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2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE DIVIDENDOS E A FIGURA DOS JUROS

2.1 A Legislação Brasileira sobre os Dividendos

As sociedades por ações brasileiras são regulamentadas, atualmente, pela Lei 6.404 de 15 de dezembro de 19768, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas. Essa lei manteve basicamente os mesmos direitos essenciais dos acionistas que o previsto na legislação anterior, o Decreto-lei 2.627 de 26 de setembro de 1940. Antes de 1976 a legislação brasileira não previa pagamento de dividendo mínimo, ficando a cargo da empresa a decisão sobre o montante de lucros a distribuir. Já a Lei das S.A., trouxe um capítulo específico (capítulo XVI) sobre lucros, reservas e dividendos. O art. 201 da seção III da lei 6.404/76 diz o seguinte:

“A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5.º do art. 17.”

O artigo 202 regulamenta o dividendo obrigatório:

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Com alterações de alguns dispositivos pela Lei 9.249 de 26 de dezembro de 1995, Lei 9.457 de 5 de maio de 1997 e Lei 10.303 de 2001 que altera dispositivos da Lei 6.404/76

“Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto, ou, se este for omisso, metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:

I – quota destinada à constituição da reserva legal (art. 193);

II – importância destinada à formação de reservas para contingências (art. 195), e reversão das mesmas reservas formadas em exercícios anteriores;

III – lucros a realizar transferidos para a respectiva reserva (art. 197), e lucros anteriormente registrados nessa reserva que tenham sido realizados no exercício.

§ 1.º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.

§ 2.º Quando o estatuto for omisso e a assembléia geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos deste artigo.”

O parágrafo 3.º trata dos dividendos em companhias fechadas, que não é o foco deste trabalho. O parágrafo 4.º desobriga a companhia de pagar o dividendo mínimo no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da empresa. O Conselho Fiscal deverá, no entanto, dar um parecer sobre essa informação encaminhá-lo à Comissão de Valores Mobiliários no prazo de cinco dias da realização da assembléia geral.

Nesse parágrafo, pode-se observar que a empresa, em eventuais circunstâncias, pode ficar desobrigada de pagar o dividendo obrigatório, desde que obedeça as disposições da Lei. Porém, essa regra é válida apenas para os acionistas que possuam ações ordinárias, pois o Art. 203, na seqüência, diz o seguinte:

“O disposto nos Arts. 194 a 197, e 202, não prejudicará o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos.”

Os Artigos 194 a 197 dispõe sobre a constituição de Reservas de Lucros. O artigo 194 regulamenta as Reservas Estatutárias, o artigo 195 discorre sobre as Reservas para Contingências, o artigo 196 sobre a retenção de lucros previstas em orçamento de capital e o artigo 197 legisla sobre as Reservas de Lucros a Realizar. O artigo 202 foi inteiramente descrito acima e trata da figura do dividendo obrigatório. Todas as disposições desses artigos

não podem prejudicar os dividendos dos acionistas preferenciais, como estabelecido no artigo 203 acima.

Quanto à periodicidade do pagamento, a empresa poderá pagar dividendos em períodos menores que um ano, dentro dos termos do estatuto, desde que não exceda o montante das reservas de capital da empresa. Isto está previsto no § 1.º do Art. 204. O Art. 205 trata da forma de pagamento dos dividendos, que poderá ser em ações nominativas, cheque nominativo ou depósito em conta corrente.

Em relação ao prazo para o pagamento dos dividendos, o Art. 132 afirma que a empresa deverá convocar anualmente uma assembléia geral, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social para deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos. O prazo de pagamento, descrito no Art. 205, não poderá ultrapassar sessenta dias do anúncio da distribuição, salvo deliberação em contrário da assembléia geral.

A destinação dos lucros também é tratada no § 4.º do Art. 134 da referida Lei: “Se a assembléia aprovar as demonstrações financeiras com modificação no montante do lucro do exercício ou no valor das obrigações da companhia, os administradores promoverão, dentro de 30 (trinta) dias, a republicação das demonstrações, com as retificações deliberadas pela assembléia; se a destinação dos lucros proposta pelos órgãos de administração não lograr aprovação (art. 176, § 3.º), as modificações introduzidas constarão da ata da assembléia.

Como no mercado brasileiro existe a predominância de ações preferenciais sendo negociadas nos pregões da Bolsa, uma vez que as ações ordinárias estão nas mãos de poucos controladores que geralmente não as negociam, outros importantes aspectos da Lei 6.404/76 serão levantados no tocante aos dividendos das ações preferenciais. O Art. 17 trata das vantagens das ações preferenciais:

“I – constituem, salvo no caso de ações com direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não, no direito a dividendos no mínimo 10% (dez por cento) maiores do que os atribuídos às ações ordinárias;

II – sem prejuízo do disposto no inciso anterior e no que for com ele compatível, podem consistir:

a) em prioridade na distribuição de dividendos;

b) em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; c) na acumulação das vantagens acima enumeradas.

