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Cantinas escolares, cozinhas centrais, merenda nas férias: novas idéias,

3 COMIDA E PODER: Análise histórica da CNAE Campanha Nacional de

3.1 A dinâmica administrativo-operacional da Campanha

3.1.6 Cantinas escolares, cozinhas centrais, merenda nas férias: novas idéias,

O primeiro problema, já descrito anteriormente, de ordem prática e operacional, era o fato de as escolas não possuírem cantinas escolares. Como alimentar com o mínimo de dignidade as crianças sem um local adequado? Em muitas escolas o alunado comia em pé, ou na própria sala de aula, ou sentado no chão, ou nos batentes, ou em algum degrau qualquer.

Essa questão passou a fazer parte das implementações da própria CNAE, uma vez que os prefeitos e governadores continuavam a fazer "ouvidos de mercador", como dissera Pedro Almino, descumprindo assim suas obrigações de conveniados.

As providências iniciais foram implementadas por volta de junho de 1966, quando foram instaladas 30 cantinas nas regiões flageladas do Ceará, em 21 cidades, dentre elas Quixadá, Morada Nova, Jaguaruana, Russas, Limoeiro do Norte, Tabuleiro, Jaguaribe, Alto Santo, Iracema, Pereiro, São João do Jaguaribe, Itaiçaba, Jaguaribara e Aracati. Cerca de cem mil crianças da região da seca foram, com isso, beneficiadas pela CNAE. (Cf. JORNAL CORREIO DO CEARÁ, 17/06/1966)

Em abril de 1967 ainda vemos notícias sobre a implementação de cantinas e aquisição de material para as mesmas, a serem instalados nos estabelecimentos de ensino do interior do Estado. A campanha dos "Alimentos Para a Paz" chegou a enviar novas doações de alimentos, para evitar a paralisação dos trabalhos da Merenda Escolar naquele semestre, uma vez que certamente iria faltar alimentação nas escolas, devido ao empréstimo dos mesmos a algumas cidades atingidas por catástrofes como enchentes ou seca extrema. A notícia do Jornal Gazeta de Notícias, p. 3, de 27/04/1967, diz que está sendo esperada uma liberação de 10 mil cruzeiros novos para compra de material de cantinas.

Foi assim que começou a luta pela implantação de cantinas e seu devido material de funcionamento, onde hovesse escola pública. O passo inicial dado pela CNAE, tanto nas

escolas federais, como em algumas providências pontuais como as elencadas acima, sensibilizaram, enfim, os gestores estaduais e municipais, que passaram a construir cantinas em suas jurisdições.

Afinal, eles também não podiam arriscar ter suspensas as remessas de alimentos, caso não tivessem locais adequados, já que esta era uma das exigências dos novos convênios e da fiscalização mais acirrada que se passou a praticar na CNAE.

Uma idéia muito pertinente, que se chegou a tentar mas que não deu certo, foi a das cozinhas centrais. O Jornal O Povo, de 04 de julho de 1968, chegou a noticiar em letras garrafais que "COZINHAS CENTRAIS PODERÃO SER CRIADAS PELA CANAE", mas tudo não passou de utopia, como se verá.

O caso é que os representantes federais da CNAE estiveram nos Estados Unidos naquele ano8 e todos voltaram entusiasmados com o que viram por lá. As "cozinhas centrais", que empolgaram o diretor Pedro Almino na cidade de Menphis e nos condados de Bolívar e Moscow, nos EUA, foram então sugeridas à direção da CNAE.

Tratava-se de núcleos de cocção e distribuição dos pratos do Programa de Alimentação Escolar Norte-americano. A cosmopolização da merenda escolar e o espírito comunitário da zona rural dos EUA impressionaram os representantes da CNAE. Por meio dessas cozinhas centrais as rações eram preparadas e entregues em caminhão apropriado às escolas, chegando ainda quentes e apetitosas.

No Brasil, se implantadas, poderiam substituir a parte de cozinha das cantinas. Os prefeitos cearenses chegaram a receber uma circular da CNAE instando-os a custearem cozinhas daquele tipo em seus municípios, pela qual contemplariam toda a população estudantil.

Mas tudo não passou de um sonho. Nada se realizou nesse sentido. Pedro Almino comentou sobre essa questão em sua entrevista:

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Este assunto será explorado mais adiante, no sub-capítulo 3.2, dimensão pedagógica da Campanha.

Fig. 15 - COZINHAS CENTRAIS poderão ser

criadas pela CANAE. Fonte: Jornal O Povo, 04/07/1968.

[...]((E a cozinha central, o senhor sugeriu quando voltou?)) Sugeri, mas a cozinha central não deu certo porque teríamos que ter uma estrutura maior e

não tínhamos recursos para isso. Com relação a essa questão, o que eu fiz foi em

relação ao pão, um convênio com a 10a Região Militar, que tinha uma padaria ali por detrás de onde é a Secretaria de Saúde atualmente, e eles distribuíam o pão em algumas escolas de Fortaleza. Nós selecionamos as escolas, eles faziam o pão e nós fornecíamos todo o trigo que tínhamos. A 10a Região Militar colaborou muito nessa época, pois nós não tínhamos dinheiro, nós não pagávamos, nós usamos a estrutura deles lá, nós só tínhamos o alimento[...](In: SOUSA, Op Cit., p. 171- 178) (grifo nosso)

Pedro Almino dá uma justificativa curta, dizendo que a Campanha não teria recursos para tal. Mas, como narrado acima, o próprio Pedro Almino enviou uma circular da CNAE na tentativa de que os prefeitos custeassem cozinhas daquele tipo em seus municípios. Prefere, desta forma, não comentar, hoje, a falta de sensibilidade dos gestores municipais da época em implementar uma ação que traria muitos benefícios de logística, pois se eliminaria muito trabalho e mão-de-obra, realizados em todas as unidades escolares.

