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Capítulo 4: Tateando o livro didático com lentes focais e analisando suas imagens – O

4.4. Análise individual das imagens

4.4.14. Página de abertura 14

Essa composição da página de abertura se apresenta de uma forma diferente da maioria analisada, pois contém uma referência direta apenas a um país, os Estados Unidos, o qual é evidenciado através da ocupação no espaço de abertura da unidade. Ao mesmo tempo, possui uma relação com as demais imagens, favorecendo um senso de que elas partilham da mesma unidade, esta entendida como a Pax Americana124 (RAJAGOPALAN, 2003)

Aliás, sobre essa questão, observemos que o título da unidade se intitula ‘Quando você for um adulto?’, que deveria se referir a diversos contextos internacionais, inclusive brasileiros, já que o livro circula no Brasil, mostrando situações ligadas aos direitos civis e políticos de cidadãos que atingem uma determinada idade, sejam/estejam no Brasil sejam/estejam espalhados ao redor do mundo, sobretudo quando uma das funções do livro didático, a partir do preceituam as Orientações Curriculares para o Ensino Médio e o Guia do PNL de 2012, devem almejar a difusão da ideia de diversidade, multiculturalismo.

Acerca do papel ideologizante do livro didático, nos termos de Coracini (1999) e das heterogeneidades que este deve inspirar (BRASIL, 2006), não podemos nos esquecer de que “uma visão da inclusão é inseparável de uma consciência crítica da heterogeneidade e da diversidade sociocultural e linguística” (BRASIL, 2006, p. 96). Seguindo em caminho contrário, estaremos promovendo um cenário monocultural, monolinguístico no ensino do inglês. Ao atuarmos com base nessa prática, sem seguirmos rumo a uma leitura crítica das imagens presentes no livro didático, estaremos fugindo da pedagogia segundo a qual o aprendente pode participar como sujeito atuante, sendo parte ativa e refletida no processo e, consequentemente, estaremos também promovendo a exclusão, pois ela “[...] está implícita em concepções de língua e cultura como totalidades abstratas, fixas, estáveis, e homogêneas”. (BRASIL, 2006, p.96)

Conforme o Guia do PNLD de 2012, “o livro didático deve ser entendido como uma produção que está vinculada a valores, posições ideológicas, visões de língua, de ensino de língua, de aluno, de professor e de papel das línguas estrangeiras na escola”. (BRASIL, 2011, p. 08)

Cientes das concepções que devem entremear a produção, a escolha e a lide com o livro didático, voltamos para a análise em si. Verificamos, então, dentro dessa composição, formas estratégicas de veicular a figura dos Estados Unidos à polícia mundial, uma vez que é estabelecido um paralelo entre o título e o fato de se tornar um adulto e o direito (obrigação?) ao voto, num contexto que elege mais uma vez a terra do Tio Sam, revelando assim sua

124 Faz referência direta à Pax Romana, momento em que dominava o Império Romano; à Pax Britannica,

prototipicidade em relação às demais nações no mundo. Por outro lado, a cena de uma eleição norte-americana se localiza na parte superior, no lado esquerdo da página, levando- nos a crer que se trata de uma informação já dada; ou seja, é essa a realidade aceita e pacífica: os Estados Unidos são os guardiões da cidadania mundial e exercem uma espécie de função judicante ao redor do globo.

Dessa maneira, as outras duas imagens: ‘a moça, a criança e o rapaz’ e ‘os soldados do exército’, em função da fraca conexão destas com a imagem em que se encontra a bandeira americana, leva-nos a pensar numa ideia de unidade, num sentido que ofusca as possíveis nacionalidades das pessoas presentes nas outras imagens, que podem ser diversas inclusive. Somos, portanto, levados a crer na ideia de um único território, ou do único território, aquele que combate ações bélicas ou de qualquer outra ordem, desde que sejam entendidas como hostis, que pretendem ir de encontro aos interesses e à lógica da grande potência mundial.

Sobre a colocação da imagem que possui a moça, o rapaz e a criança no lado direito na parte superior, podemos dizer que se trata de uma forma de expressar a ideia de uma família vivendo feliz sob os auspícios da ‘força policial’ americana, que os coloca em segurança em relação a qualquer ameaça vinda de fora. Ademais, estejamos atentos para que este ‘fora’ seja entendido não apenas como espaço físico, mas que seja possível engendrar um entendimento, advindo da Sociologia, em torno da figura dos ‘outsiders’ (BECKER, 2008), aqueles grupos desviantes em relação aos dominantes, levando em consideração, por exemplo, aspectos linguísticos, políticos, culturais, ideológicos.

Na parte inferior da composição visual, vemos um exército que, pelos motivos já apontados, nos faz pensar que se trata do exército americano, tendo em vista também a falta de elementos que o identifiquem como pertencentes a qualquer outra nação que não sejam os EUA.

Observemos a menção ao conceito da Pax Americana como um forte elo que alicerça a unicidade, a monocromia imagética, a homogeneidade entre as três imagens. Trocando em miúdos, a imagem da bandeira com a mensagem vote, que podemos supor como a eleição de um chefe de Estado da nação mais poderosa do mundo, é a informação mais conhecida, partilhada pelos leitores/observadores.

Como afirma Almeida (2008, p. 23), o posicionamento desta imagem pode ser lida como o “ponto de partida da mensagem”. Do lado direito, temos uma família que vive protegida por ela. Aliás, esse senso de pertença da família125 aos Estados Unidos, sendo

judicada, protegida por eles pode também ser assegurado pela conexão entre a cor vermelha das blusas da criança e da mulher e o vermelho da bandeira norte-americana. Na parte inferior, temos a informação mais verdadeira, mais concreta: o exército é símbolo de força, rijeza, resistência, aquele que consegue instrumentalizar a segurança não somente para os americanos, mas para aqueles que a eles se aliarem.

Finalmente, vemos a tríade que erige a Pax Americana permanecer viva, sendo solidificada, perpetuada pelo livro didático de língua inglesa do Ensino Médio. Em outras palavras, para o observador(a)/leitor(a) desse livro não resta outro senão o parâmetro, segundo o qual os Estados Unidos da América são postos, consoante a análise desta imagem específica, como sendo não apenas o modelo de cidadania a inspirar os povos, mas, sem sombra de dúvida, o modelo linguístico, cultural, político a ser seguido pelas pessoas no mundo afora.