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A introdução dos alimentos regionais na merenda "internacional"

3 COMIDA E PODER: Análise histórica da CNAE Campanha Nacional de

3.2 A dinâmica pedagógica da Campanha

3.2.2 Ações pedagógicas discentes: ensino e extensão

3.2.2.2 A introdução dos alimentos regionais na merenda "internacional"

Seguindo a esteira de pensamento delineada no tópico anterior, mas complementando-a a interpretação, a ação de introdução de alimentos locais no cardápio da Campanha foi uma iniciativa que teve, por principal motivo, a não-adaptação, pelos alunos, da alimentação exógena aqui introduzida pelas agências internacionais.

Era necessário um certo período de tempo para adaptação e sedimentação da "formação do gosto" pelos alunos. Neste meio termo, a introdução dos alimentos regionais cumpriria bem essa amálgama de transição do gosto alimentar local para um gosto "padronizado" e "serializado" pela indústria alimentar multinacional10.

Pois bem, não só a introdução de verduras e hortaliças resolveria a questão, mas também a de outros alimentos regionais do grupo dos carbohidratos e dos lipídios. A CNAE, por todo o Brasil, promoveria uma alimentação mais diversificada e nutritiva, à base de produtos regionais, conforme prometido para o ano de 1967.

Castanha do Pará, mate, rapadura, macarrão, chocolate, bolachas e roscas foram os principais alimentos introduzidos, mas poderiam ser acrescentados outros, ao lado dos que já eram fornecidos. A CNAE contava com uma máquina própria de fabricação de bolachas, em Niterói-RJ, que produzia 500.000 unidades/h, bem como macarrão. (Cf. JORNAL O POVO, de 19 e 20/11/1966)

A coordenação local da CNAE estava realizando um teste piloto com a rapadura nos cardápios, e levou a idéia para a superintendência nacional, no VII Congresso da CNAE em Goiânia, de 11 a 17 de fevereiro daquele ano, quando foi aceita a sugestão de inclusão daquele alimento na alimentação escolar. Na merenda, a rapadura viria diversificada, bem como se estabeleceria mercado certo para as zonas produtoras do Cariri, Planalto da Ibiapaba, litoral cearense e as áreas úmidas do alto sertão (Mombaça, Monsenhor Tabosa, Iguatu, etc.)

Pedro almino confirma as notícias dos jornais sobre a introdução da rapadura nos cardápios escolares:

[...]É como lhe falei, nós procuramos sempre incentivar nossos alimentos

regionais. Em um desses congressos eu apresentei um trabalho sobre a

10

Esta questão estudaremos mais adiante, no sub-capítulo 3.3.8, dinâmica político-ideológica da Campanha.

Fig. 25 - RAPADURA faz parte agora do

cardápio das crianças da CNAE. Fonte:

Jornal O Povo, 15/02/1968.

Fig. 26 - CANAE trocará o açucar pela

rapadura cearense na merenda de 4 mil alunos. Fonte: Jornal O Povo, 24/01/1968.

rapadura, que foi muito bem aceito, nós procuramos desenvolver isso por aqui. Tinha a nossa rapadura, o cacau da bahia, o mate no Sul, etc...[...] (In: SOUSA,

Op Cit., p. 171- 178) (grifo nosso)

A indústria da rapadura no Ceará vibrou com a introdução de seu produto na merenda escolar, mandando editar várias notícias de incentivo nos jornais locais, acerca dos seus benefícios. Uma dessas notícias dá conta da inestimável ajuda àquela indústria, como noticiado na "Crônica do sertão", no Jornal Unitário de 30 de maio de 1967:

[...]A CNAE instituiu, a título de experiência, a rapadura na merenda dos alunos. Alimento nutritivo, sendo incluído em meio dos demais, resultará em alimentação completa e saborosa. Faltava algo para dar um fim à rapadura. Os engenhos se

fechando e a rapadura desaparecendo comercialmente, mas veio esse período em que ela passou a figurar como elemento da merenda. Deu um pulo em

progressão geométrica. Necessário se faz que a CNAE leve à sério o seu emprego,

não deixando que qualquer pronunciamento infundado a leve a tomar outro rumo, o da marginalização. A rapadura se afina muito bem com o menino da roça.

