3.1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE
3.1.1 Meio ambiente: conceito e classificação
A doutrina especializada apresenta várias definições para a expressão “meio ambiente”, partindo da sua proximidade ou distanciamento como a palavra “ecologia” ou se a “natureza” seria sinônimo da expressão, destacando o pleonasmo existente entre as palavras “meio” e “ambiente”, e, entre tantas outras questões, se o homem figura entre seus elementos. (BETIOL, 2010, p. 21).
No Direito brasileiro, o conceito legal de meio ambiente foi concebido pelo artigo 3o, inciso I, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, entendendo como meio ambiente “[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981).
Percebe-se que o legislador adotou uma definição ampla, conforme ressalta Leme Machado (1994, p. 72 apud LEITE, 2003, p. 78), “pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege”. Mirra (2002, p. 12-52 apud LEITE, 2003, p. 78) destaca, ainda, que com a proteção global do meio ambiente, o legislador atribuiu à vida animal e vegetal a mesma importância da vida humana, protegendo-a de todos os modos.
Porém, na definição de Silva (2010, p. 18),
o conceito de meio ambiente há se ser, pois, globalizante, abrangente de toda a Natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.
O autor, então, conclui que o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (p. 18).
Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, também esboça uma conceituação, ao preceituar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sabia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
Numa escala, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida. Possui importância fundamental a identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um bem autônomo e juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam), porque, em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o equilíbrio ecológico, e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação desse mesmo equilíbrio ecológico (RODRIGUES, 2002, p. 58 apud MILARÉ, 2011, p. 146).
Observa-se que a definição do meio ambiente é ampla, em outras palavras, o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, com intuito de criar um espaço positivo de incidência da legislação. Em consequência, é possível considerar o meio ambiente sob os seguintes aspectos: meio ambiente natural; meio ambiente artificial; meio ambiente cultural; e o meio ambiente do trabalho.
O meio ambiente natural integra os bens naturais, como a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, mar territorial, o solo, o subsolo (inclusive recursos minerais), os elementos da biosfera, fauna e flora, qualquer forma de vida; é tutelado pelo caput do artigo 225 da Constituição Federal de forma mediata e imediatamente, pelo § 1o, I, III e VII,
desse mesmo artigo (FIORILLO, 2012, p. 77-79; SIRVINKAS, 2010, p. 105).
Silva (2010, p. 19) aduz que o meio ambiente natural, ou também denominado físico, caracteriza-se substancialmente pela interação dos seres vivos e seu meio, onde ocorre a relação recíproca entre as espécies e o ambiente físico que ocupam.
Por sua vez, compõem o meio ambiente artificial o conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e os equipamentos públicos (ruas, praças, espaços livres em geral: espaço urbano aberto) (SILVA, 2010, p. 19); está diretamente relacionado ao conceito de cidade, porém, não é empregado como contraste com o termo “rural”, pois qualifica algo que se refere a todos os espaços habitáveis.
Além do artigo 225 da Constituição Federal, esse aspecto do meio ambiente também está amparado nos artigos 5o, XXIII; 21, XX; 182, caput, entre outros. Mais ainda, no
Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), norma claramente vinculada ao meio ambiente artificial (FIORILLO, 2012, p. 79).
Já o meio ambiente cultural, possui seu conceito estampado no artigo 216 da Constituição Federal, que o delimita da seguinte forma:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).
Ressalta-se que o meio ambiente cultural “é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial” (SILVA, 2010, p. 19). O patrimônio cultural expressa a história de um povo, a sua formação, cultura e, por conseguinte, os próprios elementos identificadores de sua cidadania.
Por derradeiro, o meio ambiente do trabalho integra a proteção do homem em seu local de trabalho, seja remunerado ou não. A Carta Magna entre os direitos dos trabalhadores estabeleceu, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, a redução da salubridade do meio ou de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores (artigos 7, XXII; e 200, VII e VIII, ambos da Constituição Federal).
Dessa forma, são invioláveis a saúde e a integridade física dos trabalhadores que frequentam aquele meio ambiente do trabalho. Frisa-se que essa proteção é distinta daquela assegurada pelo direito do trabalho, neste disciplinam-se as relações jurídicas entre empregador e empregado, enquanto naquela busca-se resguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades (FIORILLO, 2012, p. 77-79; SIRVINKAS, 2010, p. 105).
Outrossim, a Constituição Federal, ao estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III) (BRASIL, 1988), adotou uma visão antropocêntrica,
com reflexos em toda a legislação - nela incluída toda a matéria ambiental -, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (artigos. 1o, I, e 5o da Carta Magna) uma posição
de centralidade em relação ao sistema de direito positivo.
Milaré (2011, p. 146) aduz que “ o mundo natural tem valor apenas enquanto atende aos interesses da espécie humana [...]”. A propósito, essa percepção deve-se, também, em razão de apenas os seres humanos serem qualificados como sujeitos de direitos e deveres, logo, o meio ambiente, como objeto de direito difuso erigido à condição de direito fundamental, pertencente a todos indistintamente, somente pode ser considerado com relação àqueles que detenham a titularidade do direito (MIRRA, 2004, p. 63-64).
Quer isso dizer que o meio ambiente e seus elementos integrantes não foram personificados, porquanto insuscetíveis de noções de ética ou valor moral. Existem obrigações dos homens, por exemplo, em relação à preservação de animais e plantas, mas não porque estes sejam detentores de direitos, e sim porque os homens possuem noção de valoração ética e coletivamente ou de maneira individual têm direitos e deveres.
Nessa esteira, o princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e desenvolvimento de 1992 dispõe: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza” (DECLARAÇÃO..., 2015).
Em resumo, o direito ao meio ambiente tem por base o homem e é voltado para a satisfação das suas necessidades, por tal razão, impossível falar do meio ambiente sem incluir o homem. Não se impede a proteção de todas as formas de vida, em verdade, ainda que não seja vivo, um bem pode ser ambiental quando essencial à sadia qualidade de vida de outrem; o que se vê é o caráter antropocêntrico da proteção ambiental.