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Experiência, narrativa e memória: relações étnicas nos encontros com as artes

Pelo período de um ano e meio, em 2018 e 2019, tivemos em três momentos a presença da Nikita na aula de arte. Em 2018 realizamos rodas de conversa com as cinco turmas do fundamental II. Nikita nos trouxe suas narrativas de infância na aldeia, contou-nos sobre seu processo de transição da aldeia para a cidade, sua mãe faleceu quando ainda era muito nova, foi criada pelo pai até os dez anos, que ele estava doente e, quando faleceu, sua madrasta a doou para uma família moradora da cidade de Valinhos-SP. Falou-nos sobre suas experiências enquanto mulher indígena em contexto urbano, e ao longo de suas narrativas apresentou-nos objetos multiétnicos, artefatos de variadas etnias.

Esses momentos, ao longo do primeiro encontro, despertaram estranhamentos e encantamentos nos estudantes, alguns se demonstraram resistentes à presença de Nikita, questionando o motivo de sua presença, outros se colocaram de maneira bastante aberta e empática. E desses encontros os sujeitos produziram suas memórias, sentidos e significados singulares.

Em uma segunda visita, realizada ainda com as turmas de fundamental II, Nikita nos trouxe um pouco do canto e dança do povo Guarani, nos mostrou fotografias da última visita que fez à sua aldeia, em Japorã, Mato Grosso do Sul. Também fez grafismos com jenipapo nos braços dos estudantes. A partir desse segundo encontro, os estudantes entraram em contato com a cultura de Nikita, com uma corporeidade mais presente através do canto, dança e pintura corporal, e tiveram uma aproximação maior com a cultura guarani por meio das fotografias que Nikita nos apresentou.

Nas semanas que seguiram, em que ela não estava conosco, seguimos nosso aprendizado nas aulas de arte com argila, pintura corporal, grafismos, máscaras, produção de maquetes. As produções com argila e máscaras já estavam contempladas no plano de ensino, então trouxemos a temática indígena ao encontro dessas práticas artísticas. Já a pintura corporal, grafismos e maquetes tiveram como ponto de partida os desejos dos estudantes que surgiram após os encontros com Nikita. Desse desejo de aproximação com as culturas indígenas emergiram produções dos estudantes em diálogo com as linguagens artísticas. Os elementos que compõem as culturas indígenas, sua carga artesanal, seu modo de produção de conhecimento, possuem uma aproximação muito forte com o que a arte se propõe, no sentido de compreenderem a importância do corpo como um todo, “a mão, o olho e a alma” na percepção e relação com o mundo.

O terceiro e último encontro com nossa parceira foi com as turmas de 5º e 6º anos de 2019, respectivamente os que estavam no 4º e 5º anos em 2018. Eu e os estudantes discutimos como seria recebê-la para uma despedida, o que poderíamos propor para aquele momento, apresentar a ela o que havíamos produzido de conhecimento a partir dos nossos encontros e ao longo das aulas de arte, de modo a construirmos os diálogos interculturais. Os estudantes do 5º ano escolheram fazer uma maquete de moradia indígena a partir de uma miniatura de casa que Nikita nos trouxe em nosso primeiro encontro, já a turma do 6º ano decidiu realizar uma pesquisa sobre a língua guarani, pois acharam muito interessante o fato de ela falar outra língua. Nas narrativas e reflexões que apresento a seguir, trarei detalhes do mergulho nessas experiências, olhar para aquilo que Nikita traz da sua relação com sua própria história enquanto indígena que vive em contexto urbano, e também aquilo que toca os estudantes e a mim, estranhamentos, interrogações, aproximações, afetos, tensões, contradições e ambiguidades, aquilo que nos movimenta nos diálogos.

Elaboramos esses três encontros dos estudantes com a Nikita para ocorrerem durante os horários das aulas de artes, com intervalo aproximado de três ou quatro meses entre cada encontro. A ideia inicial consistia em não apresentar Nikita como espetáculo de sua cultura, mas uma pessoa com sua história singular, e que também Nikita pudesse adentrar em nosso cotidiano escolar.

