e esse ritmo era marcado com os passos, nossos pés no círculo. Então, peguei a maraca e entreguei na mão da Nikita, sem ela ter me pedido. Nikita segurava a maraca na mão e, ao mesmo tempo, segurava as mãos das crianças que estavam ao seu lado. Ela não a utilizava marcando o ritmo, como eu imaginei que ela poderia fazer, pois não é o hábito cultural dela, esse era meu hábito quando estava com as crianças na aula de ritmo,

Eu tinha a lembrança de outras indígenas segurando maracas, tocando e conduzindo a roda, mas elas não eram a Nikita, elas não eram Guarani Nhandeva. Então nessa reflexão, dentro desses momentos e imagens que ecoam em mim, percebo que a questão da generalização que fazemos com os indígenas não está apenas em nossas falas, mas também nos nossos gestos, na leitura que fazemos deles, apesar de eles serem claros ao nos apresentarem suas culturas. Nikita havia contado que na sua

cultura mulheres não conduzem com mbaracá na mão, e isso não foi o suficiente para que eu, em um gesto de atravessamento, tentasse colocar Nikita em um lugar que ela não ocupa na cultura dela, a de quem conduz com uma maraca.

Nós ainda desconhecemos amplamente essas culturas, então tendemos a nos repetir e repetir, colocando-os nos lugares onde nosso imaginário e pensamento querem, “Abrir nossos olhos é ver aquilo que é evidente; trata-se, como eu diria, de estar ou tornar-se atento ou expor-se” (MASSCHELEIN, 2008, p. 39). Ouvi-los, compreendê-los e principalmente aprender com eles, pois há um espaço vasto e generoso para construirmos juntos.

Dupla docência

Nikita nos visitava e eu ficava ansiosa pelos próximos passos, perguntei a ela se havia algo que eu pudesse fazer com as crianças durante as aulas de arte, algo relacionado à cultura indígena.

Na escola, temos o hábito de chamar de dupla docência o momento em que duas professoras estão juntas para pensar as atividades. Embora minha dupla docência com Nikita não tenha acontecido dentro do espaço escolar, assim me pareceu ser esse nosso encontro, como uma dupla docência intercultural.

– Não sei Mari, o que por exemplo? (Nikita)

– Algo que você gosta, que você conhece, que você acha importante que eles conheçam da sua cultura.

– Eu tenho isso aqui, você pode fazer com eles. (Nikita)

Nikita mostrou-me um pedaço de tecido de algodão onde tinha um grafismo desenhado. – Como você acha que eu posso fazer?

– Pede pra eles desenharem no tecido. (Nikita) – Depois pintamos?

– Pode ser. (Nikita)

Nikita, desde muito nova, aos quatorze anos, começou a trabalhar na cidade, em uma empresa de confecção de roupas, chegou a dizer para mim e para os estudantes que adora ensinar

costura.

Segui o combinado com Nikita, tecidos desenhados, pintados com tintas produzidas pelas crianças, com cola branca e pigmentos naturais. Após as crianças finalizarem os trabalhos em sala de aula, pedi novamente a ajuda da Nikita para pensarmos uma maneira de expor os trabalhos na Mostra Cultural. Então ela sugeriu que todos fossem costurados em um tecido. A princípio eu havia imaginado cada uma das crianças costurando sua pintura neste tecido, mas essa dinâmica era complexa naquele momento, pois demandava um tempo que não tínhamos, então Nikita se prontificou a costurá-los para nós, em um grande tecido de algodão.

Figura 38- estudantes 4ºano pintando tecido com grafismo

Nos diálogos com Nikita, enquanto pensávamos juntas o que poderíamos propor aos estudantes, eu percebia sua preocupação em conseguir aproximar esses dois “mundos”, aquilo que ela conhecia sobre a própria cultura, e o que de sua cultura seria possível levar para a sala de aula. Houve

um momento em que ela retirou de sua bolsa um pedaço de tecido com um grafismo desenhado a caneta, me contou que havia ganhado esse desenho de uma outra professora que estava fazendo um trabalho com a cultura karajá. Quando ganhou este desenho de presente, Nikita pensou em fazer um painel com os grafismos de vários povos diferentes, em tecido, então me sugeriu que fizesse isso com os estudantes, vários grafismos em um grande painel de tecido.

Levando comigo essa conversa comecei a pensar como organizar essa atividade, eu tinha um bom pedaço de tecido branco no armário, dividi-o em pequenos pedaços, um para cada criança, apresentei aos estudantes o pedaço de tecido com o grafismo que Nikita havia deixado comigo, disse a eles que também poderiam utilizar grafismos de outras etnias, que eles poderiam inclusive criar grafismos. Então iniciamos elaborando os desenhos e depois preparamos as tintas para pintá-los, as crianças trouxeram pigmentos naturais de casa, café, açafrão e colorau, misturamos com cola branca para fazer as tintas. Depois de finalizados os trabalhos me encontrei com Nikita para que ela pudesse realizar a costura.

