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CONCEITO E FUNDAMENTO LEGAL

No documento Dano moral ambiental coletivo (páginas 77-83)

A noção de meio ambiente como macrobem permite a construção de uma concepção bastante abrangente para expressão dano ambiental. Como visto, a análise da extensão dos danos ambientais permite a identificação de lesões de natureza patrimonial e extrapatrimonial; a primeira decorrente de prejuízos a bens materiais e, a segunda, de perdas de ordem imaterial, sejam relativas ao indivíduo ou à coletividade.

No direito brasileiro, o reconhecimento expresso da reparação por dano moral pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5o, incisos V e X, pôs fim à discussão sobre seu

cabimento ou não. Frisa-se que esses incisos apenas estabelecem o mínimo, sendo possível a lei ordinária aditar outros casos.

O texto constitucional, por meio do artigo 225, estabelece a proteção do meio ambiente não como regulação direta para um indivíduo ou uma entidade, mas, de uma maneira ampla, sem que o titular do direito seja identificado, inclusive com referência às gerações futuras.

A Carta Magna, ainda, possibilitou a indenização tanto dos danos materiais quanto dos morais, de forma independente e autônoma. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, consubstanciado na Súmula n. 37, no sentido da cumulação dos danos patrimoniais e morais oriundos do mesmo fato (BRASIL, 1992), consolidando o princípio da reparação integral.

Verifica-se, dessa forma, que a Constituição Federal não faz qualquer restrição que leve à conclusão de que apenas a lesão ao patrimônio moral individual seja passível de reparação.

Do mesmo modo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6o, incisos VI

e VII, previu o dano moral em suas várias espécies de direitos individuais, coletivos e difusos (BRASIL, 1990). Essa inovação foi muito importante, pois desvinculou o direito a essa reparação da pessoa singularmente considerada.

Especificadamente sobre o dano moral ambiental coletivo, a previsão legal foi inserida no artigo 1o da Lei n. 7.347/85, através da redação dada pela Lei n. 8.884/94, conforme

extrai-se:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

l - ao meio-ambiente; [...]

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990. (BRASIL, 1985, grifo nosso).

A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar. Nessa direção, a proteção de valores morais não está adstrita à pessoa física individualmente. Sobre o dano moral coletivo, Bittar Filho (1994, p. 55 apud SILVA, 2006, p. 122, grifo do autor) o conceitua como

a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damun in reprisa). Paccangnella (1999, p. 45-46 apud STEIGLEDER, 2004, p. 164) acrescenta, explicando que

o dano ao patrimônio ambiental, ou dano ecológico, é qualquer alteração adversa no equilíbrio ecológico do meio ambiente [...]. Por sua vez, o dano moral ambiental não tem repercussão no mundo físico, em contraposição ao dano ao patrimônio ambiental. Esse dano moral ambiental é de cunho subjetivo, à semelhança do dano moral individual. Aqui também se repara o sofrimento, a dor, o desgosto do ser humano. Só que o dano moral ambiental é o sofrimento de diversas pessoas dispersas em uma certa coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de um certo dano ao patrimônio ambiental [...]. Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental. O mesmo se diga da supressão de certas árvores da zona urbana, ou de uma mata próxima ao perímetro urbano, quando tais áreas forem de especial apreço pela coletividade.

O autor elucida, ainda, que no âmbito dos interesses difusos, é impossível a exclusiva consideração do dano material sob o aspecto econômico, situação que tem levado a confusões entre os conceitos de danos morais ambientais e danos ao patrimônio ambiental. Afirma também que a diminuição da qualidade de vida da população, o desequilíbrio ecológico, a lesão de um determinado espaço protegido, os incômodos físicos ou lesões à saúde constituem-se como lesões ao patrimônio ambiental (PACCANGNELLA, 1999, p. 45-46 apud STEIGLEDER, 2004, p. 164).

O dano moral ambiental, por seu turno, vai aparecer quando, além (ou independentemente) dessa repercussão física no patrimônio ambiental, houver ofensa ao sentimento difuso ou coletivo. A ofensa ao sentimento coletivo caracteriza-se quando o sofrimento é disperso, atingindo considerável número de integrantes de um grupo social ou da comunidade.

É comum a degradação ambiental provocar um impacto de ordem psicológica, além de física, nos moradores de determinada região afetada pela atividade danosa, não havendo óbice algum ao ressarcimento de tal dor imposta aos seres humanos vítimas de agentes poluidores.

Portanto, o dano moral ambiental pode repercutir sobre interesses transindividuais, os quais são indivisíveis e seus titulares podem ser pessoas indeterminadas - ligadas por circunstâncias de fato - ou determinadas em grupo, categoria ou classe - unidas entre si ou com a parte adversa por uma relação jurídica. Nessas situações, estará caracterizado o dano moral ambiental à coletividade.

Como fundamento para a admissibilidade do dano moral coletivo, tem-se o fato de que a coletividade, como conglomerado de pessoas que vivem em determinado território, é norteada por valores, os quais, por consequência, advêm da amplificação dos valores dos indivíduos componentes da coletividade. Em outras palavras, cada indivíduo possui uma carga de valores própria, consequentemente, também possuirá a comunidade, uma vez que essa é composta por vários indivíduos.

