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Mapa 1 Mapa da província do Paraná, 1865

1 História da Guarda Nacional no Paraná

1.6 A Lei da Reforma de 1850

No Paraná, os impactos da lei de 19 de setembro de 1850 foram incontornáveis. Para melhor compreender o que foi esta reforma e o que ela representou é imperioso analisar o processo de gestação da lei que a regulamentou, iniciada ainda na década de 1840.

A proposta de reforma da Guarda Nacional era bastante antiga: desde a sua criação várias críticas foram feitas ao seu funcionamento. As instruções de outubro de 1832 buscaram sistematizar as várias dúvidas que a nova força causara nas províncias.72 Embora

a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834 tenha restringido o poder local, as províncias continuaram a deliberar a respeito dessa força. Era ponto pacífico entre os legisladores a necessidade de uma reforma, capaz de unificar nacionalmente a organização e o funcionamento da Guarda. Até a reforma, cada província legislava ao seu modo. Na

província de São Paulo, por exemplo, a eletividade do oficialato fora abolida desde 1836, as Câmaras Municipais, o presidente de província e o governo geral escolhiam, cada qual, uma parte dos oficiais.73

A lei de 1831 incomodava muito a classe política, a maior parte era contra a eleição dos oficiais. Tal processo, de acordo com essa visão, macularia a força e inverteria a lógica hierárquica da sociedade, fazendo com que um proprietário pudesse hipoteticamente ter como superior direto um antigo escravo.

A primeira vez em que o tema de fato entrou em debate foi no final do ano de 1843, quando a proposta de um importante líder saquarema – minoria à época – entrou em discussão. Mas o projeto de Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, foi engavetado por falta de apoio dos liberais. No cerne da proposição estava o papel dos oficiais. Na única vez em que se manifestou naquela sessão, o autor defendeu a importância da perpetuidade dos postos:

Os atuais oficiais não podiam também tomar pela instituição o interesse que pelo projeto virão a ter. Os seus postos não têm estabilidade alguma. Nomeados hoje, podem amanhã ser demitidos e tornar à condição de soldados. São oficiais de corpos que cada ano podem ser dissolvidos por conselhos inteiramente estranhos à Guarda Nacional, isto é, pelos conselhos de qualificação. São oficiais, nos lugares em que ainda são eleitos pelos soldados, inteiramente dependentes de seus subordinados; circunstancia que mata toda a ideia de subordinação e disciplina.74

A maioria dos parlamentares que discursaram durante as 04 sessões de outubro mostrou grande conhecimento da legislação e dos serviços prestados pela força. O deputado Nunes Machado, membro do Partido Liberal de Minas Gerais, província que havia encabeçado a Revolta de 1842, votou contra o projeto, defendendo uma prestação de serviços eventual, combatendo desse modo a possível militarização da sociedade. A resposta à fala do representante de Minas Gerais veio no dia seguinte, quando o deputado Veiga afirmou categoricamente que a organização da Guarda Nacional naquela província,

73 CASTRO, Jeane Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1979, p. 192-193.

74 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 9 de julho de 1843. Rio de Janeiro: Câmara dos

“concorreu, e concorreu muito poderosamente para essa rebelião, ou para que ela não fosse logo suplantada, a falta de boa organização da Guarda Nacional".75

Depois de sofrer retificações, a questão entrou em pauta duas outras vezes: 1846 e 1848, mas foi apenas depois do fim do chamado quinquênio liberal que a terceira e última discussão ocorreu.

Formada por uma maioria conservadora, a 8ª legislatura iniciou a terceira discussão em junho de 1850. O objetivo geral era padronizar a legislação, arrancando das mãos das províncias qualquer tipo de autonomia. O deputado liberal de Minas Gerais, Dias de Carvalho, afirmou que na sua província a Assembleia legislava correntemente sobre os assuntos da Guarda Nacional, e questionou os critérios censitários de qualificação, “pois estavam em benefício da riqueza, e não deveria admitir este privilegio”. Um conservador o rechaçou dizendo disse que a redução do valor beneficiaria a pobreza, “pois é preciso ter meios para se fardar”.76 Esses diálogos representam um ponto de discórdia: para um grupo (geralmente liberais) a Guarda Nacional deveria integrar os cidadãos, sem criar maiores obstáculos para a qualificação, outros (geralmente conservadores) defendiam que houvesse maior seleção nos cidadãos que iriam servir, para isso apontavam como solução o aumento nos critérios censitários.

