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Capítulo 2: Repensando conceitos e práticas ligadas à língua/cultura: um olhar sobre o

2.6. A língua inglesa numa perspectiva pluricêntrica

Conforme já discutimos, estamos vivenciando uma era em que o inglês adquiriu um caráter que, sem sombra de dúvida, exige um trato mais diferenciado no ensino do que a ele foi dispensado em momentos anteriores. Referimo-nos às inúmeras terminologias propostas para dar conta de dimensionar seu alcance por todo o planeta. Assim, já ouvimos falar em diversas terminologias, tais como: New Englishes/ Kachru; Nuclear English/ Quirk; English as an International Auxiliary Language/ Smith; General English/ Ahulu; World Standard Spoken English/ Crystal (ERLING, 2000).

Esse caráter transnacional atribuído ao inglês, conforme Siqueira (2011), tem sido discutido por: Kachru (1990), Phillipson (1992), Canagarajah (1999), Cox e Assis-Peterson (1999), Pennycook (2001), Mckay (2002), Rajagopalan (2004), Rubdy e Saraceni (2006), Jenkins (2007), Kumaravadivelu (2008), Siqueira (2008), Sharifian (2009), El Kadri (2010), entre tantos outros.

Entretanto, parece que duas propostas terminológicas são as mais utilizadas na literatura atualmente: Inglês como Língua Franca (ILF) e Inglês como Língua Internacional (ILI). Diante dessa nova ordem linguística, o inglês é considerado a “língua da galáxia”, conforme Gimenez (2001, p. 296). E como participantes/usuários locais de uma comunidade global, precisamos ressignificar como/qual inglês ensinamos. É nesse sentido que passamos a repensar em quais são as implicações pedagógicas do ILF.

O ILF, segundo Siqueira (2011, p. 90), é o novo inglês utilizado entre “[...] falantes não nativos de línguas maternas distintas”. Ensinar o ILF, portanto, nesse novo cenário, não pode mais se limitar aos padrões normativos e impostos por falantes nativos. “Ensinar ILF requer uma visita diária a várias fronteiras, elegendo-se novas prioridades, dentre as quais, as pedagogias mais adequadas para tal realidade”. (SIQUEIRA, 2011, p. 90)

Em função de toda essa onda de mudanças geopolíticas, e consequentemente linguísticas, o aspecto intercultural merece ser adotado como possibilidade de oferecer aos nossos aprendentes possibilidades de encarar a alteridade sem subserviência, com enfrentamentos políticos de toda sorte, sobretudo alavancando a emergência de compartilhamento de redes identitárias entre essas comunidades de usuários.

O inglês, por exemplo, para Mckay, é tido como Língua Internacional. Segundo Siqueira (2011), para Mckay, a língua adquire tal status em decorrência do grande número de falantes nativos. Já Siqueira(2011), por outro lado, diz que para Widdowson (1994) o ILI passa a servir não apenas às comunidades de falantes nativos. Já Jenkins (2007) e Alptekin (2002) parecem preferir o ILF, de acordo com Siqueira (2011).

Embora ainda divergentes os posicionamentos frente a uma terminologia única, observamos que, de modo geral, ambos os termos, ILF e ILI, caminham rumo aos mesmos objetivos, dentre os quais podemos entrever a descentralização dos padrões linguístico- culturais, ou seja, atualmente, dado o número de falantes não nativos ser superior ao número de nativos, e o inglês ter sido a língua da comunicação em escala mundial, não há como mais seguir essas prescrições imperialistas, relativas aos Estados Unidos da América e à Inglaterra, mais especificamente. É recorrente a tendência segundo a qual, inevitavelmente, devemos imprimir ao inglês uma característica que parece ser marcante: sua mestiçagem.

Conforme Kachru (1985), há três círculos concêntricos, dentro dos quais se situam os países onde o inglês é falado como língua nativa; os países onde o inglês é falado como segunda língua; e aqueles onde ele é falado como língua estrangeira, entre os quais mencionamos o Brasil. Porém, ao longo desta nossa discussão, inevitavelmente, passamos a questionar o adjunto adnominal “estrangeira”.

