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Entendemos que fazer pesquisa em Ciências Humanas é um empreendimento bem diferente do que se faz em outras áreas do conhecimento, nas quais a precisão e a exatidão a que são submetidos os conceitos, os critérios de análise e, sobretudo, o tratamento dos dados, fazem do objeto de estudo algo completamente fechado, fora do mundo real, das pessoas, suas relações autênticas e percepções em circulação.

O que acabamos de mencionar se refere, a título de exemplo, à área de Química, em que o pesquisador, depois de ter observado dado fenômeno, no mundo real, seleciona-o, recorta-o e, em seguida, isola-se dentro de um laboratório para proceder às suas investigações. Nesta mesma perspectiva, percebemos que o estudo fica circunscrito a procedimentos dentro de laboratórios frios em que se ensaiam simplesmente experimentos; em outras palavras, fora dos domínios da categoria habermasiana entendida como mundo da vida28.

Em sentido oposto, nas Ciências Humanas, o ato de pesquisar normalmente encerra um processo muito mais ligado à percepção, à argúcia, à sutilidade de espírito, entregue aos sujeitos por alguma ordem suprema, de onde nos é permitido ‘conhecer’ os fenômenos não unicamente pelos meios da quantificação, mas, principalmente, pelas propriedades do

28 Nos termos de Habermas (2000), citado por Medeiros (2008), o mundo da vida é entendido através das

esferas: cultura, sociedade e personalidade. As três, constituindo o mundo da vida, segundo a tese deste último autor, propiciam o que podemos conceber enquanto negação a uma educação tecnicista, o que nos viabiliza pensar numa educação emancipatória.

qualitativo29, pela via dos nossos sentidos. Assim, é que atribuímos ao nosso estudo o caráter ‘fenomênico’, e não ‘numênico’. Este último caráter é a ‘coisa’ em si, sem nossa intervenção sensorial, sensitiva. (RAJAGOPALAN, 2003)

Trata-se de algo que pode ser perfeitamente entendido quando dizemos que toda ação e reflexão são válidas para que “[...] o corpo e o sangue da vida real componham o esqueleto das construções abstratas” (MALINOWSKI, 1984, p. 37).

Dessa forma, pensamos consoante Serrano (2011, p. 23), para quem, “partindo de uma perspectiva social, é impossível encontrar um tema suscetível de ser investigado que ocorra isolado por completo do restante do mundo.” E, seguindo esse mesmo raciocínio, do mesmo autor, complementamos a concepção que temos sobre pesquisa: “[...] essa percepção nos fala do grau evidente de contextualização, a partir do qual se desdobra todo processo de pesquisa, e que, por outro lado, se choca contra os postulados dos defensores da absoluta autonomia da ciência.” (p. 23).

Em outras palavras, pesquisar encontra verdadeiro sentido se conseguirmos ressignificar padrões, conceitos e crenças, ou ainda, se conseguirmos ir além de margens até então alcançadas, dilatando-as a um ponto tal que, sob outros pontos de vista, consigamos entrever matizes e percepções até pouco inexistentes. Enfim, entendemos que “pesquisar proporciona memória documental para analisar o passado e elementos seguros com os quais possamos negociar nosso encontro irreversível com o futuro.” (SERRANO, 2011, p. 22)

Trazendo um pouco as questões ligadas à pesquisa linguística – em perspectiva aplicada –, especificamente, obrigamo-nos a fazer um passeio que se inicia com a diferenciação entre Linguística e Linguística Aplicada, até chegar à importância da perspectiva transdisciplinar para a pesquisa linguística, conforme veremos a seguir.

Sabemos que, por muito tempo, a Linguística, desde Saussure (2006[1916]), tem se comportado como a disciplina mãe em relação aos demais ramos dos estudos que se referem à linguagem. Entretanto, a Linguística Aplicada surgiu. Inicialmente, à mercê da Linguística, teórica ou geral, como ficou conhecida. E, dessa forma, de maneira inadvertida, caberia à nova disciplina apenas o caráter de aplicar as teorias produzidas pela disciplina mãe. Porém, a linguística aplicada cada vez mais tem se mostrado a que veio, entre outras finalidades, se admite a sua consolidação como produtora de suas teorias, sem necessitar mais dos auxílios teóricos provenientes da ‘linguística soberana’.

29 No decorrer da tese, especialmente, no capítulo analítico, é possível que partamos para uma análise com base

na abordagem quantitativa também, com o objetivo de robustecer nossos argumentos. Em outras palavras, privilegiamos a abordagem qualitativa, mas, se necessário, disporemos de uma expressividade quantitativa.

Assim, para essa perspectiva mais atual da Linguística Aplicada, a que proporciona uma reviravolta no interior dos estudos em referência ao binômio teoria/prática, inovam-se as formas de fazer ciência linguística, sendo, assim, atribuído o caráter que reputa a linguística aplicada como crítica. Tudo isso como resultado da ruptura com os padrões gregos, de acordo com os quais a prática estava a serviço da teoria. (RAJAGOPALAN, 2003)

Dentre outras denominações atribuídas aos estudos linguísticos, com a emergência da Linguística Aplicada, temos a que aponta para a perspectiva transdisciplinar, que pode ser entendida também como aquela que molda um caminho de investigação que vai do problema para a teoria, e não como era feito antes: teoria-problema.

Assim, quando pensamos na importância da perspectiva transdisciplinar para a pesquisa linguística, vemos que é fundamental nos situarmos perante reflexões que, inicialmente, lidem com a problematização a partir da observação de um determinado fenômeno, aquele que está no mundo real. A partir da observação desse fenômeno, serão criados os problemas, para, daí, surgir o objeto de estudo. Neste caso, vemos que o horizonte teórico a ser seguido será a cereja do bolo. Ou seja, a metáfora serve para indicar que somente depois de construído o problema é que poderemos pensar na cereja, no caso, a teoria. E neste caso, a própria linguística aplicada é produtora de teorias, lançando mão do diálogo com outras áreas, como, por exemplo, com a educação e com a psicologia.

Nossa pesquisa, nesse sentido, mantém um caráter transdisciplinar, pois agrega em sua essência procedimental horizontes teóricos que vão além do linguístico (sentido saussuriano), pois envolvem posicionamentos advindos da psicologia, da educação, da sociologia frente às seguintes categorias – cultura, interculturalidade, livro didático, ensino de línguas, entre outras –, fazendo com que haja um verdadeiro diálogo entre as áreas, cujo intuito, não por modismo, mas pela complexidade do objeto, resulta nesta tese.