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Uma parceria entre uma “camponesa sedentária”, Mariana professora de arte, e uma “marinheira viajante”, Nikita Guarani Nhandeva (BENJAMIN, 1994, p. 199), é a tentativa de abrir espaço para pensar e sentir possibilidades de construir conhecimento a partir de uma outra perspectiva, a de uma relação intercultural, uma proposta de reconhecimento de outros saberes do território brasileiro, outros modos de construção de conhecimento. Segundo Lopes “[...] a narrativa é particularmente importante em culturas acústicas, porque pode abrigar uma grande parte do saber” (2004, p. 176). Coloco-me no lugar da camponesa sedentária enquanto professora que ocupa um cargo efetivo na rede pública, como alguém que está cotidianamente imersa nas narrativas próprias das práticas educativas e Nikita é a marinheira viajante enquanto a pessoa que vem nos visitar e trazer outros saberes que fazem parte de outros contextos de outros territórios mentais, emocionais, ancestrais. Nikita faz sua viagem para chegar até a escola e destes encontros vamos tecendo novas narrativas e memórias através das dobras do tempo.

Se conceber a memória como meio, como palco das práticas relativas à temporalidade, ela deverá envolver todos os sujeitos que participam, direta e indiretamente, neste caso, da comunidade escolar. Portanto, pressupõe uma amálgama de diferentes saberes, de diferentes dimensões, situados em diferentes vivências ou experiências vividas. Pressupõe, ao mesmo tempo interações entre diferentes temporalidades, diferentes espaços, diferentes sujeitos (GALZERANI, 2008, p. 233)

Proponho, então, que esses muitos encontros, entre diversos sujeitos, sejam apresentados como na experiência, repletos de desvios, errâncias, improvisos, acasos, e que o mergulho nessa experiência me atravesse para trazer aqui os fragmentos narrativos e sua compreensão, na forma de reflexão que contempla, inquire, dialoga, mas não se fecha em um sentido único. Estarei em movimentos constantes buscando capturar detalhes e singularidades das experiências em um texto construído de fragmentos na percepção de um tempo não linear.

A pesquisa narrativa da experiência e não sobre a experiência se funda na ética da responsabilidade, bem como em uma pretensão metodológica de aproximação entre o mundo vivido e o mundo da teoria. Aponta para uma epistemologia da prática e considera que as ciências humanas são ciências do singular. (apud LIMA, GERALDI e GERALDI, 2015, p. 38)

Encarando este lugar, o da pesquisa, coloco-me à disposição deste caminhar, meu tempo, dúvidas, razão e sensibilidades, buscarei trazer um pouco da experiência de estar na escola, no “labirinto” ou “floresta” (MATOS, 1990). Estarei me deslocando e procurando pelas dobras do tempo, situações do passado no presente e que de modo algum serão conclusões: fiel às escolhas metodológicas expostas, as experiências da pesquisa serão apresentadas como mônadas, como fragmentos narrativos que, como cristais, são atravessadas por forças sociais e culturais mais amplas, pautadas na experiência coletiva, com suas ambiguidades, tensões, contradições, e construídas entre o

olhar, a mão e a alma, formando memórias sensíveis (BENJAMIN, 1994).

Coloco-me enquanto pesquisadora, professora e artista, deixando-me ser guiada pelas experiências dos encontros entre os sujeitos do conhecimento, eu, estudantes e Nikita, que apresento em forma de mônadas entretecidas na experiência e em suas memórias sensíveis.

O espaço escolar proporciona o encontro entre os diversos narradores, toda a comunidade escolar: estudantes, professores, gestores, funcionários, famílias, bem como todas as memórias que estes carregam e que adentram o espaço escolar. A partir desse ponto de vista, a escola não tem muros nem grandes, é puro limiar. Se o povo Krenak vê o humor da montanha, qual seria o humor da escola? Ali no cotidiano, tudo é intenso, trocas, conflitos, sentimentos, produção de conhecimento, nós produzimos culturas a partir do diálogo entre as culturas.

A interculturalidade é então concebida como uma estratégia ética, política e epistêmica. Nesta perspectiva, os processos educativos são fundamentais. Por meio deles questiona-se a colonialidade presente na sociedade e na educação, desvela-se o racismo e a racialidade das relações, promove-se o reconhecimento de diversos saberes e o diálogo entre diferentes conhecimentos [...] (CANDAU, 2010, p. 166).

