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A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

No documento Dano moral ambiental coletivo (páginas 89-107)

4.4 JURISPRUDÊNCIA SOBRE DANO MORAL COLETIVO

4.4.2 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se, pela primeira vez, sobre o cabimento da reparação a danos morais ambientais coletivos no ano de 2006, e em poucas oportunidades posteriormente. Algumas decisões têm admitido a configuração do dano moral ambiental, particularmente o individual. Já o coletivo, alguns julgados deram e outros negaram provimento.

O Superior Tribunal de Justiça conceituou o dano moral coletivo como “toda lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico” (BRASIL, 2012d).

A Ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial n. 636.021, em 2008, afirmou que o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor rompeu com a tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo ordenamento (BRASIL, 2009).

Sobre a legislação consumerista, a Ministra explica em seu voto: “Criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados” (BRASIL, 2009). Na mesma linha, Andrighi citou o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, em seu artigo 208, permite que o Ministério Público ajuíze ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente.

Como uma das consequências dessa evolução legislativa seria o reconhecimento de que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não patrimonial, que deve ser objeto de compensação. “Nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado” (BRASIL, 2009), concluiu Andrighi. Assim, em poucas palavras, a legislação brasileira permite a existência de danos morais coletivos.

A ocorrência do dano moral coletivo é, ainda hoje, polêmica no Superior Tribunal de Justiça, sendo caso a caso analisados pelos ministros com base na seguinte indagação: é possível a existência do dano moral coletivo mesmo que nenhum indivíduo sofra, de imediato, prejuízo com o ato apontado como causador? (BRASIL, 2012d).

Em 2009, a Primeira Turma negou o Recurso Especial n. 971.844, no qual se discutia a ocorrência de dano moral coletivo, pois entendeu “necessária sua vinculação com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão” (BRASIL, 2010a).

A Egrégia Primeira Turma ainda foi responsável pelo julgamento do Recurso Especial n. 821891-RS (DJe: 12.05.2008) que acordou, por unanimidade, não conhecer do Recurso Especial, nos termos do voto do Ministro relator Luiz Fux e atribuíram a seguinte ementa ao aresto:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO REALIZADA PELA MUNICIPALIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME. APLICAÇÃO DA PENALIDADE CONSTANTE DO ART. 87 DA LEI 8.666/93. DANO MORAL COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO NÃO DEBATIDO NA INSTÂNCIA ‘A QUO’. [...] 2. Ad argumentandum tantum, ainda que ultrapassado o óbice erigido pelas Súmulas 282 e 356 do STF, melhor sorte não socorre ao recorrente, máxime porque a incompatibilidade entre o dano moral, qualificado pela noção de dor e sofrimento psíquico, e a transindividualidade, evidenciada pela indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa objeto de reparação, conduz à não indenizabilidade do dano moral coletivo, salvo comprovação de efetivo prejuízo dano. 3. [...] 4. Nada obstante, e apenas obiter dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante assentado pelo acórdão recorrido: ‘[...] Entretanto, como já dito, por não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. [...]’. 5. Recurso especial não conhecido. (BRASIL, 2008, grifo nosso).

Em seu voto, o relator utiliza os fundamentos aventados pelo Ministro Teori Zavascki, no voto-vencedor do REsp n. 598.281-MG, citando-o na íntegra.

Em primeira instância, a MM. juíza havia entendido que “por não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade” (BRASIL, 2008); em outras palavras, que a sociedade efetivamente tenha sido lesada e abalada moralmente.

O processo versava sobre o pedido do Ministério Público pela condenação de empresa que havia fraudado uma licitação a pagar dano moral coletivo ao município de Uruguaiana/RS. Ao negar o recurso, o relator, Ministro Luiz Fux afirmou que é preciso haver a comprovação de efetivo prejuízo para superar o caráter individual do dano moral.

Em dezembro de 2009, ao julgar na Segunda Turma o Recurso Especial n. 1.057.274, por ela relatado, a Ministra Eliane Calmon asseverou que em que pese os precedentes que afastam a configuração de tal dano à coletividade, essa posição não poderia mais ser aceita. “As relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não pode ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais” (BRASIL, 2010c), explicou.

