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Mapa 1 Mapa da província do Paraná, 1865

3 Os praças e os oficiais: carreiras dentro e fora da Força

3.3 Os soldos: quem pagava o quê?

3.3.1 Soldos recebidos em destacamento

Com apenas dois contos de réis anuais e constantes requisições, o pagamento dos praças destacados era repetidamente suportado pelos parcos recursos dos cofres provinciais, sempre deficitários. Como de praxe, o dispêndio era efetuado inicialmente pelos homens diretamente envolvidos: autoridades policiais e judiciárias, oficiais da Polícia, Exército, e Guarda Nacional. Em seguida, um caminho tortuoso era percorrido nas subdivisões da burocracia administrativa das localidades, cada qual discutindo a quem cabia o pagamento, conforme a malfadada “natureza dos serviços”, prevista em lei.

Caso sintomático ocorreu pouco depois da chegada do primeiro presidente, no primeiro semestre de 1854. Os praças responsáveis pela ordem na barreira de Itupava e da Graciosa, espécie de pedágios onde eram pagos impostos sobre a circulação de mercadorias, tiveram o pagamento dos serviços negado pela tesouraria provincial porque os supostos responsáveis pelo soldo eram os administradores da dita barreira, numa situação no mínimo embaraçosa: guardas que estavam a garantir arrecadação, viram o pagamento recusado pela mesma administração que autorizara o labor.50 A tipificação das atividades

evitou o deferimento de vários reembolsos. Para dirimir dúvidas, ordenar ou negar o pagamento aos prets, o personagem vital era o tesoureiro da província, funcionário indicado pelo governo geral.

Assim como o seu chefe imediato, o titular desse cargo também circulava pelo Império, administrando as finanças. Por dois anos consecutivos os tesoureiros do Paraná foram transferidos, o primeiro partiu para o Sergipe, no ano seguinte o substituto

rapidamente passou para o Rio Grande do Sul.51 A comunicação entre tesoureiro e presidente era constante e, conforme mostram as fontes, afinada.

Em março de 1860, por exemplo, o presidente esclareceu ao tesoureiro que o pagamento dos guardas nacionais estacionados em Paranaguá deveria ser feito pelo governo geral, porém o valor não sairia do ministério da Justiça, mas sim do ministério da Guerra, já que os praças estavam substituindo as tropas de Linha no serviço ordinário de guarnição.52 Afora a fonte pagadora e os valores recebidos pelos guardas nacionais eram os

mesmos aplicados nas Forças Armadas, tanto para praças quanto para oficiais. No tocante à força policial, os soldos também seguiam tabela própria, porém eram variáveis de acordo com as províncias. Como a Guarda Nacional amalgamava-se com estas duas forças da ordem, não parece ter sido possível estipular um valor definitivo.53

Nesse mesmo ano, o efetivo da força policial era de 80 membros, dos quais 67 eram praças, enquanto o restante dividia-se entre músicos, oficiais superiores e inferiores. O comandante geral percebia anualmente 720 mil réis, seus comandados localizados na mais baixa hierarquia, muito menos: algo em torno de 292 mil réis por ano. 54 Entretanto os guardas nacionais, quando destacados, eram agraciados com uma quantia ainda menor: 560 réis por dia, totalizando 204 mil réis por ano, equivalente a 120 de soldo e 440 de etape.55

No quadro de funcionários do governo provincial, o valor destinado aos mantenedores da ordem pertencia ao menor grupo. A educação pública recebia tratamento

51 RELATÓRIO que o Ex. Sr. Dr. José Francisco Cardoso apresentou ao Exmo. Sr. Dr. Antonio Barbosa

Gomes Nogueira por ocasião de passar-lhe a administração da Província do Paraná. Curitiba: Tipografia do Correio Oficial, 1861, p. 4.

52 O Dezenove de Dezembro, 14 mar. 1860, p. 2.

53 Os valores eram alterados a cada semestre pela tesouraria. Entre os ano de 1854-1855 era de 300 réis

diários para os praças em serviço, em seguida, 1855-1856, passou para 320 réis, já em 1858 o valor saltou para 400 réis O Dezenove de Dezembro, 2 out. 1858, p. 2. Até mesmo erudito estudioso da legislação não conseguiu reunir as deliberações sobre os soldos do Exército: “A respeito de soldos existem ordens inumeráveis, pelas quais, em outras tantas datas, se concediam os mesmos vencimentos aos militares das diversas províncias do Brasil. Como tudo se dava a título de Mercê, era preciso que muito se suplicasse, e aquele que tinha melhores proteções, mais depressa e mais favoravelmente alcançava o seu despacho MATTOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar acttualmente em vigor no Exército e

Armada do Império do Brazil. tomo 1. Rio de Janeiro: Typ. de Seignot-Plancher e Comp., 1834, p. 18.