Depois de um tempo, lembrei-me da primeira visita de Nikita, em que ela nos mostrou seus objetos indígenas, que pertenciam a diversas etnias, e associei a outro momento, quando Nikita falou sobre seu interesse nessa diversidade cultural dos povos indígenas. Quando Nikita me disse que estava criando um painel com variados grafismos, contou-me sobre seu encanto com as culturas dos outros povos, que são uma riqueza muito grande, e que considera importante apresentar essa diversidade cultural para os estudantes, não apenas a cultura de seu povo, que é Guarani. Nesse encontro percebo quão valiosa tem sido essa aproximação entre mim e Nikita, a maneira como ela, enquanto indígena em contexto urbano, percebe a si própria e àss demais culturas amplia meu olhar e percepção sobre as culturas indígenas. De acordo com Canclini (1997),

[...] hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento (CANCLINI, 1997, p. 348)

Então as culturas se relacionam, e o desenvolvimento dessas relações se dá no contato entre as culturas. É com isso que eu estou comprometida no trabalho docente, movimentos que possam despertar nos estudantes um novo olhar através dessas relações, um olhar que abandone a visão do índio romantizado ou estereotipado. Que os estudantes possam perceber Nikita como uma pessoa atravessada por diversas experiências culturais e históricas, e que este trabalho signifique a possibilidade de modificar nosso olhar sobre as dinâmicas sociais mais amplas. Que nesse movimento de aproximação entre esses sujeitos culturais e históricos possamos perceber as generalizações que construímos sobre nós mesmos e, ao percebê-las, refletir sobre elas.

Produzimos máscaras

Os passos e descompassos vividos nas experiências de diálogos interculturais não devem ser vistos como um problema, mas como o lugar onde possivelmente encontraremos a ampliação dessas experiências. As escolas fazem parte da cultura e, ao mesmo tempo, acolhem diversas experiências e práticas culturais através dos sujeitos singulares que as fazem existir. Olhar e perceber os diálogos interculturais faz-se necessário, posto que é na experiência cultural que as pessoas constroem

os sentidos de suas vidas.

Após a finalização desse processo de pinturas de grafismos sobre tecido iniciamos um estudo com máscaras, e para esse momento havia trazido algumas imagens de máscaras da etnia kayapó. Primeiro foi realizado um estudo com desenhos nos cadernos e em seguida a construção da máscara com materiais diversificados, papel cartão, tinta guache e ráfia (palha). A ideia era dar continuidade à aproximação com as culturas indígenas em diálogo com os tópicos planejados para o trimestre, que envolviam o estudo de máscaras.

Figura 41- estudo de máscara kayapó

Figura 42- mural com máscaras produzidas pelos estudantes 4ºano

reconhecidas e acolhidas pela escola, ao abrirem-se à possibilidade desses diálogos interculturais. Esses saberes, ao circularem na escola, podem contribuir para um importante processo ressignificação da percepção que temos sobre os povos originários, sobre suas histórias e memórias, e sobre nós mesmos.

Língua guarani

– Baecha nekoe! (Nikita) – O que é isso? (Natasha)

– Quer dizer bom dia, na minha língua, eu falo guarani, o português é minha segunda língua... (Nikita)

– Quando você chegou aqui você tinha dez anos, e já não estava com a família, você não falava português, como você se comunicava? (Natasha)

– Fiquei com eles um bom tempo, mas não falava português, de repente cheguei num lugar e não sabia falar, tive que ir pra escola pra aprender. (Nikita)

– Mas como vocês conseguiam? (Yuri)

– A gente não se entendia, eu fui pra escola na verdade quando eu tinha 15 anos, quando eu cheguei a escola não me aceitava por ser indígena. (Nikita)

– Isso é racismo! (Yuri)

– É importante saber que a gente tá por aí, alguns não sabem tratar, ou têm medo, não é assim, a gente não passa medo, não é coisa de outro mundo. (Nikita)

– Não é monstro, né? (Yuri)

– Eu queria entender por que eu não era aceita, por ser mulher, indígena, foi um choque, mas isso não me fez desistir, a gente tem que ser forte e lutar pelo que é seu de direito. (Nikita)

Nikita nos traz sua memória de como é ser mulher indígena no contexto urbano, desde pequena percebia que havia uma negação para que ela ocupasse alguns espaços sociais, ela precisou

aprender a língua portuguesa para sobreviver, e não para apagar sua origem indígena.