Trazer para este diálogo conhecimentos e saberes das culturas indígenas significa encontrar possibilidades práticas de convívio e troca de experiências no espaço escolar, questionar a colonialidade através da relação entre os sujeitos da pesquisa, perceber sentidos e significados “outros” tão potentes para humanização e empoderamento de grupos excluídos (CANDAU, 2010, p. 166), bem

como buscar superar a ausência de uma memória que não nos foi contada. Quais serão as memórias produzidas a partir do encontro desses sujeitos? As relações entre Nikita e os estudantes serão trazidas através do meu olhar, o meu mergulhar nessa experiência.

O olhar alegórico na narrativa

O pensamento moderno constrói conhecimentos baseados em informação e não mais em experiências (BENJAMIN, 1994). Neste sentido, narrar me parece ser como remar contra a correnteza, divergir no modo predominante de se comunicar, de perceber o mundo ao redor e de construir conhecimento. Estou na canoa remando e a paisagem parece ser a mesma, passam as estações do ano, a força das águas segue seu curso bem debaixo da canoa, eu não posso parar a correnteza, eu pertenço à paisagem e, por isso, sigo remando.

A escola é a minha paisagem: as turmas que chegam e se vão, o diário de classe, o plano de ensino, as resoluções da secretaria da educação, os documentos norteadores... existem muitas contradições, tensões e ambiguidades em jogo, o mergulho nessa experiência para extrair narrativas neste contexto requer atenção, atenção no presente. Sigo tentando me esquivar de forças que operam, que oprimem, mas estas mesmas forças, apesar de constantes, e que nos adoecem às vezes, criam novas possibilidades que podem fazer dali surgir algo ainda mais forte.

Em diálogo com Olgária Matos acerca da obra de Walter Benjamin busco relações com a imagem do poeta-alegorista para construir o meu olhar:

O poeta-alegorista contempla essa paisagem e estabelece pactos secretos com a “cidade subterrânea”, a que prolifera nos detalhes, dissonâncias, nos elementos heterogêneos, inassimiláveis, inacabados, qualitativos. Na alegoria não existe a utopia da significação imediata e da evidência como símbolo. (MATOS, 1990, p. 293)

Encontro-me com a narrativa, uma escrita que parte da experiência de estar na escola, na cumplicidade com a “cidade subterrânea”, essa ideia que me faz pensar: o que há de subterrâneo para ser visto na escola e em minhas práticas de ensino de arte? Proponho trazer detalhes e dissonâncias das relações que percebo entre os sujeitos da pesquisa, os sujeitos do conhecimento, neste caso, os estudantes, Nikita e eu, fragmentos narrativos trazidos da experiência coletiva e que possam ser como

imagens ou alegorias, como cristais nos quais podemos perceber diversas forças atravessadas, tensionadas: não haverá uma única leitura possível sobre aquilo que se apresenta como significativo na contemplação da paisagem. Seus elementos inesperados são heterogêneos, inassimiláveis, inacabados,

qualitativos. Narrar a experiência será uma tentativa de capturar fragmentos significativos, a partir das

minhas práticas educativas em artes, daquilo que possa potencializar as reflexões sobre e para o reconhecimento das culturas indígenas no espaço escolar, em especial no que se refere às questões relacionadas aos indígenas em contexto urbano. Na abordagem de ensino de arte escolho construir um diálogo entre as formas de produzir conhecimento indígenas e não-indígenas, percebendo esse encontro como possibilidade de releitura das formas de produção de conhecimento nas práticas artísticas na escola. Desse modo, volto o olhar para as questões indígenas, seu acolhimento e construção desse diálogo na produção de conhecimentos nas práticas artísticas na escola.

Alegoria e construção do conhecimento

Algumas flores nascem da lama, desta lama que a princípio parece desagradável ao olhar, que talvez possua um cheiro incômodo, e que talvez não nos encante com sua textura, mas é a fonte nutritiva para nascer a flor. É nessa lama e nessas flores que pretendo colocar minha atenção, faço parte desta paisagem.