Dentro dos limites de tempo e espaço da escola, foi possível construir uma experiência em que Nikita pode nos apresentar suas relações com sua aldeia, o espaço urbano, tensões vividas em relação à escola, a dificuldade de acesso à educação, saúde, trabalho… Os estudantes também puderam apresentar suas memórias, perceber algumas de suas relações pessoais e familiares com as culturas indígenas e entrar em contato com elementos da cultura indígena guarani por meio dos processos artísticos. Nosso foco não estava em buscar belos acabamentos nos desenhos, nas pinturas e nas modelagens, buscávamos abrir espaço para a singularidade dos estudantes ao construir suas próprias narrativas e memórias desses encontros. Assim, o que apresento a seguir como escrita, diante da experiência múltipla que tivemos, provavelmente será apenas como a ponta de um iceberg, mas sempre na tentativa de trazer o que de potente pudemos construir nessas relações e experiências.

Eu e ela na escola

No dia em que Nikita traria sua presença, cheguei bem mais cedo na escola, organizei a sala e esperei ela chegar, confessei minha ansiedade em não ter dormido bem na noite anterior, e disse que não era fácil para mim estar ali, que eu estava em busca de um sentido para estar na escola.

Nikita também lembrou de sua relação com a escola. Como um misto de confidência e consolo, ou numa tentativa de valorizar aquele momento, ela me disse que ainda criança e já adolescente, quando caminhava ao lado de uma escola, ela conseguia ouvir o barulho, o ruído das conversas que emanavam das salas, e que tinha muita vontade de estar ali dentro, junto daquelas pessoas.

– Eu fui impedida de estar na escola porque sou indígena, não aceitavam o meu documento, pediam para eu falar com a FUNAI. (Nikita)

Enquanto Nikita narra sua história de vida, os momentos da sua infância e juventude, retoma sentimentos, decisões e traumas, o acesso ao espaço escolar que lhe foi negado pelo fato de ser indígena e não portar outro documento além do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI). O Estado estava, e está ainda, organizado para manter indígenas em suas aldeias. Viver na cidade com relações de direito, enquanto cidadãos, requer ainda muita luta.

De maneiras diferentes, tanto eu quanto Nikita estávamos tentando ressignificar o espaço escolar em nossas vidas.

Desde o início de minha busca por um trabalho com a temática indígena, me preocupei em como construir essa aproximação. A cada passo percebia o quanto o assunto era delicado, em alguns momentos percebia que as pessoas na escola se afastavam do assunto ou traziam discursos generalistas. Quando, para além de documentários, livros e pinturas, pude entender que esse caminho deveria ser trilhado na parceria com os indígenas, minhas escolhas pareciam ter tomado mais consistência. Nada ficou mais fácil, nem mais simples, muito pelo contrário. Porém, a partir das relações que fui construindo ao longo dessa caminhada com os indígenas que vivem em contexto urbano, que se iniciou fora do espaço escolar, pude perceber que conseguiria, aos poucos, trazer os diálogos interculturais para o espaço escolar, iniciar uma sensibilização para a desconstrução da imagem que temos sobre os povos originários, com o intuito de encontrar espaço para outros dizeres

sobre as histórias desses povos. Percebi o quanto a presença indígena no espaço escolar torna a construção do conhecimento uma experiência potente.

Na minha busca por formações continuadas, para que eu pudesse trazer a temática indígena no meu plano de ensino em artes e nas experiências com as crianças, eu percebia muitas falas sobre a riqueza cultural dos povos indígenas, como isso é importante e valioso, então me perguntava por que eu não via esse diálogo acontecendo dentro da escola. Ao longo do meu processo de compreensão sobre as trocas estabelecidas entre as culturas, me deparei com uma palavra que me chamou atenção, interculturalidade, que segundo Gersem José do Santos Luciano, do povo Baniwa, é um conceito que pode ser compreendido de duas maneiras:

[…] abrir caminhos para o reconhecimento e reposição dos sujeitos colonizados, subalternizados, subjugados, silenciados, dominados e alijados de suas autonomias societárias e cosmológicas a uma posição de diálogo, de interação, de coexistência e convivência dialética. A outra perspectiva é a de interculturalidade como promessa de diálogo discursivo, ideológico e ainda colonizador (LUCIANO, 2017, p. 13).