Corroborando, não é possível negar que o “o ser humano sente os efeitos da lesão perpetrada em face do bem ambiental da coletividade”, tendo em vista que “quando se lesa o meio ambiental, em sua concepção difusa, atinge-se concomitantemente a pessoa no seu status de indivíduo relativamente à cota-parte de cada um e, de forma mais ampla a toda coletividade” (LEITE, 2000, p. 298 apud SILVA, 2006, p. 122).

Sendo assim, percebe-se que o dano ambiental moral coletivo não se restringe, tão somente, à lesão ao equilíbrio ecológico, afetando outros valores precípuos da coletividade a

ele ligados, a exemplo, o direito à qualidade de vida e à saúde. Havendo um decréscimo nesses valores, ainda que o dano ecológico puro tenha sido reparado, a reparação não pode ser considerada integral se não for considerada a dimensão imaterial da lesão (STEIGLEDER, 2004, p. 165).

Paccagnella (1999, p. 47 apud LEITE, 2003, p. 295) argumenta:

Em resumo sempre que houver um prejuízo ambiental objeto de comoção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, estará presente o dano moral ambiental. A ofensa ao sentimento coletivo se caracteriza quando o sofrimento é disperso, atingindo considerável número de integrantes de um grupo social ou comunidade.

Rodrigueiro (2004, p. 186) esclarece que

o dano moral faz-se sentir, resumidamente em face do que fora exposto, sob duas vertentes, uma a dor coletiva, o sentimento de angústia, de desespero, a comoção em razão de uma degradação e, outra, a privação da população da possibilidade de fruição de um patrimônio natural, ecologicamente equilibrado, fonte de vida, bem de uso comum do povo. Este para nós é o dano moral, passível de indenização.

Sedim (1998, p. 164 apud MONTENEGRO, 2005, p. 94-95) explica o significado de “dor” quando vinculado ao conceito do dano moral ambiental coletivo:

a dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto que concerne a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, concomitantemente, a outros valores inter- relacionados com a saúde e a qualidade de vida. A dor, referida ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não o interesse particular subjetivo. Outrossim, refere-se, concomitantemente, a um interesse comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva.

Denota-se que o dano moral ambiental coletivo não tem como elemento indispensável a dor em seu sentido moral de mágoa, pesar, aflição, sofrido pela pessoa física, na qual se formulou a teoria do dano moral individual. Tem-se como base outros valores que afetam negativamente a coletividade. Leite (2003, p. 294), por exemplo, elucida que a dor, em sua acepção coletiva, “é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, uma vez que concerne a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade”.

Salienta-se, no entanto, que não é qualquer dano que pode ser caracterizado como dano extrapatrimonial ambiental; é o dano significativo, isto é, aquele ultrapassa o limite

da tolerabilidade, e cada caso deverá ser examinado em concreto.

Outrossim, em razão da dificuldade de obter-se prova concreta do dano moral, parte da doutrina a dispensa, presumindo o dano moral coletivo a partir da gravidade do dano. (RAMOS, 1998, p. 85 apud SILVA, 2006, p. 125-126; STEIGLEDER, 2004, p. 166).

Sabe-se que assim como os demais danos de natureza imaterial, dispensa-se a prova técnica de configuração do dano ambiental extrapatrimonial, uma vez que se está diante de um dano in re ipsa. Logo, é preciso analisar os elementos que caracterizam o caso concreto e, diante deles, concluir se efetivamente foi lesado o aspecto da personalidade humana relacionado ao equilíbrio ambiental. Mais do que isso, é necessário aferir se a interferência humana no meio ambiente provocou efetivamente “alteração adversa” das suas características (LEITE; MOREIRA; ACHKAR, 2015, p. 15-16).

Para a adequada avaliação da ocorrência de dano ambiental reparável, é preciso, portanto, sempre, no caso concreto, o julgador observar se os impactos negativos nas características essenciais dos sistemas ecológicos são intoleráveis, mesmo se, eventualmente, forem reputados como produtos inevitáveis da sociedade de risco, ou seja, se o homem deixa de usar o bem ambiental de maneira responsável e abusa deste, causando lesão.

Fala-se, aqui, em análise do limite de tolerabilidade, ou seja, se o mesmo foi ultrapassado ou não, isso porque a intenção, em verdade, não é impedir qualquer alteração das condições primitivas do ambiente natural, mas sim evitar que essas alterações provoquem desequilíbrios e, dessa forma, prejudiquem a sadia qualidade de vida.

Para realizar essa identificação, não é suficiente verificar se houve descumprimento de padrões de qualidade ambiental estabelecidos em regulamentos, sendo indispensável levar em consideração as peculiaridades do dano ambiental produzido pela sociedade de risco, dentre as quais se destacam: “a falta de certeza quanto à prova e dimensão do dano e sua manifestação futura e dissociada de interesses pessoais; a dispersão do nexo causal, considerada tanto a distância temporal entre o fato danoso e a manifestação do dano, como as ações múltiplas, cumulativas e sinérgicas que o ocasionam” (LEITE; MOREIRA; ACHKAR, 2015, p. 15-16).