É muito fácil estabelecer dicotomias para cada época, em seus diferentes “domínios”, segundo determinados pontos de vista: de modo a ter, de um lado a parte “fértil”, “auspiciosa”, “viva” e “positiva”, e de outro, a parte inútil, atrasada e morta de cada época. Com efeito, os contornos da parte positiva só se realçarão nitidamente se ela for devidamente delimitada em relação à parte negativa. Toda negação, por sua vez, tem seu valor apenas como pano de fundo para os contornos do vivo, do positivo. Por isso, é de importância decisiva aplicar novamente uma divisão a esta parte negativa, inicialmente excluída, de modo que a mudança de ângulo de visão (mas não de critérios!) faça surgir novamente, nela também, um elemento positivo e diferente daquele anteriormente especificado (BENJAMIN, 2009, p. 501)

Essa abordagem tomada como inspiração me faz pensar nos aspectos dicotômicos da relação entre a escola e o ensino de arte, na maneira como a arte vem, ao longo do tempo, encontrando seu espaço na escola, e o como a escola demanda à arte. No passado, a arte adentrava no espaço escolar enquanto atividade complementar, hoje ela é considerada uma disciplina, assim como as demais, porém

com uma carga horária menor e menos tempo pedagógico para discussões sobre práticas artísticas na escola. Existem aspectos auspiciosos e vivos nessa relação e, ao mesmo tempo, compreensões equivocadas acerca do que a arte se propõe na escola.

Professores de arte ainda podem ser vistos como quem oferta aulas prazerosas, o momento do tempo livre, o espaço para fazer coisas belas. Dependendo do ângulo de visão, não de critérios, essas coisas podem ser positivas ou negativas. Então, na prática de ensino de arte, a lama e flor estão em tensa dialética, a escola e a arte estão em tensa relação, produzindo aspectos negativos e positivos sobre elas mesmas: se vemos a escola como lama, ela possui densidade e nutrientes para fazer surgir a flor-arte; se vemos a arte como lama, nutrindo a escola, podemos ver surgir uma escola-flor. As características positivas e negativas dos dois elementos alimentam a relação entre escola e arte, e a relação entre a escola e o ensino de arte.

Percebo essas relações intrínsecas e dialéticas no cotidiano, é desse lugar de percepção que proponho um entre-lugar de reflexão, um espaço de transformação e ressignificação das minhas práticas docentes, de um olhar estético que não seja o da “forma”, mas o da estética enquanto “experiência”; que a aula de arte seja um espaço de encontro entre os sujeitos e não apenas a produção de belos objetos.

Cientes da responsabilidade de pesquisar a própria prática, os sujeitos reconhecem que a constituição em torno da investigação narrativa do vivido é dolorosa, porque a palavra é arena de luta, lugar de embate de múltiplas percepções sobre o trabalho, sobre a natureza, sobre o modo de viver, de dizer o mundo e de se dizer nele. Trata-se de um eu aberto e inconcluso, susceptível aos discursos compartilhados. (LIMA, GERALDI e GERALDI, 2015, p. 31)

Ao ocupar um espaço onde minha responsabilidade, enquanto professora de arte, é não somente “transmitir um conteúdo” referente ao mundo das artes, mas provocar os sujeitos para que exista um diálogo efetivo na construção de um conhecimento racional e sensível, um relacionar-se, um envolver-se, faz-se necessária uma abertura intensa e nem sempre fácil, e neste percurso haverá embate. Ao olhar para a escola e para minha própria prática de forma investigativa, pedras surgirão no caminho e não serão escondidas, questões inconclusas serão apresentadas, não haverá uma verdade absoluta, e sim um diálogo estabelecido: coloco-me como um eu aberto, suscetível aos discursos compartilhados.

Pesquisa (e) narrativa

Ela [narrativa] não está interessada, portanto, em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Assim, a experiência narrada não é coincidente com o acontecimento que lhe deu origem (LIMA, GERALDI e GERALDI, 2015, p. 29).

Os estudantes trazem uma quantidade enorme de narrativas, geradas a partir de suas sensibilidades, daquilo que importa ou está importante naquele momento: são singularidades emergindo e construindo a qualidade das relações na diversidade do espaço escolar. Sinto-me em um ir e vir constante de aprendizados, aberturas e fechamentos, decisões, escolhas ora frutíferas, ora cansativas, tudo ao mesmo tempo, me formando professora, me formando pessoa. Tropeço em minhas contradições, será que é o momento de ouvi-los e mudar a rota do que foi planejado? Toco o barco? A necessidade de concluir os objetivos e os conteúdos é real, há uma cobrança presente, herança de uma educação conteudista. Sístole, diástole, abertura, fechamento, pulsação.

