• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4: Tateando o livro didático com lentes focais e analisando suas imagens – O

4.4. Análise individual das imagens

4.4.16. Página de abertura 16

A penúltima página ostenta imagens de algumas personalidades bastante populares, que, segundo o próprio título da unidade, são ‘exemplos a serem seguidos’126. Partindo dessa exortação inicial, o leitor é convidado (compelido?), da melhor forma que lhe convém, a imitar esses indivíduos. Em certa medida, o convite indireto não pode ser considerado nenhum ato que desmereça crédito. Afinal, essas pessoas são conhecidas por fatos grandiosos, uns mais do que outros, tendo de fato contribuído para a história da humanidade.

Temos, nesta página, as imagens das seguintes personalidades, de cima para baixo, da esquerda para a direita: Nelson Mandela, Dalai Lama, Madre Teresa de Calcutá e Ayrton Senna. Mandela ficou conhecido por sua luta, entre outras, contra o Apartheid na África do Sul; Dalai Lama é líder religioso do budismo tibetano, uma das figuras mais expoentes dessa doutrina, que prega a paz e a compaixão na atualidade, trazendo uma mensagem contra a violência; Madre Teresa de Calcutá, embora leve o nome de uma cidade indiana, tem suas raízes na Albânia. Sua vida de devoção e serviço à caridade na Índia nos faz identificá-la a este país, inevitavelmente, a ele fazendo referência sempre; por último, vemos Ayrton Senna, brasileiro, campeão mundial da Fórmula 1, morto em um acidente automobilístico.

Estranhamos o fato que, por mais que haja discussões e pesquisas sobre o ensino de Inglês como língua pluricêntrica, tendo como exemplos algumas das que já mencionamos em capítulos anteriores, é costumeiro vermos apologias a este ou àquele país127, corroborando a ideia segundo a qual a língua inglesa legítima e autêntica é a estadunidense, a inglesa, a canadense, a escocesa etc.

Sem contar que compreendemos ser tendenciosa, como vimos nas análises anteriores, a recorrência de imagens de países do círculo interno ocupando zonas privilegiadas dentro da composição imagética, provocando, como consequência, no leitor/observador desses textos visuais um senso de vinculação da língua inglesa a esses países, onde se fala geralmente o inglês como língua nativa.

Levando em consideração essa questão que acabamos de abordar, constatamos que há, nesta abertura de unidade, apenas uma imagem que traz uma personalidade brasileira, no caso, Ayrton Senna. Essa imagem, aliás, ocupa uma área periférica da página, à qual o observador pode recorrer, se for o caso, depois de priorizar a percorrida ocular que abarca outras personalidades, que, inclusive são mais facilmente associadas com o universo anglófono de nativos.

126 Colocamos o termo entre aspas porque se trata, literalmente, do título que encabeça a entrada da unidade em

questão, razão por que empregamos a letra maiúscula na palavra ‘exemplo’.

127 Normalmente países do círculo interno, entre os quais os Estados Unidos e a Inglaterra parecem bater recorde

Eis os porquês que provocam nos leitores/observadores uma espécie de relegação à imagem de Ayrton Senna, reduzindo seu campo de visibilidade, de consideração, de maiores possibilidades de identificação, sobretudo numa situação em que a língua inglesa é o objeto de ensino.

1. Encontra-se na parte inferior da página. Já a imagem de Mandela ocupa a parte esquerda da página, que vai de cima abaixo. A imagem de Madre Teresa ocupa o lado direito, também na parte superior, assim como Dalai Lama. Porém, este é intermeado pelas imagens de Mandela e Madre Teresa.

2. Claramente, podemos ver que é a menor imagem modulada. Casos contrários são as outras três imagens. Talvez pelas características de vida, Madre Teresa e Dalai Lama possuem modulações próximas em termos de espessura, tamanho etc. Já Nelson Mandela é a maior de todas.

3. Só a cabeça e o pescoço de Senna ficam à vista. Os demais possuem mais partes do corpo sendo mostradas, passando a ideia de mais salientes.

4. O pano de fundo branco, em combinação com a cor clara da pele de Senna, causa certo ‘apagamento’ imagético128 dele, uma vez que esse tom embranquecido também é presente na parte inferior, onde consta a seção In Power. Diferentemente, observamos, na imagem de Nelson Mandela, em que essa combinação já não existe. A cor da sua pele se destaca, ao contrastar com a cor do pano de fundo, tornando-o mais saliente. O contrário acontece com Madre Teresa, ou seja, suas vestes brancas a deixam mais saliente, em contraste com as cabeças e vestes das crianças em sua volta. No caso de Dalai Lama, o tom forte e único de suas vestes em consonância com a cor do pano de fundo lhe conferem não apenas saliência comum detectada pelos critérios puramente ligados à cor, mas uma espécie de distinção, da qual falaremos a seguir.

Além da saliência pela exclusividade da cor marcante no enquadramento em que se encontra Dalai Lama, há de ser notada também a sua superposição em relação à imagem de Ayrton Senna. Ayrton encontra-se na parte inferior, o que lhe atribui um caráter de real. Ainda pode ser entendido como um ser mortal, terreno. Ao passo que Dalai Lama está localizado na parte superior, sendo considerado ideal: se aproxima da noção de divindade.

Talvez a própria escolha da imagem de Ayrton não tenha sido feliz para compor a imagem, tendo como argumento a nítida e inquestionável contribuição que as três

personagens, as mais salientes, deram à humanidade. Senna, pelo que sabemos, tinha como fonte inspiradora de vida a Fórmula 1, porém seu cotidiano de treinos, sua fama e seus troféus adquiridos, entre outras glórias alcançadas, não podem ser considerados como estando a serviço da coletividade, dos mais necessitados, dos injustiçados, dos que sofriam e sofrem preconceito, como foi o caso das outras três personalidades. Além de tudo, como já dissemos, eles ocupam espaços bem mais privilegiados dentro da composição imagética, conferindo- lhes mais saliência.

Embora os Estados Unidos, a Inglaterra ou nenhum outro país do círculo interno esteja nesta imagem, a ênfase recai sobre a África do Sul (à esquerda) e a Índia (à direita), ex- colônias do da Inglaterra129, pois, além de estarem também na parte superior, ocupam as extremidades da composição, polarizando de alguma forma a ‘dualidade’ divino / terreno, representada, respectivamente, por Dalai Lama e Ayrton Senna.

Por fim, verificamos que Dalai Lama está mais ligado à ideia de divindade, entremeando os dois países onde a anglofonia é presente, os quais pertencem ao círculo externo130, representados pela África do Sul e pela Índia. Enquanto Ayrton Senna, por todas as razões apontadas, é o que encontra menor destaque, menos saliência, menor vínculo à possibilidade de uma anglofonia para além dos territórios nativos.131

129 Eles evidenciam o que há de mais próximo com o mundo imperialista da Inglaterra, presentificando os ecos

que vêm oriundos de tempos bem mais hegemônicos.

130 Países onde a língua inglesa é oficial, mas não é falada como língua nativa, por haver a coexistência de

outra(s) língua(s) normalmente utilizada(s) em situações domésticas, entre amigos etc.

131 Não é coincidência que a imagem de Ayrton Senna seja menos saliente e, ao mesmo tempo, faça referência

direta ao Brasil, onde os possíveis falantes do inglês são caracterizados como pertencentes ao círculo em expansão.