Com base nisso, a Segunda Turma concluiu que o dano moral coletivo pode ser configurado, bem como mensurado. Para a Ministra, o dano moral coletivo ambiental prescinde da prova da dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelos indivíduos.

A dor e a indignação não são sentidas pela coletividade da mesma forma como pelos indivíduos, ponderou a relatora: “Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à ideia do coletivo” (BRASIL, 2010c).

Em 2006, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 598.281-MG (DJe: 01.06.2006), não reconheceu a configuração do dano moral ambiental coletivo. Trata-se de acórdão exarado pela Primeira Turma, que teve como relator o Min. Luiz Fux e apresenta a seguinte ementa:

Processual civil. Ação Civil Pública. Dano ambiental. Dano moral coletivo. Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de caráter individual. Incompatibilidade com a noção de transindividualidade (indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação). Recurso especial improvido (BRASIl, 2006).

O Relator, acompanhado pelo Ministro José Delgado, votou pelo provimento do recurso, e, portanto, pela configuração do dano ambiental moral coletivo, em virtude da diminuição da qualidade de vida da população como consequência do desequilíbrio ecológico verificado no caso:

[...] 2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional. 3. O advento do novel ordenamento constitucional – no que concerne à proteção ao dano moral – possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade. 4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC3. 5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido. [...] 7. O dano moral ambiental caracteriza-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. 8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental. 9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado. [...] 12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude perpetrada contra o meio ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381/382). (BRASIL, 2006, grifo nosso).

3 Código de Defesa do Consumidor.

Discordando do voto do relator, o Ministro Teori Albino Zavascki, seguido pelo Ministro Francisco Falcão, negou provimento ao recurso, pois afirmou que a vítima do dano moral é, necessariamente, uma pessoa individual. O dano moral seria, portanto, incompatível com a ideia da transindividualidade, ou seja, da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação, o que caracteriza os direitos difusos e, sendo assim, o direito ao meio ambiente equilibrado.

Desse modo, entendeu o Ministro Teori Albino Zavascki que:

Ao contrário, portanto, do que afirma o recorrente — segundo o qual o reconhecimento da ocorrência de dano ambiental implicaria necessariamente o reconhecimento do dano moral (fl. 494) —, é perfeitamente viável a tutela do bem jurídico salvaguardado pelo art. 225 da Constituição (meio ambiente ecologicamente equilibrado), tal como realizada nesta ação civil pública, mediante a determinação de providências que assegurem a restauração do ecossistema degradado, sem qualquer referência a um dano moral. (BRASIL, 2006).

Acrescentou a ausência de prova nos autos do dano moral coletivo, que, de acordo com o voto divergente, dependeria da demonstração de “pessoas afetadas, bens jurídicos lesados, etc.” (BRASIL, 2006).

Com base nesse fundamento, também votou pelo não provimento do recurso a Ministra Denise Arruda que, em seu voto-vista, reconheceu a possibilidade de responsabilização do poluidor pelos danos ambientais de natureza material e moral suportados pela coletividade, mas para tal fim indispensável demonstração de que houve violação do sentimento coletivo da comunidade local. Asseverou a Ministra:

Examinando os autos, e ainda que admitindo a possibilidade de ocorrência de dano moral em hipótese de verificação de dano ambiental, creio que o caso dos autos, em sua particularidade, não comporta condenação pelo alegado dano moral ambiental. [...] Na hipótese dos autos, as dificuldades acima indicadas mostram-se claramente, visto que, comprovado o dano ambiental, buscou-se a reparação pela recomposição decorrente da obrigação de fazer. No entanto, no aspecto extrapatrimonial, não se procurou evidenciar a efetiva existência do dano coletivo e difuso, restando a questão indefinida pelas instâncias ordinárias, pois a r. sentença não identificou objetivamente tal tipo de dano (coletivo e difuso), responsabilizando os réus pelo descaso e ilicitude das condutas (o que implicaria em dupla condenação, pois tais aspectos autorizaram a condenação por danos materiais), enquanto o c. Tribunal de origem afastou a sua existência, sob o fundamento de ser descabida a interpretação de que todas as hipóteses legais (incisos I a IV do art. 1º da LACP4) autorizariam a indenização por danos morais. (BRASIL, 2006).