A partir dessa percepção caótica, e ao mesmo tempo potente, que tenho sobre a minha presença no espaço escolar e a imagem que tenho da escola, busco uma forma narrativa. Solicito a mim mesma uma atenção constante ao presente, com intuito de não trazer simplesmente informações ou relatórios sobre o ocorrido na experiência, compreender que “a experiência narrada não é coincidente

com o acontecimento que lhe deu origem”, mas aquilo que surge das relações entre os sujeitos do

conhecimento na experiência e que me atravessam. A pessoa institucionalizada, a professora, precisa cumprir as demandas, objetivos, diretrizes, manter a ordem na sala, realizar a chamada, controlar a presença. O quanto serei capaz de ampliar minha percepção e atenção aos estudantes? Compreender o potencial dos detalhes e das dissonâncias, e trazê-las para esta pesquisa? Como narrar a imensidão múltipla de uma sala de aula, dos indivíduos “aldeados” ...

- Professora, você sabia que...

Temos dificuldade em intercambiar experiências. Temos dificuldade em nos comunicar. Temos excessivos obstáculos entre nós, da ordem da linguagem, da ordem da cultura, da ordem das classes das quais nós provimos, da ordem das nossas complicações (GALZERANI, 2005, p. 50).

O intercambio de experiência, ao qual Galzerani se refere, não é o de manter os estudantes informados sobre conteúdos de arte, mas sim em que medida, na relação com esses conteúdos, podemos construir experiências racionais e sensíveis, das quais possam emergir memórias significativas, e que, para que isso ocorra, é importante compreendermos os obstáculos, da ordem da

linguagem, da cultura, das classes das quais provimos. Nas diversas turmas para as quais eu leciono,

sempre tem uma criança que me procura para contar sobre o que aconteceu no final de semana, compartilhar alguma dor ou alegria. Naturalmente os estudantes demonstram anseios de narrar suas experiências, busco uma maneira de estabelecer encontros. Mais do que aulas, aos poucos vou buscando formas de construir esse contato, confiando que a relação se dá no tempo e que minha comunicação com eles vai além do que eu possa perceber ou “controlar”. Acredito que há uma troca intensa de experiências entre eles, inclusive para muito além das propostas dos encontros nas aulas de arte.

Há em mim uma contradição de imagens sobre a escola, pois aos poucos vai ficando mais claro o seu potencial como lugar da experiência, mas ao mesmo tempo a escola não é algo leve para mim, há uma tensão em “executar” o que está sendo ofertado pelo Estado, há um discurso sobre a exigência de qualidade, competência, organização, desenvolvimento de habilidades, um lugar onde me sinto como se não houvesse “tempo a perder”, tenho cinquenta minutos de aula, cronos parece estar no comando.

Estar atenta significa que a vontade de se submeter a um regime de verdade é neutralizada, e a energia com a qual o sujeito (do conhecimento) se projeta nos objetos se exaure. Esse tipo particular de atenção implica e permite um estar-presente que coloca o sujeito em jogo e que abdica da expectativa de um benefício e, nesse sentido, ela é generosa. (MASSCHELEIN, 2008, p. 42)

Imagens ambíguas de escola e de práticas educacionais estão presentes na minha percepção. A partir disso me proponho ao diálogo com os autores e, na relação com os sujeitos da pesquisa, a me abrir para outras maneiras de estar no espaço escolar, de um modo mais generoso, percebendo as relações estabelecidas entre os sujeitos de forma mais atenta, mais presente na experiência, buscando neutralizar o regime de verdade, resistindo à trama da compreensão cartesiana da vida:

O dualismo corpo e alma – o primado concedido à consciência no processo do conhecimento – legitima a neutralização do real. Objetivação, abstração, categorização constituem a trama jogada sobre o múltiplo para capturá-lo. (MATOS, 1990, p. 288)

Nessa paisagem, nessa tentativa de perceber a “cidade subterrânea”, as narrativas vão sendo tecidas a partir da diversidade dos sujeitos, que trazem suas individualidades e singularidades em composição na coletividade. Estamos falando de um coro de vozes, ora uníssono, ora dissonante. Tentarei ao máximo não ser um sujeito partido (MATOS, 1990) ou colocar os sujeitos desta pesquisa nesta mesma condição: nem só o corpo, nem só a alma, a razão e a sensibilidade estarão juntas.

