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Capítulo 4: Tateando o livro didático com lentes focais e analisando suas imagens – O

4.4. Análise individual das imagens

4.4.15. Página de abertura 15

O título da unidade é “Você sabe cuidar bem do seu dinheiro?”. Em seguida, podemos ver notas impressas de algumas moedas, cuja estrutura nos dá a impressão de estarem em três sequências emparelhadas, de cima para baixo. Porém, se detivermos nosso olhar sobre a composição com mais perspicácia, vemos que, considerando apenas a primeira coluna, na parte superior, temos do lado esquerdo, o dólar americano; do lado direito, encontramos o real. Na segunda sequência, estão a libra esterlina e o real. Esta se localiza do lado direito; aquela, do lado direito. Por último, mais uma vez, vemos o real do lado direito e o dólar canadense, do lado esquerdo. Em suma, na primeira coluna, da direita para a esquerda, temos a seguinte sequência: o dólar americano, a libra esterlina e o dólar canadense. Enquanto isso, o real se posiciona do lado direito em apenas uma ocorrência, dentro de uma estrutura que se estende desde a ocorrência da libra até a do dólar canadense, no lado oposto.

Essa sequência é reveladora também do fato que quando aparece mais de uma referência a países anglófonos do círculo interno, a tendência é vermos os Estados Unidos seguidos pela Inglaterra numa ordem de importância e representatividade, detectadas pelas recorrências. Tais dados estão diretamente relacionados com nossas suposições de trabalho, a serem ainda rediscutidas nos momentos finais da tese.

Em princípio, a partir de um olhar desatento, podemos afirmar que, pela vasta representação imagética da moeda estampada na página, o critério diversidade foi atendido, já que mais de uma moeda foi usada como exemplo para que os alunos pensassem em situações que estivessem relacionadas à pergunta contida no título. Além disso, o componente monetário brasileiro foi contemplado. Também, considerando principalmente a suposta extensão da aparição do real, já que se trata da moeda brasileira, aquela que provavelmente está no cotidiano do leitor/observador, atende ao requesito presente tanto nas OCEM quanto no Guia do PNDL de 2012.

Algo que também precisa ser ressaltado é o aspecto temático recorrente nas páginas de entrada: riqueza, poder, glória, glamour, que se associam às ideologias ligadas à supremacia dos países do círculo interno, proeminentemente, Inglaterra e Estados Unidos, normalmente com sua contraparte: países subdesenvolvidos, como é o caso desta página.

Pelo que podemos entender, o livro didático deve ser um material com o qual o aprendente se identifique, um instrumento através do qual o aluno consiga se ver espelhado, nele tendo sua realidade, seu cotidiano representados, retratados. Reiterando o que dissemos anteriormente, o livro didático deve ser compreendido como uma produção que esteja atrelada a posicionamentos ideológicos, permitindo que o professor, o aluno, criticamente, reflita sobre os lugares que ocupa na sociedade. Desta forma, será capaz de avaliar como o livro didático,

recurso essencial em sua vida escolar, lida com essas questões de espelhamento sócio- linguístico-cultural tanto em textos verbais quanto em textos não verbais, neles sendo realmente proficientes. (BRASIL, 2006).

Entretanto, mesmo sendo mais extenso o enquadramento em que aparece a moeda brasileira, ela não fica tão evidenciada quanto as demais. Vejamos algumas razões para esta nossa afirmação:

1. Há uma caixa em que são propostas questões para reflexão. Esta mesma caixa é posta sobre as notas de real, ofuscando, em grande parte, a participação significativa e efetiva na composição como um todo, pois tem negada a sua visibilidade ou parte dela. Afora a nota de R$5,00, nenhuma outra conseguiu ter sequer seu numeral completamente visto.

2. Esses cinco reais, em termos de valor de compra, é menor que as outras notas das moedas estampadas na coluna da esquerda, retirando ainda mais a ênfase de sua aparição.

3. Por estarem no lado direito, essas notas do real acabam sendo lidas como informação nova, sobre a qual deva recair o olhar do observador de maneira mais enfática. Porém, nesta composição especificamente, esse olhar certamente concluirá sobre o seu desvalor monetário e, dado o ofuscamento, incidirá sobre o seu desvalor em termos de identidade, já que parte das notas foi ‘apagada’ pela superposição do quadro de questões para reflexão. Assim, o que deveria ser uma estratégia para aumentar sua visibilidade, acaba sendo determinante para retirar de si a ênfase.

4. Em contrapartida, as notas do dólar, da libra esterlina e do dólar canadense são mostradas sem nenhum tipo de ofuscamento como aconteceu às notas do real. Ademais, é de percebermos que outro atrativo para as notas dessas moedas é que seus valores expressos em numerais são superiores ao único numeral completamente visualizado na única nota de cinco reais visualizada no lado direito: 20 e 50. Podemos, ainda, ver nitidamente os numerais 50 dólares canadenses, 20 libras e muitas notas de 1 dólar, o que, mesmo isoladamente, ainda pode ser um fator de atração do olhar do observador.

Tirando a ênfase do ‘real’, outra questão que parece ser quase regra nas imagens analisadas é a superposição do dólar em relação às demais. Ele parece figurar como o prototípico entre todas as moedas existentes, pois se encontra quase sempre no topo da página. Isso sugere ser ele uma espécie de ‘líder’ entre as demais moedas. Aliás, mesmo tendo, atualmente, a libra esterlina mais valor que o dólar americano, a presença deste último é sempre marcadamente evidenciada pelos recursos visuais disponíveis ao nosso alcance.

Semelhante situação foi discutida por Nascimento et al (2011, p. 544) ao destacarem “[...] a interpretação do $ como o elemento genérico desse texto visual, enquanto as moedas funcionam como exemplos ou tipos de $.”

As mesmas relações de valor monetário que foram atribuídas ao dólar, ao euro, ao franco e ao iene na citação da página 148, na análise da imagem 12, poderão ser atribuídas mais ou menos também aqui ao dólar, à libra, ao dólar canadense e ao real.

Por fim, emerge uma última reflexão que está relacionada com os círculos concêntricos de Kachru (1985). Na coluna do lado esquerdo, todas as notas são de países pertencentes ao círculo interno, ou seja, daqueles em que o inglês é falado como língua nativa. Nesse sentido, por estarem ajustadas numa mesma coluna, percebemos um grau de conexão entre elas, mesmo que haja um framing discreto que as modula. Diferentemente, aconteceu com o real do lado direito da página. Por se tratar da moeda do Brasil, país pertencente ao círculo em expansão, e com menor poder de compra, é desconectada das outras moedas dos Estados Unidos, da Inglaterra/Escócia/País de Gales e do Canadá. Em outras palavras, não houve a ideia de agrupamento do real para com as outras três moedas.

Tendo tudo isso em vista, nosso posicionamento continua sendo o que entende que os países onde o inglês é falado como língua nativa, especialmente a Inglaterra e os Estados Unidos, acabam exercendo um papel bastante significativo junto aos materiais didáticos de língua inglesa, não restando o espaço necessário para a representação imagética de países do círculo externo, tampouco de países do círculo em expansão, entre os quais está o Brasil.