De fato, a CNAE não poderia assumir o ônus desse encargo, em milhares de escolas, em mihares de municípios, no Ceará e no Brasil, a não ser com a participação dos municípios envolvidos. Pedro almino, inspirado na experiência dos Estados Unidos, conseguiu implementar somente um sistema de distribuição de pães para algumas escolas e, ainda assim, com toda a infra-estrutura da 10a Região Militar, conforme depreendemos de sua entrevista, acima. A CNAE, neste caso, entrava apenas com o trigo.

No tocante à implementação do almoço durante as férias, foi outra tentativa, desta feita razoavelmente bem sucedida naquela época. Na realidade, tudo começou quando o Jornal do Brasil, do dia 4 de março de 1969, publicou um diálogo entre o chefe do Distrito Educacional de Bangu (RJ) e várias mães de alunos das escolas Joana Angélica e Gal. Alcides Etchegoyen.

Alegavam as mães que, durante as férias, as crianças comiam pouco e que, agora, no período das aulas, era preciso descontar. O professor Augusto Scobedo, chefe do distrito, respondeu ser descabida a reclamação, pois as crianças poderiam repetir a merenda quantas vezes quisessem.

Aquela reclamação tinha por fundamento a notícia de que, noutras escolas, o Secretário de Educação mandara servir a merenda também nas férias. As suplicantes achavam que a solução seria fornecer mais uma merenda às 17h, quando se encerrava o último turno.

"A gente não precisa dar jantar aos meninos", diziam as mães. O professor Scobedo

retrucou, dizendo que não poderia fazer nada, que as crianças poderiam repetir a merenda e que a reivindicação não tinha o menor sentido. As mães saíram contrariadas.

[...]Uma dúvida me assaltou o espírito: a de que nas escolas públicas do Ceará, mesmo as que funcionam na capital, seja distribuída merenda aos alunos. Na

Guanabara, Estado que mais arrecada depois de São Paulo, as mães de família querem que seja fornecida merenda também nas férias, passando assim o

Governo a dar-lhes alimento o ano todo. O fato mostra que no antigo Distrito Federal há muita gente vivendo na miséria e o Governo fornece alimento abundante e sadio na época das aulas. No Ceará, vemos núcleos populacionais com centenas de meninos, sem receberem nenhuma instrução. Os pais se contentariam em vê-las

frequentando a escola, mesmo sem receberem merenda nas férias, como acontece na Guanabara. Já seria muita coisa se recebessem ao menos o pão do

espírito[...] (In: TÁVORA, Ademar. MERENDA. para engordar alunos. Jornal O

Povo, 20/03/1969). (grifo nosso)

Nas férias do final daquele mesmo ano, noticiou-se que o coordenador da CNAE no Ceará, Pedro Almino, estava cumprindo o atendimento, na capital e interior do estado, do plano de distribuição de alimentação escolar nas férias, atingindo um total de 20 escolas, que provassem que existia frequência, naquele período, de certo percentual de alunos. As escolas que estivessem paradas, mas que oferecem condições de recreação para seus alunos, também receberiam a ajuda.

Assim, os alunos de centenas de escolinhas públicas espalhadas pelo interior cearense puderam, no período das férias, receber a merenda escolar, bastando que o prefeito solicitasse à CNAE.

A idéia da merenda nas férias já funcionava, há muito tempo, nas escolas de regime de

internato, pois nestas permaneciam bastante alunos nesses períodos. Pedro Almino afirmou

então que, se a merenda escolar passasse a funcionar regularmente nas férias, daria uma assistência bem maior ao pré-escolar, que na maioria das cidades do interior são mal assistidos. E o argumento que fechou a questão foi o de que a medida contribuiria também para aproximar as crianças com o Grupo, naqueles períodos em que a escola permanecia fechada.

Isto iria ao encontro das opiniões do jornalista Ademar Távora, acima citado, para quem

"no Ceará, vemos núcleos populacionais com centenas de meninos, sem receberem nenhuma instrução. Os pais se contentariam em vê-los frequentando a escola, mesmo sem receberem merenda nas férias, como acontece na Guanabara. Já seria muita coisa se recebessem ao menos o pão do espírito". (IDEM)

Perguntamos ao doutor Pedro Almino de Queiroz se ele participou da idéia do programa de alimentação a funcionar nas férias, no que ele respondeu:

[...]Não, quer dizer, houve um congresso, não fui eu sozinho, mas eu participei

dessa idéia com um grupo de colegas, que visava fixar o aluno na escola. Em

férias, mas não era em todo local, não, (+) a gente precisava da colaboração das pessoas, pois precisava abrir a escola, servir a merenda, etc...[...] (In: SOUSA, Op Cit., p. 171- 178) (grifo nosso)

Pelo exposto nos discursos acima transcritos, a idéia sobre "fixar o aluno na escola" era mais importante do que "alimentá-lo". A ociosidade da meninada durante as férias poderia ser combatida com o ingresso no prédio escolar, pois este detinha os equipamentos de brincar que os entreteriam, como quadra de esportes e parque de diversões.

Por enquanto é só. Passemos a falar sobre os desvios de finalidade da Campanha, como tópico final da discussão sobre sua dinâmica administrativo-operacional no Ceará, na época estudada.