Esse tema conectava-se a outro: a tipificação de quem poderia servir na Guarda, e o tempo de engajamento no alto oficialato. Para o deputado Zacarias de Góes e Vasconcellos, representante da Bahia na ocasião, os artigos deveriam ser claros e concisos a este respeito. O parlamentar defendia uma guarda não restritiva, que abarcasse todas as camadas sociais: inclusive a política. Vasconcellos acreditava que na lei atual a existência de muitas isenções iria prejudicar o funcionamento da Guarda, segundo o deputado baiano não havia razão alguma para isentar, por exemplo, senadores e deputados gerais.77 O deputado conservador do Rio de Janeiro, Justiniano José da Rocha, por sua vez, acreditava que tal força simplesmente não deveria existir, pois a ideia original partira dos liberais,

75 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 10 de julho de 1843. Rio de Janeiro: Câmara dos

Deputados, 1843. tomo I, p. 382.

76 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 18 de junho de 1850. Rio de Janeiro: Câmara dos

Deputados, 1850. tomo I, p. 458.

77 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 21 de junho de 1850. Rio de Janeiro: Câmara dos

portanto não estava coadunada com o pensamento majoritário. A incompatibilidade poderia ser observada a partir da dificuldade de legislar a respeito, conforme ironizou:

talvez seja necessário criar desde logo uma seção do Conselho de Estado encarregada especialmente dos assuntos relativos à organização da Guarda Nacional, e dentro em pouco uma cadeira de ciência administrativa, em que se explique a lei da Guarda Nacional com seus comentários, deverá unir-se às mais cadeiras das nossas academias.78

No entanto, o parlamentar tinha consciência de que a extinção da Guarda não aconteceria, e diante da dificuldade em se legislar, disse que o texto sobre a reforma precisava ser claro, organizado em pontos cardeais, para que não existissem dúvidas sobre quem de fato a controlaria. O deputado demonstrou ter conhecimento sobre o cotidiano dos praças, enumerando vários infortúnios do “pobre guarda nacional”:

Agora, sr. Presidente, vejamos o serviço que do pobre guarda nacional se exige. A Guarda Nacional que temos serve para todos os serviços de polícia, para todas as ocasiões de aparato; paradas sob o sol mais ardente, ou debaixo de rorretosa chuva, acompanhamento de procissões, até enterro de oficiais do exército, tudo isto, além das quotidianas guardas e das rondas, a vem ocupar. O pobre guarda nacional para tais ostentações, além de perder o seu tempo, que é o seu pão, gasta mais do que pode; e que o não faça, que o espera o xadrez dos permanentes. 79

De acordo com Rocha, a melhoria das condições de serviço dos praças seria possível a partir da centralização do oficialato. Na lógica do jornalista, controlar comandantes era tornar postos vitalícios, abolindo definitivamente quaisquer resquícios eleitoreiros.

As discussões agruparam-se em torno desses pontos: critérios de qualificação, atribuições legislativas e tempo de permanência dos oficiais. No geral o resultado da discussão: a Lei de 19 de setembro de 1850 cumpriu os objetivos. Subordinou a Guarda a uma única norma legal, arrancando das províncias a autonomia que até então gozavam, estabeleceu critérios censitários claros, e tornou os postos perpétuos. Debaixo dessa lei, o presidente Zacarias estruturou a Guarda no Paraná provincial.

78 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 25 de junho de 1850. Rio de Janeiro: Câmara dos

Deputados, 1850. tomo I. p, 526.

79 ANAIS da Câmara dos Deputados de 1850, sessão de 25 de junho de 1850. Rio de Janeiro: Câmara dos