4 Lei da Ação Civil Pública.

Ao final do julgamento, foi negado provimento ao recurso, por maioria dos votos, sendo dois votos favoráveis (Ministros Luiz Fux e José Delgado) à configuração do dano moral coletivo e três votos, com fundamentos distintos - impossibilidade de ocorrência de danos ambientais extrapatrimoniais (Ministros Teori Zavascki e Francisco Falcão); ausência de evidências que comprovem prejuízo suscetível de indenização no caso em comento (Ministra Denise Arruda) -, pelo não provimento do recurso.

Mazzilli (2010, p. 145-146) contrapõe-se aos argumentos utilizados para negar o provimento ao recurso, especificamente, a vinculação de dano moral à noção de dor ou sofrimento psíquico individual, isso porque a lesão a direitos transindividuais nada mais é do que a soma de lesões individuais.

Em dezembro de 2010, a Segunda Turma, ao julgar o REsp 1.180.078 (DJe: 27.02.2012), frisou que “reparação do patrimônio ambiental deve ser a mais completa possível, não podendo se limitar somente à recuperação natural da área ou à implantação de projeto técnico de restauração do local degradado” (BRASIL, 2012a).

O relator, Ministro Herman Benjamin, destacou que “a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar”. Ademais, “a indenização, além de sua função subsidiária (quando a reparação in natura não for total ou parcialmente possível), cabe de forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração”, explicou (BRASIL, 2012a).

Recentemente, em 2013, enfrentando especificamente o instituto em estudo, a Segunda Turma, no julgamento do REsp n. 1367923-RJ (DJe: 27.08.2013) negou, por unanimidade, provimento ao recurso, no qual os réus sustentavam a inexistência de dano ambiental. Os ministros reconheceram a configuração da indenização do prejuízo ao patrimônio moral da coletividade, como se extrai:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. […] 2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. 3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização. 4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recurso especial improvido. (BRASIL, 2013b, grifo nosso).

Sobre o princípio in dubo pro natura, o Ministro relator Humberto Martins apresenta a delimitação muito bem realizada pelo Ministro Herman Benjamin (REsp 1.145.083/MG, julgado em 27.9.2011, DJe de 4.9.2012):

[...] toda a legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos há sempre de ser compreendida da maneira que lhes seja mais proveitosa e melhor possa viabilizar, na perspectiva dos resultados práticos, a prestação

jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. (BRASIL, 2012b).

Na mesma linha, ressalta-se o REsp n. 1269494-MG (DJe: 01.10.2013), com ementa subsequente:

AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC5 NÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. [...] 2. Segundo a jurisprudência do STJ6, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva. [...] 4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. 5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum debeatur. (BRASIL, 2013a, grifo nosso). A Ministra Eliane Calmon, com sábias palavras, enfatiza que deve o magistrado, ao aplicar as normas de Direito Ambiental, considerar o comando do artigo 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ou seja, atender aos fins sociais a que elas se dirigem e às exigências do bem comum. Sendo assim,

o caso em que, havendo dúvida ou alguma anomalia técnica, a norma ambiental deve ser interpretada ou integrada de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro

natura. Portanto, a recuperação da área degradada não exime o degradador do meio

ambiente da responsabilidade pelo pagamento de indenização (BRASIL, 2013a). Acerca da evolução da reparação civil, o acórdão faz menção à Súmula n. 227 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de dano moral (BRASIL, 1999); e, ainda, pontua que a reparação do dano moral puro evoluiu para a

5 Código de Processo Civil. 6 Superior Tribunal de Justiça.

previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica.

Conclui que o dano moral deve ser examinado conforme as características próprias aos interesses difusos e coletivos, “distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo” (BRASIL, 2013a).