Luciano nos alerta sobre o perigo dos discursos de interculturalidade que podem mascarar os efeitos da colonialidade, onde muitas vezes o colonizado é culpado de seus “fracassos”. Essa reflexão apresentada por Luciano me faz lembrar do mito da democracia racial, que pretende velar o racismo no Brasil pelo fato de ser um país miscigenado, entretanto o que podemos perceber no cotidiano são discursos racistas naturalizados, são piadas, comentários, ações e olhares racistas, que continuam colocando os sujeitos em lugares de subalternidade.

Tenho em mim, ainda, a imagem de uma escola colonizadora, a priori um lugar onde se perpetuam as relações de poder, dominação e hierarquização dos saberes, espaço construído para o ato

de depositar7, que ainda se fundamenta, em grande parte, em um conhecimento científico e tecnicista, alinhado aos interesses econômicos, para a construção de uma ideia de nação e de cultura através de meios padronizadores e homogeneizantes de comportamentos e pensamentos. Ao mesmo tempo, na ambiguidade em que construímos as percepções sobre a(s) realidade(s), também tão potentes são as forças contrárias às padronizações e homogeneizações, e também contrário ao “ato de depositar” que

7 “Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o

seria o ato de refletir, forças às quais devemos dar visibilidade no cotidiano escolar, nas práticas em educação, para construirmos outras imagens sobre a escola.

Eu e Nikita caminhamos construindo essa parceria, esse diálogo, buscando reconhecimento para com as culturas indígenas, focando nas questões relacionadas ao indígena em contexto urbano, por uma interculturalidade efetiva. Como afirma Gersem Luciano, a proposta intercultural apresentada deve servir para “abrir caminhos para o reconhecimento e reposição dos sujeitos colonizados,

subalternizados, subjugados, silenciados, dominados e alijados de suas autonomias societárias e cosmológicas a uma posição de diálogo, de interação, de coexistência e convivência dialética”. Na

experiência intercultural dessa pesquisa, nas relações entre os sujeitos do conhecimento Nikita, os estudantes e eu, busco formas para que seja possível verter rememorações, ressignificações e sentidos, que entretecidos, produzam esse reconhecimento. Estamos mergulhados em ambiguidades, será que somos capazes de perceber os efeitos do processo de colonização que estão impregnados no nosso modo de construir conhecimento e reconhecimento? Como seria plantar uma semente para ampliar essas percepções? Como trazer o diálogo intercultural e o reconhecimento fundamentados na coexistência e convivência dialética?Como seria construir outras imagens sobre a escola e a produção de conhecimento?

“[A perspectiva intercultural] concebe as culturas em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução. Certamente cada cultura tem suas raízes, mas essas raízes são históricas e dinâmicas” (CANDAU, 2008, p. 51). Os processos culturais e interculturais estão em constante movimento. Penso nas trocas culturais que sempre ocorreram entre diferentes etnias, entre os indígenas que vivem nas aldeias e os que vivem na cidade, entre as crianças que vêm para a escola, cada uma carregando sua cultura familiar: nesse processo de troca, de diálogo, as culturas estão se movimentando e certamente têm suas raízes, mas, como lembra Candau, elas são históricas e dinâmicas.

Não fixam as pessoas em determinado padrão cultural. […] os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de identidades abertas, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são puras. Sempre que a humanidade pretendeu promover a pureza cultural e étnica, as consequências foram trágicas: genocídio, holocausto, eliminação e negação do outro (CANDAU, 2008, p. 51).