Leite (2003, p. 297) exemplifica situações em que a configuração do dano moral ambiental coletivo ocorre de forma mais explícita, quais sejam:

1. Destruição de sambaqui, através da retirada da barreira do terreno limítrofe, afetando tanto um patrimônio cultura como um valor ambiental, ecológico da população; 2. Risco na utilização, distribuição e estocagem de metano, [...], ofendendo a coletividade material e extrapatrimonial; 3. Publicidade anti-ambiental, afetando de forma indivisível interesses extrapatrimoniais da coletividade; 4. Aterro de lagoa, ferindo a paisagem, ocasionando dano ao valor paisagístico e ambiental da

comunidade; 5. A perda da luminosidade solar, em decorrência, por exemplo, de urbanização; 6. Perda de paisagem significativa.

Com base no exposto, ainda que de forma bastante discreta, vem sendo admitida a possibilidade da configuração de um dano afeto à coletividade como um todo ou mesmo a um grupo de indivíduos determinados ou indetermináveis.

Porém, evidencia-se que o instituto da responsabilidade civil ainda terá que sofrer uma intensa adequação a fim de adaptar-se à reparação de danos patrimoniais e morais coletivos. Nessa esteira, o eminente jurista argentino Stiglitz (1995 apud LEITE, 2003, p. 298) assim se pronuncia: “A capacidade de reação do sistema de reponsabilidade civil terá de operar uma substancial evolução, desde o ressarcimento do dano singularmente sofrido até a reparação dos prejuízos globalmente produzidos à comunidade afetada”.

4.1.1 A vinculação com o direito da personalidade

O direito ao meio ambiente saudável e equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, sendo, pois, considerado um valor indispensável à personalidade humana. Assim, Patti (1987, p. 284-285 apud LEITE, 2003, p. 282) e Leitão (1997, p. 31-65 apud LEITE, 2003, p. 282) afirmam que é possível relacionar o direito ambiental ao direito da personalidade.

Como visto no tópico anterior, a Constituição Federal não limitou os direitos à personalidade, motivo pelo qual grande parte da doutrina adere à posição de que se está diante de uma cláusula aberta e, consequentemente, tais direitos são suscetíveis de novos desdobramentos.

Salienta-se que a Constituição Federal de 1988, por ter consagrado a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, atribuiu ao dano moral uma enorme dimensão, uma vez que a dignidade da pessoa humana é considerada a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.

Leite (2003, p. 283) aduz que “o direito à personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais”. Ademais, corresponde a um valor fundamental que se revela através de um processo histórico, calcado no direito de cada homem ao respeito e à promoção de elementos que criem espaço no qual poderá desenvolver a sua personalidade.

Fernandes (1995, p. 189-199 apud LEITE, 2003, p. 285), “ao classificar o direito da personalidade, insere o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado como

incidente sobre bens afins da personalidade, e designa-o como instrumental”.

Pode-se, desta forma, separar, de um lado, os direitos da personalidade ligados à pessoa ou intrínsecos, como é o direito à integridade física e moral, direito à liberdade, honra e, de outro lado, os direitos da personalidade periféricos ou extrínsecos – por oposição ao centro representado pela própria pessoa – relativos às relações com as coisas e com os outros, como é o caso do direito ao meio ambiente (FERNANDES, 1995, p. 189-199 apud LEITE, 2003, p. 285).

Soma-se ao texto constitucional do artigo 225, que traz como titular do direito ao meio ambiente a totalidade dos seres humanos, a indispensabilidade de se garantir um meio ambiente sadio a fim de possibilitar que a dignidade da pessoa humana – fundamento da República Federativa do Brasil - seja devidamente preservada e do disposto do artigo 5°, § 2º, da Constituição Federal, tem-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se em direito fundamental do ser humano.

Desse modo, “trata-se de um direito fundamental, intergeracional, intercomunitário, constitucionalmente garantido e ligado a um direito da personalidade, posto que diz respeito à qualidade de vida da coletividade” (LEITE, 2003, p. 284).

Não se pode negar, pois, que o direito ao meio ambiente funciona como um bem instrumental ao desenvolvimento da personalidade humana. Leitão (1997, p. 59 apud LEITE, 2003, p. 285) “lembra que os aspectos fundamentais da personalidade humana, como a integridade física e a saúde, assentam na salvaguarda ambiental”.

Evidencia-se que a personalidade humana se desenvolve por formações sociais e, também, depende do meio ambiente para tanto. O direito da personalidade ao meio ambiente significa o direito à existência de um ambiente salubre e ecologicamente equilibrado, o qual representa uma condição especial para um completo desenvolvimento da personalidade humana. Não existe qualidade de vida sem qualidade ambiental. Logo, não há como negar um direito análogo a ele.

No documento Dano moral ambiental coletivo (páginas 77-83)