Lá ela irá se encontrar com o estudante rural. Deu-se um destino acertado à rapadura. Experimentar, verificar, examinar, provar... Essa política orienta e pode abrir novos horizontes. Novas perspectivas surgem e continuemos a procurar meios, condições e comércio para a rapadura. [...] (In: Jornal Unitário, Coluna Crônica do Sertão, 30/05/1967, p. 3.) (grifo nosso)

Interessante associação é feita pelo jornalista, acerca do "gosto" do "menino da roça" pela rapadura, esta que iria encontrá-lo no seu mundo, o mundo rural. Há também, na notícia, certo temor por uma eventual descontinuidade do uso daquele alimento, fundado no receio de "difamação", provavelmente realizada pelas indústrias concorrentes, que assediavam a CNAE para introduzir seus produtos na merenda escolar.

Quanto à questão da adequação do gosto alimentar local aos alimentos exógenos, a rapadura poderia ser misturada a bolos, canjicas de Búlgor, panquecas com melado, roscas e outras guloseimas.

As frutas locais, por sua vez, também foram objeto de introduções no cardápio da merenda escolar, em variados contextos. O Diretor da CNAE no Ceará, Pedro Almino, juntamente com o então Secretário de Educação, professor Lúcio Melo, em 1966, trataram de um plano- piloto de atendimento, com frutas regionais nas refeições escolares. Seriam convocados técnicos de ambas as

Fig. 27 - CAMPANHA de

Alimentação planeja uso de frutas na Merenda Escolar. Execução. Fonte:

Jornal Gazeta de Notícias,

repartições para elaboração do plano, objetivando deslocar para outros setores assistenciais a ajuda da Campanha "Alimentos Para a Paz", dos Estados Unidos.

O Plano piloto deveria entrar em vigência em 1967, já prevendo a compra pela CNAE e Secretária de Educação de frutas da área de Baturité e Uruburetama. O Plano contava com a aprovação da direção nacional da CNAE e do Governo Estadual. (Cf. JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS, 21/12/1966)

Como se percebe, foi uma medida tomada no contexto das secas e enchentes por nós já retratadas anteriormente, quando houve desvios de enormes quantidades de alimentos para atender a população flagelada no interior do Estado. Destarte, com tal medida amenizar-se-ia a situação da merenda, em termos quantitativos.

Sobre a introdução dos alimentos regionais nos cardápios do program de alimentação escolar, bem como sobre a adaptação do gosto alimentar pelos infantes, Pedro Almino legitima a ação, dizendo que

[...]( // ) a tendência foi ficar o alimento a nível regional, porque o Programa Alimentos Para a Paz tinha um limite, ele iria se acabar, uma época ele iria se acabar; havia o problema regional também, porque as crianças não gostavam, pois

o alimento que vinha não era o nosso alimento regional. O Bulgor, por exemplo, é um alimento que não existe no Brasil, eles tinham em excesso lá nos Estados

Unidos e eles aqui eram aproveitados, era um alimento, de qualquer forma, mas

não fazia parte do nosso cardápio aqui. A gente tinha que fazer, principalmente

no almoço escolar, era com nossos alimentos, e procuramos sempre introduzir

alimentos da nossa região, frutas, verduras. Tudo isso também era com a

colaboração da Escola de Nutrição Agnes June Leith. Enfim, O Programa "Alimentos Para a Paz" um dia iria se acabar, não íamos ficar para sempre recebendo aqueles alimentos dos Estados Unidos.[...] (In: SOUSA, Op Cit., p. 171- 178) (grifo nosso)

E assim se deu a dinâmica de introdução e manutenção dos gêneros alimentícios regionais, locais, na Campanha de Alimentação à época, que trabalhava com gêneros alimentícios exógenos, que não faziam parte da cultura alimentar dos alunos brasileiros. Estes tiveram, assim, que se adaptar.

No entanto, para conseguir tal adaptação, foi necessária a mistura daquela alimentação estrangeira com os nossos produtos locais, como a castanha do pará, o mate (no Sul), a rapadura, bolachas e roscas. Desta forma, conseguir-se-ia uma mistura que levaria à transição de um gosto alimentar local para um gosto "padronizado" pela indústria alimentar multinacional.

Assim, vamos encerrando este sub-capítulo, para continuarmos agora a falar de outra ação pedagógica importante efetivada pela CNAE naquela época: os concursos de redação.