Nos encontros com os estudantes, Nikita nos conduz com sua sensibilidade. Na forma como as crianças entram em contato com sua cultura, os estudantes percebem a raiz cultural de Nikita e também os movimentos históricos que a fazem ser uma indígena em contexto urbano. Os estudantes fazem questionamentos a Nikita, neles estão intrínsecas as movimentações culturais, fazem perguntas comparando o modo de vida na cidade e na aldeia, e nessas perguntas está contida a percepção de que as culturas não são puras. Nas narrativas, ao longo da escrita, o leitor poderá perceber os estranhamentos, curiosidades e afirmações das crianças trazendo consigo esses deslocamentos próprios dos diálogos interculturais.

No campo político-pedagógico estamos falando de uma lógica de complementariedade de conhecimentos, saberes, cosmologias e epistemologias, própria da racionalidade ontológica dos povos ameríndios. Aqui não se trata de disputa, concorrência, paralelismo ou antagonismos, mas de soma de possibilidades de horizontes (LUCIANO, 2017, p. 13-14).

Neste sentido apresentado por Gersem Luciano, e em diálogo com a pesquisa e com as experiências nas quais os sujeitos encontram-se mergulhados _, de onde emergem as narrativas, podemos juntos construir significados e memórias, sem que haja necessidade de disputa. Pelo contrário, é possível que haja acolhimento para que venham à tona as histórias invisibilizadas, não apenas de Nikita e sua origem indígena, mas de todos os sujeitos da experiência, trazendo o que está em nosso subterrâneo e deseja emergir.

Figura 22- visita de Nikita ao 4ºano (2018)

O eu e o 'outro'

– Cadê a Nikita, professora? Ué, você não falou que ela vinha? (Brenda)

– Não deu certo ela vir essa semana pessoal, ela precisa pedir liberação do trabalho dela pra estar aqui com a gente. (eu-professora)

– Mas por que ela vai vir? Só porque ela é indígena, grande coisa. (Betânia) ...

No dia em que Nikita realiza sua primeira visita ao 5ºano, todos estávamos em roda, sentados no chão. A estudante que questionou a presença da Nikita na escola levanta a mão para perguntar:

– E os seus pais? (Betânia)

– Perdi os meus pais com 10 anos... (Nikita) [barulho na sala]

Círculo dentro do quadrado

O quadrado é composto por quatro grandes bancadas com computadores, alguns televisores antigos e caixas de som quebrados, caixas fechadas de material escolar e uniformes que sobraram. A sala da informática é usada para reuniões semanais e projeções de vídeos, é o espaço que temos.

Aos poucos as cadeiras deslocam-se para a biblioteca e ganham lugar as esteiras de taboa no chão, as mesas são deslocadas para as laterais para facilitar o encontro e circulação entre as pessoas que estarão ali. Crianças guarani cantam, presentificam-se através do CD que está tocando no aparelho, fazem parte do nosso encontro. Livros de autores indígenas postos nas mesas convidando-nos a tornar visível outros mundos contidos naquelas letras e ilustrações. As maracas à disposição, assim como os livros, lápis e folhas sulfites soltas para acolher a criatividade.

Todo deslocamento é possível naquele momento, dentro dos limites apresentados, para que as crianças possam fruir do momento.

Ao adentrar na sala retiramos os calçados.

A visita de Nikita era o motivo da nossa movimentação, tiara de penas na cabeça e que pareciam flores, braços pintados de jenipapo, sorriso no olhar e doçura nas palavras.

Os momentos de silêncio de Nikita eram invadidos por mim e pelas crianças em nossas ansiedades, a pausa de sua fala fazia parte do que estava nos contando, mas para nós não havia tempo a perder e falávamos antes mesmo de ela terminar.

Fizemos a roda, demos as mãos, cantamos e dançamos, os passos desencontrados, não conseguíamos perceber onde estavam nossos pés em relação aos pés dos outros, um vai e vem espontâneo de quem está aprendendo algo novo.

Nikita nos mostrou como cantar nossa própria música. Eram quinze pessoas cantando ao mesmo tempo e às vezes a música cantada por uma das crianças não coincidia com o ritmo cantado pela outra.