Hoje, em função dessa ‘mestiçagem linguística’, não há mais como separarmos tão fielmente esses falantes, etiquetando-os, como se todos os usuários na órbita planetária se incluíssem categoricamente dentro desses círculos fechados. Por essa razão, optamos por conceber, em vez dessa proposta, uma espécie de anglofonia híbrida.

Outrossim, devemos rever a questão que aponta para o percentual que mostra um número muito mais vultoso de falantes não nativos, cuja interações acontecem em contextos eminentemente autênticos. Dessa forma, resta inegável o entendimento que retira a ‘posse’ das potências imperialistas, passando a figurar o inglês como língua pertencente a quem quer que o use. Por essa razão, devemos pensar se o círculo em expansão deve ser entendido como aqueles que falam o inglês como língua estrangeira, conforme propõe Kachru (1985), pois, segundo concepção dicionarizada, estrangeiro é aquele que não é natural do país onde se acha. Sendo assim, dada a desterritorialização e pluricentricidade do inglês, ele não pode mais continuar sendo ‘estrangeiro’ (HOUSE, 2010). Afinal, ele passou a ser usado em qualquer lugar, por qualquer pessoa, diferentemente de outros tempos, em que era bastante comum a ideia que veiculava afirmações como esta: ‘o inglês deve ser falado como nos Estados Unidos/ na Inglaterra’.

Por todas essas razões, de acordo com Siqueira (2011, p. 93), que se baseia em Jenkins (2000), devemos compreender, de uma vez por todas, que:

[...] ao invés de ficarmos presos ao passado, é muito mais produtivo olharmos para a frente e buscar enxergar maneiras pelas quais possamos tornar essa língua mais democrática interculturalmente, sob a custódia de

todos os falantes que a usem para se comunicar, não importando quem são e onde estão essa pessoas.

Frente a todo esse arsenal de motivos, entre os quais citamos a desterritorialização do inglês ou a assunção de seu caráter pluricêntrico, como queiram, ainda há aquele que trouxemos em seção anterior, que tratava da indissociabilidade dos elementos língua/cultura. Em relação a esse ‘corpo/sangue’, metáfora que imprime um caráter indissolúvel entre ‘língua’ e ‘cultura’, precisamos repensar quais são as implicações para o ensino desse novel inglês mestiço e real.

Para Rajagopalan (2010b, p. 185), “a ideia de que línguas são indissociavelmente atadas a culturas específicas faz parte da imaginação popular”. Principalmente por esse motivo, nos remetemos ao corpus de nossa tese, encontrado no material de análise, ou seja, as sete coleções de livros didáticos do Ensino Médio selecionadas pelo PNLD 2012, sobre o qual vamos empreender um olhar analítico e discutir, entre outros pontos, a questão que trata desse imaginário popular em relação à cultura, ou às culturas, que devem ou que estão atreladas à língua inglesa atualmente.

Assim, dadas as características inegáveis dessas comunidades anglófonas dispersas no mundo, sem fronteiras tão definidas, cabe realmente reavermos que língua ensinamos e que cultura(s)65 a ela está/estão atreladas. Eis a razão primeira e última de pensarmos, como discutimos em uma das seções acima, a perspectiva intercultural como possibilidade de mediarmos as tensões culturais que se avizinham dos sujeitos que circulam em nosso universo tátil, sobretudo nossos alunos, os quais precisamos conscientizar da necessidade de não apenas serem situados como partícipes de uma constatada diversidade cultural, mas agentes, participantes ativos de situações em que é necessário usar estratégias de relação entre indivíduos e grupos diversos. Em outros termos, se pensarmos a docência, no nosso caso, o ensino e aprendizagem do inglês por esse viés intercultural, estaremos não apenas constatando/reconhecendo a diversidade linguístico-cultural, e sim incitando uma prática efetivamente interativa, estabelecendo assim um verdadeiro diálogo cultural entre nossos alunos e outros grupos, fazendo com que eles façam reflexões acerca de sua própria cultura e a cultura do(s) outro(s).

