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2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE DIVIDENDOS E A FIGURA DOS JUROS

2.2 A figura dos juros sobre capital próprio

Como visto, até 1995, a legislação brasileira permitia a correção monetária dos ativos não- monetários e do patrimônio líquido, que era consolidada em uma conta de apuração e levada para a demonstração do resultado do exercício, fazendo com que os efeitos inflacionários fossem apurados nas demonstrações contábeis e, principalmente, no lucro líquido do período. Com a extinção da correção monetária, foi criada a figura dos Juros sobre Capital Próprio – JSCP.

Os JSCP podem ser entendidos como uma forma de remuneração do capital dos acionistas cujo valor pode ser deduzido do resultado da empresa como uma despesa financeira, reduzindo dessa maneira a base de cálculo do imposto de renda e, conseqüentemente, a carga tributária da empresa. Ele foi introduzido no Art. 9.º da Lei 9.249/95 que dizia o seguinte:

“A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.”

O parágrafo 1.º do referido artigo discorre sobre o efetivo pagamento ou crédito dos juros, que ficará condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de

lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Ainda de acordo com essa Lei, os JSCP sofrerão incidência de 15% de imposto de renda na fonte, descontado na data do pagamento ou do crédito ao beneficiário, sendo considerado antecipação do imposto devido na declaração de rendimentos – para pessoa jurídica tributada com base no lucro real – ou tributação definitiva – no caso de pessoa física ou pessoa jurídica não-tributada com base no lucro real.

O Ato Declaratório Normativo n.º 13, de 27 de maio de 1996, da Secretaria da Receita Federal, dispôs o limite para fins de dedutibilidade, como despesa financeira do valor dos juros pagos ou creditados, ainda que capitalizados, a título de remuneração do capital dos acionistas em 50% do lucro líquido do período ou dos lucros acumulados em períodos anteriores, dos dois o maior. A Lei 9.430/1996 incluiu as reservas de lucros na base de cálculo desse limite e passou a desconsiderar os Juros sobre Capital Próprio como uma despesa dedutível do imposto de renda no caso de ser incorporado ao capital social ou mantido em reserva de capital, ao invés de serem pagos.

Um aspecto interessante da legislação brasileira, é que os Juros sobre Capital próprio podem sem imputados aos dividendos de que trata a Lei 6.404/76, ou seja, pode ser acrescentado no cálculo do dividendo mínimo obrigatório. Como o JSCP é dedutível do imposto de renda na pessoa jurídica, representaria para as empresas um benefício fiscal. Porém, para a pessoa física, os JSCP sofrem a alíquota de 15% de imposto de renda, diferentemente do tratamento tributário dos dividendos, que se tornaram isentos de imposto de renda por essa mesma Lei (art. 10).

A partir de janeiro de 1997, o valor dos JSCP pôde ser deduzido também da contribuição social sobre o lucro líquido das empresas – CSSL, limitado a 50% do lucro efetivo, reduzindo ainda mais a carga fiscal sobre o lucro. Essa dedutibilidade da CSSL sofreu uma tentativa de extinção pela Lei 9.779 de 1999, mas que não teve êxito, sendo revogada pouco tempo depois pelo Art. 13 da Medida Provisória 1.807/99.

Porém, as empresas que iniciaram suas atividades após a publicação da Lei 6.404/76, ou abriram capital após essa data, ou mesmo estabeleceram em seus estatutos uma política específica de dividendos que atendesse as suas particularidades, não estão obrigadas a seguir a legislação brasileira sobre dividendos mínimos obrigatórios.

Garcia e Bugarin (2002) fizeram um estudo do papel dos dividendos mínimos obrigatórios10 no valor de mercado das empresas estatais sob a ótica da Teoria dos Contratos. Os autores concluíram que, quando o governo decide impor um índice mínimo de distribuição de lucros, o administrador público tende a se endividar a um nível maior que o adequado como forma de compensar a redução dos recursos à sua disposição. Assim sendo, o relevante crescimento dos dividendos arrecadados pela União nos últimos anos pode, na verdade, estar sendo custeado através do aumento do endividamento das estatais, o que contribuiria para um aumento da dependência do patrimônio público em relação ao capital de terceiros.

Por sua vez, Oliveira (1997, p. 101) aponta algumas distorções que os Juros Sobre Capital Próprio podem causar. O primeiro diz respeito à incomparabilidade entre os resultados das empresas, pelo fato de ser opcional e não aplicável a empresas que não possuam resultados suficientes. O segundo é com relação ao fato de ser registrado como despesa, distorcendo seu conceito econômico. A deliberação 207 de 13/12/96 da CVM orienta que os JSCP seja contabilizado diretamente à conta de lucros ou prejuízos acumulados, mas admite seu registro como despesa, desde que haja a reversão do seu valor no final da demonstração de resultado do exercício.

Para Martins (2003, p. 35) a figura dos Juros sobre o Capital Próprio tem como objetivo tratar certos dividendos ou lucros distribuídos como se fossem juros calculados sobre o patrimônio líquido. Tendo em vista o caráter optativo e as limitações de ordem legal, acaba transformando-se, na prática, num arremedo de custo de oportunidade, e não um valor de significado econômico compatível com seu próprio nome.

Assaf Neto (2006a, p. 265) afirma que a inclusão dos juros sobre o capital próprio nos demonstrativos de resultados, conforme previsto pela legislação atualmente, não deve ter a

10

Ver Decreto n.º 2.673 de 16 de julho de 1998 que fixa em 25% o percentual mínimo do lucro líquido do exercício a ser distribuído sob a forma de dividendos pelas empresas estatais.

pretensão de apurar o custo de oportunidade do acionista. O conceito de custo de oportunidade do capital próprio é mais rigoroso e equivale à taxa mínima de atratividade requerida pelos investidores para realizar um investimento. Como a base de cálculo dos JSCP é a taxa de juros de longo prazo (TJLP), nada tem a ver com o risco da empresa e, conseqüentemente, com o custo de oportunidade do investimento. No entanto, o autor ressalta que o desembolso dos Juros Sobre Capital Próprio pode ser interpretado como se fosse dividendos para apuração do dividendo mínimo legal obrigatório da empresa e é exatamente isso que será feito nessa pesquisa.

A Lei 9.249/95 promoveu uma severa modificação na legislação tributária brasileira, eliminando a taxação dos dividendos distribuídos a partir de 1996 e permitindo que parte dos dividendos fosse tratada como Juros sobre o Capital Próprio. Enquanto os JSCP podem ser deduzidos do imposto de renda – e posteriormente da contribuição social – a referida lei enquanto manteve inalterada a tributação sobre os ganhos de capital. Acrescenta-se a essas alterações introduzidas pela nova legislação, a extinção da correção monetária das demonstrações contábeis, tema do próximo capítulo, que fornece mais um adicional na validade da verificação desses efeitos sobre a distribuição de dividendos no Brasil após 1995.

Expressas essas opiniões sobre a figura dos juros sobre capital próprio, encerra-se esse capítulo ressaltando que, tanto a legislação brasileira de dividendos e tributação dos lucros quanto a figura dos juros sobre capital próprio após 1995 reforçam a importância de estudos que analisam esses aspectos com mais atenção.