Explica a Ministra que o dano moral atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade e, por conseguinte, evidentemente uma coletividade pode sofrer ofensa à sua honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes, tradições e ao seu direito a um meio ambiente salutar para si e seus descendentes, as ditas gerações futuras (BRASIL, 2013a).

Contudo, acrescenta, que “não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. Essas decorrem do sentimento de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo” (BRASIL, 2013a).

Destarte, percebe-se que não se possui um entendimento pacificado dentro da Corte do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Todavia, verificam-se informações importantes, como a interpretação sistemática das normas que integram o elenco constitucional e infraconstitucional de proteção ao meio ambiente, com intuito de permitir a cumulação de pedidos em Ação Civil Pública ambiental, visando ao cumprimento do princípio da reparação integral do dano.

Outrossim, após a análise dos acórdãos mencionados, como fundamentos básicos para o reconhecimento do dano moral ambiental coletivo, colhe-se: a disposição constitucional (artigo 225) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como pressuposto à sadia qualidade de vida de todos, assim como um direito inalienável e necessário à dignidade humana (artigo 1o, III); a previsibilidade legal instituída no artigo 1o da Lei da Ação Civil Pública; a

possibilidade de configuração do dano moral ambiental coletivo, uma vez demonstrada a comoção pública a partir do sentimento coletivo. Por sua vez, como fundamentos contrários à aplicação do instituto, verificam-se a incompatibilidade do dano moral ambiental coletivo com o significado de transindividualidade e a ausência de efetiva comprovação do dano à coletividade.

5 CONCLUSÃO

Buscou-se, no presente trabalho, discutir a possibilidade de configuração do dano moral quando houver lesão ao meio ambiente. Atribuiu-se a esse bem jurídico, em seu sentido de macrobem, as qualidades de bem de interesse público e afeto à coletividade, a título autônomo.

Considerou-se o meio ambiente equilibrado como direito fundamental, o que o torna indispensável ao respeito à dignidade da pessoa humana e à garantia de seu pleno desenvolvimento.

Em decorrência disso, afirmou-se que a lesão às características ambientais essenciais repercutirá em seu equilíbrio e, portanto, tornará inviável que se usufrua de uma vida digna. Em outras palavras, os malefícios se estenderão ao ser humano, que faz do ambiente natural e cultural sua morada.

Insere-se o dano ambiental num contexto de uma sociedade capitalista, na qual exploram-se os recursos ambientais demasiadamente por meio de atividades de produção, submetendo o meio ambiente a situações potencialmente de risco. São riscos evidentes ou ocultos que também estão inseridos em práticas comuns desenvolvidas na sociedade.

Frisa-se que, embora mais comum, não são apenas as lesões ao meio ambiente natural que causam danos ambientais. A propósito, constatou-se que o meio ambiente é classificado sob os seguintes aspectos: meio ambiente natural; meio ambiente artificial; meio ambiente cultural; e meio ambiente do trabalho.

Extraiu-se que o dano é um elemento essencial da responsabilidade civil, e que no Direito Ambiental tem características próprias que o diferenciam dos demais tipos de danos; embora não possua uma definição legal, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981) dispôs que a degradação ambiental é a alteração adversa das características do meio ambiente (artigo 3o, inciso II) (BRASIL, 1981).

Com isso, verificou-se a necessidade de atualização do instituto da responsabilidade civil, a fim de adequá-lo e adaptá-lo às necessidades exigidas pela complexidade do bem ambiental e de sua proteção. Para tanto, importante incluir no instituto da responsabilidade a proteção dos interesses coletivo e difuso do ambiente ecologicamente equilibrado.

Logo, como uma tentativa de abarcar os danos ligados a esses interesses, estabeleceu-se a responsabilidade objetiva, com base na atividade de risco; notadamente, no que tange ao Direito Ambiental, esse instituto foi previsto pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 14, § 1º) (BRASIL, 1981) e recepcionado pela Constituição Federal (artigo

225, § 3o) (BRASIL, 1988).

Além disso, a Lei n. 6.938/81 determinou, em seu artigo 4o, inciso VII, que ao

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