Considerando as questões que apontamos neste capítulo, sobre o ensino e aprendizagem do inglês na contemporaneidade, certamente não conseguimos, com total amplitude, dar conta de todas as nuanças que o fenômeno exige, porém acreditamos ter

discutido questões principais que poderão auxiliar nosso capítulo de análise, último a compor este trabalho de tese. Tentamos, na medida do possível, atender ao que Calvo e El Kadri (2011, p. 38) mencionam como necessidade de pesquisas, ou seja, contemplar a discussão que envolve o ILI/ILF na “formação de professores”, “abordagem de aspectos culturais” e “análise de livros didáticos utilizados nas escolas”, sendo este último ponto a parte central de nossa tese.

Apresentamos e discutimos até aqui sobre ensino e aprendizagem, formação de professores, cultura, interculturalidade, multiculturalismo, ensino do inglês numa perspectiva pluricêntrica, sempre tentando estabelecer diálogos com nosso objeto de estudo. No próximo capítulo, discutiremos mais outro fundamento teórico que se dedica a composições imagéticas, a partir do que postulam os pressupostos do letramento visual, dando especial destaque às especificidades da função composicional da GDV, olhar teórico que lançaremos sobre as imagens contidas nos livros didáticos de língua inglesa, conforme constataremos no último capítulo.

Capítulo 3

Partindo das ideias fundantes sobre letramento(s)

rumos às imagens do livro didático de inglês do

ensino médio: uma abordagem do letramento visual

e da GDV

“’Ver’ resulta de uma transformação dos estímulos visuais em imagem, operação essa que, primeiramente, reduz um objeto de várias faces a uma, e que imprime na confecção da imagem vista traços de historicidade.”

Para que consigamos alcançar os objetivos presentes logo na introdução desta tese, verificamos a necessidade de prosseguir oferecendo uma paisagem teórica que subsidie a discussão na parte final, onde teremos nossas construções analíticas, que envolvem diretamente o escrutínio de imagens do livro didático de língua inglesa do Ensino Médio, tomando como parâmetro o inglês como língua internacional66.

Assim, no capítulo I, discutimos a questão do ensino e da aprendizagem de línguas, especialmente da segunda língua, mas, no nosso caso, a tônica recai ainda mais precisamente sobre o ensino e aprendizagem do inglês como língua desterritorializada. Inevitavelmente, tivemos que passar pela discussão que remete à formação de professores, inicialmente. Em seguida, discutimos o ensino de cultura, numa perspectiva que concebe ‘língua’ indissociável de ‘cultura’. Para chegar aí, fizemos uma retomada histórica das concepções de cultura. Por fim, para nos aproximarmos da questão central de nossa tese, pelo menos no que se refere ao caráter terminológico, que é a língua inglesa na perspectiva pluricêntrica, trouxemos as contribuições de dois horizontes teóricos que se imbricam: multiculturalismo / interculturalidade e ensino de inglês numa perspectiva pluricêntrica.

Neste capítulo, tocaremos em pontos, como letramento, multiletramentos (ou letramentos múltiplos), multimodalidade, letramento visual, para só então abordarmos a parte central de nossos anseios dentro de nossa investigação: a leitura de imagens.

Justificamos essas escolhas como pano de fundo teórico, tendo em vista que, para chegarmos a uma noção de ‘letramento visual’, de cujo domínio extraímos nosso corpus – as páginas de abertura, levando em consideração alguns elementos imagéticos, de livros didáticos –, fomos mostrando didaticamente as bases na esfera da linguagem que lida com as práticas sociais, em que a noção de letramento, primariamente, e seus desdobramentos, em momento posterior, vão dar no destino a que queremos chegar – letramento visual. Nessa sequência, nos ultimamos com a questão da imagem pelo prisma do letramento visual, pois consideramos que o mundo atual não funciona mais de acordo com a monomodalidade, mas possui uma espécie de paisagem semiótica plural: além dos textos verbais, saltam aos olhos os textos não verbais. Em decorrência desse fato, discutiremos os domínios da semiótica social e sua relação com a proposta da gramática do design visual, pois nesta última estão situados nossos critérios de análise das imagens. Por fim, criamos uma seção para o livro didático. Sobre este último, abordaremos o contexto em que ele se situa dentro da educação linguística, além de outros aspectos relevantes.

66 Dentro de nossa tese, assumimos que outras terminologias podem ser entendidas no lugar desta, como por