Uma das estratégias de interdição da incômoda presença indígena em centros urbanos parece ser a produção de sua “morte política”, a partir da noção de que não seriam “índios de verdade”, estariam “perdendo sua identidade e sua cultura”. Neste contexto, adquirem vigor os saberes que informam quem são, onde vivem, como vivem, que lugares ocupam os povos indígenas, saberes que produzem, também, a impossibilidade de reconhecermos nestes sujeitos que encontramos pelas ruas uma suposta identidade indígena “verdadeira”. De certa forma, tais representações servem para expulsá-los para fora dos limites “ordeiros” daqueles espaços que inventamos para habitar (BONIN, 2010, p. 81).

Nesse caso, a “morte política” de Nikita se dava, inclusive, através da inacessibilidade ao espaço escolar, porém muitos outros acessos lhe foram negados, então as invenções desses espaços sociais e a discriminação de quem pode ou deve ocupá-los devem ser objetos de reflexão na escola, nessa experiência percebemos que os estudantes acolheram a Nikita e discutiram sobre essa discriminação.

E não é qualquer diálogo intercultural. É aquele que se propõe ser emancipatório no interior da escola, ou seja, que pressupõe e considera a existência de um “outro”, conquanto sujeito ativo e concreto, com quem se fala e de quem se fala. E nesse sentido, incorpora conflitos, tensões e divergências (GOMES, 2012, p. 105).

E no diálogo intercultural os sujeitos da experiência vão apresentando suas narrativas e percepções, Nikita está lá para falar e ser ouvida, ela reivindica o reconhecimento dos seus direitos através de suas histórias, e enquanto traz sua narrativa encontra um parceiro entre os estudantes, que reconhece o racismo que sofreu ao tentar acessar o espaço escolar. A presença indígena no espaço escolar possibilita que os sujeitos produtores das diferentes culturas tenham o direito de dialogar e interferir na produção de novos projetos curriculares, educativos e de sociedade.

– Isso aqui eles fizeram na aula passada, eu perguntei pra eles o que gostariam de aprender com a Nikita, e eles disseram que é muito legal falar a língua, aí alguns alunos pesquisaram e compartilharam com os colegas, o que nós aprendemos a falar... aqui ó Baechapa... (eu-professora)

– Ahh, que bonitinho... (Nikita)

– Quando a gente foi pesquisar parecia uma língua guarani do Paraguai. (Beatriz)

– Os paraguaios também falam guarani, minha aldeia fica na divisa com o Paraguai. (Nikita)

Figura 43- estudante 6ºano escrevendo palavra Guarani

Os estudantes ficaram impressionados ao perceberem que Nikita falava outra língua, se prontificaram a pesquisar algumas palavras e sua tradução para mostrar a ela quando voltasse a nos visitar.

A perspectiva intercultural deve ser crítica, na compreensão de que não se trata da relação entre duas culturas que se diferenciam apenas, mas que elas estão sempre em abertura, pois há um processo de hibridização que supõe que as culturas não são puras, nem estáticas, que concebe as culturas em contínuo processo de construção, desestabilização e reconstrução (CANDAU, 2016, p. 808).

Figura 44- cumprimento guarani, "Como você está?"

...

– E se a gente for lá na aldeia, eles vão entender algumas coisas que a gente fala? (Beatriz)

– Lá na aldeia já tem aula de português, mas a gente só fala guarani. (Nikita)

– Lá tem muitas matérias que nem aqui? Como português, matemática, geografia... (Marina)

– Tem até mais, tem outras que não tem aqui. (Nikita) – E aqui a gente podia ter aula da língua guarani. (Beatriz)

– É, Nikita dá aula pra nós! (Lucca)

– Meu sonho era ser professora de português lá na aldeia. (Nikita) – Convence a diretora, professora. (Beatriz)

No diálogo acima, percebemos os estudantes imaginando-se na aldeia, como seria esse encontro e se haveria a possibilidade de uma conversa, já que são línguas diferentes. Queriam também saber mais sobre a escola indígena, uma das meninas compara as duas escolas, e diz que se na escola indígena eles têm que aprender a língua portuguesa, então, aqui, deveríamos aprender a língua guarani.

O interesse dessa turma me faz perceber a potência da presença indígena no espaço escolar, quão mobilizadoras podem ser as questões que estes sujeitos trazem nesses encontros, superando, inclusive, a dificuldade que tenho em alguns momentos em envolvê-los nas atividades.

Os estudantes ficam intrigados em saber como acontecem as aulas na escola indígena, se ela é parecida com a escola que eles conhecem. Quando se dão conta de que a língua materna deles é outra, que não a língua portuguesa, alguns ficam confusos, e em seguida uma das estudantes demonstra o desejo dessa troca cultural, solicita que tenham aulas de língua guarani. O restante do grupo reage confirmando que seria muito interessante se a Nikita pudesse ser a professora deles.