III – na acumulação das vantagens acima enumeradas.

§ 1.º Os dividendos, ainda que fixos ou cumulativos, não poderão ser distribuídos em prejuízo do capital social, salvo quando, em caso de liquidação da companhia, essa vantagem tiver sido expressamente assegurada.

§ 2.º Salvo disposição em contrário do estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas estar assegurado dividendo igual ao mínimo.

(...)

§ 5.º O estatuto pode conferir às ações preferenciais, com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de recebê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital de que trata o § 1.º do art. 182.

§ 6.º O pagamento de dividendo fixo ou mínimo às ações preferenciais não pode resultar em que, da incorporação do lucro remanescente ao capital social da companhia, a participação do acionista residente ou domiciliado no exterior nesse capital, registrada no Banco Central do Brasil, aumente em proporção maior do que a do acionista residente ou domiciliado no Brasil.”

O § 3.º e o § 4.º tratam da correção monetária dos dividendos. Os dividendos são deliberados em uma assembléia geral que pode ocorrer até quatro meses após o término do exercício social (art. 132 da Lei 6.404/76) e ser pago até dois meses após sua deliberação (art. 205 § 3.º da Lei 6.404/76), totalizando seis meses após o encerramento do exercício. Para que os acionistas não fossem prejudicados pelo efeito da inflação desse período, era prevista a correção monetária dos dividendos. Porém, esta cláusula foi extinta em 1995 pela Lei 9.249.

Interessante notar que a legislação brasileira, como forma de proteger o acionista minoritário, estabelece no seu Art. 152, parágrafo 1.º que o estatuto que fixar o dividendo obrigatório em 25% ou mais do lucro líquido, poderá atribuir aos administradores uma participação no lucro da companhia, desde que respeitado alguns limites. Pode-se observar que a Lei procura alinhar os interesses dos gestores da empresa ao dos acionistas através da política de dividendos, fornecendo um incentivo para a distribuição de lucros em dividendos.

Nesse sentido, um trabalho interessante foi desenvolvido por La Porta et al (2000). A pesquisa analisou 4.000 empresas em 33 países onde as proteções legais para os acionistas minoritários eram diferentes, pela abordagem do agenciamento de dividendos. A análise

cross-section permitiu observar que, empresas que operam em países com maiores proteções

para os acionistas minoritários pagaram mais dividendos, embora alguns acionistas estivessem dispostos a postergar o recebimento de dividendos caso a empresa vislumbrasse alguma boa oportunidade de investimento. Os autores, porém, não encontraram evidências conclusivas do efeito da taxação nas políticas de dividendos nem no seu poder de sinalização ao mercado, embora os resultados sejam consistentes com a idéia de que a política de dividendos das empresas pode transmitir informação para alguns investidores.

Um último aspecto que gostaríamos de ressaltar no tocante às ações preferenciais, que consta no § 1.º do Art. 111 da referida Lei, é que as ações preferenciais adquirirão o exercício a voto no caso de a empresa deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus pelo prazo estabelecido no estatuto, desde que não superior a três exercícios consecutivos. Esse direito permanecerá até o pagamento de tais dividendos.

Com relação à incidência do imposto de renda sobre os dividendos recebidos, foi promulgada no dia 26 de dezembro de 1995 a Lei 9.249, que alterou a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas. O Art. 10 dessa Lei diz o seguinte:

“Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do

imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do

beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”. (grifo nosso).

Observa-se que, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, o pagamento de dividendos pelas empresas brasileiras não sofre tributação do imposto de renda desde 19969. Isso faz com que parte da teoria de dividendos, que foi desenvolvida pelos americanos, não se aplique mais à realidade brasileira. A teoria de que os dividendos são ruins porque recebem tributação de imposto de renda, conforme visto anteriormente, não possui aplicações práticas no Brasil atualmente.

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Com relação à incidência de imposto de renda sobre os ganhos de capital, que ocorrem na valorização da ação, já foram tributados em 25% em 1993 e 1994, sendo reduzido para 10% em 1995, aumentado para 15% no ano de 2000, passando em 2001 para uma alíquota de 20% e estando, desde dezembro de 2004, tributado em 15%. O imposto é pago no momento da venda dos títulos, conforme artigo 117 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999.

Nesse trabalho não se discutirá a interferência do Estado na distribuição de lucros empresariais. Porém, cabe ressaltar que esse instrumento legal teve sua importância no desenvolvimento inicial de um mercado primário de ações, ainda incipiente no Brasil em 1976 e forneceu maior segurança aos acionistas minoritários interessados em investir seus recursos nas empresas de capital aberto.