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- Professora, você sabia que... ...

Benjamin articula o conceito de memória ao de narrativa. A narrativa - experiência que, segundo o autor, tende a desaparecer com a modernidade – é por ele concebida como a transmissão de saberes entre as gerações, fundada na circulação coletiva de tradições, de sensibilidades, na acepção plural de verdade, na relação do narrado com o vivido, na dimensão mais ampla de ser pessoa (portadora de consciência e inconsciência), e, sobretudo, na recuperação da temporalidade. Neste sentido, para Benjamin a narrativa não existe sem a memória, não existe sem sua vinculação com as dobras do tempo. Por sua vez, a recuperação da memória benjaminiana pressupõe a narrativa das experiências vividas entre diferentes gerações (GALZERANI, 2008, p. 230).

Para trazer os fragmentos de narrativas, acolho o conceito de memória trazida por Benjamin, no qual a concepção de tempo não é linear, as memórias se fazem como dobras no tempo, quando menos se espera algo do passado encosta no presente e assim alteramos nossa percepção sobre o que possa estar perdido, ou invisibilizado: algo entendido como preso ao passado, de repente vem à tona como saltos do tigre (BENJAMIN, 1994, p. 230). Esses saltos estão acontecendo, em consequência lanço mão de trechos de escrita, narrativas, fragmentos em que tento capturar um núcleo, uma questão a ser pensada, busco o que de incômodo há nas memórias que surgem, a tensão que percebo estar presente nas experiências. No desdobramento dessas percepções, busco criar mônadas, inspiradas em Walter Benjamin e na leitura que dele faz Galzerani (2013).

O que é importante é o que realmente importa?

Estar na sala de aula é uma sensação permanente de estar vivendo um desafio. A cada encontro com as turmas me percebo mergulhada nas adversidades, percebo que são tantas as complexidades e possibilidades de relações e construção de conhecimento. A faixa etária das turmas, a quantidade de estudantes por sala, as características da comunidade atendida, as famílias, a proposta da gestão escolar, a postura do corpo docente, a subjetividade de cada estudante, se naquele dia faz calor ou frio, se a aula ocorre segunda-feira ou sexta-feira, um turbilhão de variáveis que se entrecruzam e fazem daquele momento algo totalmente singular, uma experiência que escapa ao plano de aula, às diretrizes curriculares e demais documentos.

O cargo que ocupo – professora de arte da rede municipal – exige um alinhamento à Base Nacional Comum Curricular e às Diretrizes Municipais de Campinas, necessárias para a organização do Plano de Ensino vinculado ao Projeto Político Pedagógico da unidade escolar. Este lugar me faz refletir sobre minhas experiências escolares, profissionais e pessoais, e sobre como organizar toda essa trajetória e construir um sentido junto desses estudantes ao longo dos dias letivos, que prefiro chamar de encontros.

Hoje sabemos que não é possível reduzir a vida escolar às dimensões racionais, nomeadamente porque uma grande parte dos atores educativos encara a convivialidade como um valor essencial e rejeita uma concentração exclusiva nas aprendizagens acadêmicas (NÓVOA 1992, p. 14).

O sentimento é de constante responsabilidade, enquanto professora, de dar acesso ao mundo das artes e das culturas, este lugar vasto e cheio de possibilidades. Estariam os estudantes dispostos a esses diálogos com as artes?

Em um dado momento da minha trajetória eu escolhi a arte, eu me identifiquei com este lugar, tive a oportunidade de viver uma formação em teatro e em artes plásticas, e após estas experiências meu desejo era compartilhar o que recebi, encontrar interlocutores, um espaço na sociedade onde eu coubesse enquanto artista, ou artista-professora. A sala de aula é um espaço heterogêneo, a cada encontro com esses coletivos, nas variadas turmas para as quais eu leciono,