Nikita, ao trazer essas narrativas sobre a escola indígena, produz um deslocamento e, nesse diálogo intercultural é possível que os estudantes compreendam um pouco mais sobre o indígena contemporâneo e, de alguma maneira, que as culturas não são puras nem estáticas, assim como as formas de viver a experiência escolar são também plurais.

Indígena em contexto urbano

Calça, camisa, sapato. Calça, camisa, cocar, pé no chão. Calça, grafismo no peito, pé no chão, maraca na mão. Caminha pela rua, entra no banco, espera na fila. Pega o ônibus, desce no ponto, compra o celular. Volta pra casa, carne para o churrasco, puxa o toré. A cidade está no indígena e o indígena está na cidade.

resistem às mudanças da modernidade capitalista, porque veem nessas mudanças e promessas de futuro um esvaziamento de sentido existencial. Segundo o autor, essas pessoas, como outras tantas, estão resistindo não por motivos ideológicos, mas porque percebem que haverá uma destruição em seu modo de ser, de seus laços sociais, de seus valores. Valores que, nesse caso, são produzidos oralmente e circulam de geração em geração. Eles não querem simplesmente ser proletários na cidade, na cidade não há seus rituais de valorização, é um lugar onde todos são estranhos e se tratam como estranhos.

Então, ser refratário é na verdade defender uma determinada qualidade de vida mais substantiva, mais cheia de conteúdo, mais rica de simbolismo cultural, do que aquela pela qual você está sendo forçado a trocar as suas convicções a as suas afeições. [...] É esse empobrecimento que eles não querem. É essa redução à condição de proletário no capitalismo moderno, que eles não querem (SEVCENKO, 2012, p. 13).

Nikita expressa estar atravessada por esta ideia, sua narrativa de criança na cidade mostra uma menina que desde os 14 anos trabalhou em empresa, em fábrica de modelagem e costura, então, ser indígena, mesmo longe de sua aldeia, sua cultura, nunca foi algo que pensou em abandonar. É importante percebermos que essa é a situação de muitos indígenas, pois estima-se que quase metade dessa população vive em área urbana, e mesmo vivendo nas áreas urbanas resistem a abandonar suas culturas. Hoje, Nikita encontra espaços na cidade para contar que é indígena e ressignificar a sua presença no contexto urbano, a escola é um desses lugares.

[...] é importante entendermos que a instituição escolar assim como a ideia de educação intercultural são invenções do colonizador. São ferramentas, instrumentos, discursos e modos de pensar e fazer dos colonizadores para atingir determinados objetivos. A instituição escolar, por exemplo, foi criada e é mantida para garantir a manutenção, a reprodução e a continuidade dos modos de pensamento, das relações sociais, econômicas, políticas e culturais próprios da sociedade moderna, liberal, industrial, mercantilista, capitalista, tecnicista (LUCIANO, 2017, p. 12).

Segundo Luciano, devemos estar atentos ao lidar com a escola e os discursos interculturais, enquanto elementos advindos do pensamento colonizador, refletir sobre a imagem da escola enquanto o

“instrumento mais poderoso e eficaz da colonização e da colonialidade ainda vigente em nossos dias”.

E, ainda assim, essa mesma escola é capaz de produzir encontros potentes e momentos reflexivos a partir do encontro entre os sujeitos históricos.

...

– Seus pais ou avós falaram sobre a chegada dos portugueses? (Rafael)

– Eles contavam pra gente sobre a tomada do nosso espaço, na verdade contam que eles chegaram e invadiram o espaço que era do indígena. (Nikita)

– Foi o índio que descobriu o Brasil. (Henrique)

– A nossa professora fala que os portugueses invadiram o Brasil. (Natasha)

Nesses encontros entre os sujeitos da experiência, é possível perceber a reflexão que a escola faz sobre si mesma, digo, que é feita pelos sujeitos que a constroem no cotidiano. Nem as culturas indígenas, nem as culturas escolares são espaços pobres, o olhar para elas é que pode estar empobrecido, suas experiências são um campo de disputa, sempre, pois “as pessoas relutam a serem

reduzidas a uma experiência social rebaixada, assinalada por posições fixas” (SEVCENKO, 2012, p.

13). Os próprios sujeitos dialogam sobre suas memórias e narrativas e nesses fragmentos é possível perceber o diálogo entretecido: seria invasão ou descobrimento? A criança apresenta suas questões à Nikita e juntas constroem novas percepções.

Com a invenção da escola, a sociedade oferece a oportunidade de um novo começo, uma renovação. Devido a essas qualidades democrática, pública e de renovação, não é surpresa que a escola tenha provocado certo medo e perturbação desde as suas origens. É uma fonte de ansiedade para aqueles que podem perder alguma coisa através da renovação. Então, não surpreende que tenha sido confrontada com tentativas de domá- la desde o seu início. Domar a escola implica governar seu caráter democrático,