Figura 23- frame de registro em vídeo do canto e dança

Passamos vinte e cinco horas semanais juntos, mas não somos uníssonos. É possível cantarmos juntos, dançarmos juntos?

– Mari, podemos fazer lá fora da próxima vez? (Nikita)

Aquele quadrado cercado de tecnologia destoava do círculo humano de sons e movimentos. Ao final da aula Nikita demonstrou uma vontade de que nosso encontro pudesse ser realizado em um local aberto. Lá fora tem um pequeno pátio com três ou quatro árvores cercadas por um chão de cimento, e grades cercando a escola. Lá fora tem sol, céu e um ar fresco, então parecia não haver um ambiente totalmente adequado, eu e Nikita pensamos em possibilidades para o próximo encontro… realmente não era tão agradável o espaço, mas ao mesmo tempo, através dos olhares curiosos das crianças o espaço tomava outros sentidos, a empolgação delas parecia não se importar com os computadores à nossa volta.

Nessa antiguidade desses lugares, a nossa narrativa brota, e recupera os feitos dos nossos heróis fundadores, ali onde estão os rios, as montanhas, está a formação das paisagens, com nomes, com humor, com significado direto, ligado com a nossa vida, e com todos os relatos da antiguidade que marcaram a criação de cada um desses seres que suportam a nossa passagem no mundo (KRENAK, 1992, p. 201).

Lá na escola, mesmo sem os rios e montanhas, seria possível brotarem as narrativas? Mesmo entre quatro paredes, janelas com grades, chão de cimento, caixas entulhadas e equipamentos eletrônicos, o nosso habitat, conseguiremos nos conectar com nossas histórias, ou melhor, nossas memórias? “Nesse lugar, que hoje os cientistas, talvez o ecologista, chamam de habitat, não está um sítio, não está uma cidade nem um país. Ele é um lugar onde a alma de cada povo, o espírito de um povo, encontra a sua resposta [...]” (Idem, ibidem).

Continuo me perguntando, quanto este diálogo intercultural é capaz de realmente nos tocar? Ele é capaz de modificar o modo de pensar e sentir o mundo, de educar as nossas sensibilidades? Segundo Ailton Krenak, é possível percebermos o mundo não como coisa, como objeto, mas como um lugar onde a alma encontra cada povo, e ali podemos fazer perguntas, e quem sabe também encontrar respostas, construir novos saberes e conhecimentos. Certa vez, conversando com um parceiro das causas indígenas, falávamos sobre o significado de território, Anápuaka8 me disse que: “...território é

algo mental, podemos não estar fisicamente ocupando um lugar, mas uma vez que passamos por um local durante nossa vida, nossa existência, e ali vivemos uma experiência, esse tempo e espaço passam 8 Anapuáka Muniz Tupinamba é fundador da Rádio Yandê, primeira rádio web indígena no Brasil, que trabalha com o conceito de etnomídia em educação e comunicação.

a fazer parte do nosso território, pois ali estivemos presentes.” Lembro-me também das palavras de Nikita, que em outras ocasiões, para nos fazer compreender porque ela preferiu continuar morando em Valinhos e não em sua aldeia, disse: “Eu não moro mais na aldeia, mas a aldeia mora em mim.”

Quando mergulhamos na experiência que o encontro intercultural proporciona, um território começa a se constituir, o território do saber através da presença dos nossos corpos, então estamos no espaço e ao mesmo tempo ele nos habita. A partir de um diálogo intercultural que possibilita a desconstrução e construção de novas percepções sobre a maneira como nos relacionamos com o espaço, podemos também pensar a relação com o tempo. Penso então na possibilidade de rompermos com cronos, com o tempo linear como única maneira de percebê-lo, e entrarmos no tempo da memória, fragmentado, que é passado e presente juntos.

Por meio da presença física de Nikita na escola, entramos em contato com sua história enquanto indígena em contexto urbano e com as memórias e narrativas de sua aldeia, da Tekoha Jevy,