54 RELATÓRIO apresentado à Assembleia Legislativa da Província do Paraná na abertura da 1ª Sessão da 4ª

Legislatura pelo presidente José Francisco Cardoso no dia 1° de março de 1860. Curityba: Ty. Cândido Martins Lopes, 1860, p. 39.

55 Etape era a alimentação diária básica paga aos soldados, regulada pela Lei de 28 de setembro de 1828

MATTOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar acttualmente em vigor no Exército e

mais cuidadoso. Os professores de Ciência recebiam dois contos de réis anualmente, dos quais 800 mil provinham de gratificações. Os docentes de língua (gramática) ganhavam menos: 1:200$000 réis. A diferença aqui poderia estar amparada no fato de este ofício exigir preparo intelectual, porém quando confrontado com funcionários cujo desempenho era manual, persistia a baixa. Os passadores que atuavam nas margens dos rios paranaenses ganhavam 360 mil réis por ano, conquistados após ações conjuntas: “atendendo as representações que me dirigiram os passadores dos rios Iguaçu, Tibagi e passo da Vitória, aumentei os minguados vencimentos que percebiam, e com que não podiam subsistir”. Assim a renda de João Bento Amâncio, por exemplo, cresceu 50%.56 No Aldeamento do Pirapó os vencimentos de um “trabalhador”, funcionário dedicado exclusivamente ao serviço braçal, era de 240 mil réis ao ano, assim como o do “peão”, ambos recebendo os menores vencimentos, oriundos dos cofres provinciais.57

Apesar de manifestadamente baixo, os serviços dos praças não eram remunerados com a devida regularidade. Como dito anteriormente, a fonte pagadora era incerta e ambas as autoridades transferiam uma para outra a responsabilidade.58 Esse jogo era extremamente prejudicial, pois os valores a serem quitados quinzenalmente viviam atrasados. Isso quando simplesmente não eram pagos. Em 1859, por exemplo, o tesoureiro informava ao presidente que só iria saldar os valores devidos aos guardas nacionais estacionados na Fortaleza de Paranaguá quando o crédito do ano fiscal de 1859-1860 entrasse nos cofres provinciais.59

56 RELATÓRIO apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Província do Paraná na abertura da

primeira sessão da quinta legislatura pelo Exmo. Sr. Dr. Antonio Barbosa Gomes Nogueira no dia 15 de fevereiro de 1862. Curitiba: Typographia do Correio Official, 1862, p. 51, 76.

57 QUADRO demonstrativo dos vencimentos que deve ter cada um dos empregados da Colonia indígena de

Nossa Senhora do Loreto do Pirapó, conforme a tabela de 25 de abril e aviso de 15 de setembro de 1854. Aldeamento do Pirapó, 1 dez. 1857. Deap-PR, TFA1564.33, f. 285.

58 Em circunstancias extraordinárias a administração provincial chamava a responsabilidade, como pode ser

lido no ofício enviado pela presidência ao Comando Superior de Castro, em 25 de setembro de 1858: “Segundo informa a tesouraria, o pagamento dos guardas nacionais pedido por v.s. em seu ofício de 5 do corrente, não pode ter lugar pela coletoria de Castro, por quanto o que ordinariamente arrecada não chega pra isso, conseguintemente convém que os prets sejam remetidos à tesouraria” O Dezenove de Dezembro, 2 out. 1858, p. 2.

59 OFÍCIO do inspetor interino da tesouraria ao presidente da província do Paraná. Curitiba, 3 jun. 1859,

Anos antes, o responsável pelo destacamento estacionado em Guarapuava reclamava do desleixo do coletor da vila. Depois de cinco meses de atraso, o funcionário não liberava valores módicos, mostrando-se “inflamado” quando era cobrado. Por isso, o delegado solicitava mudança, rogando para que os pagamentos fossem “feitos com mais regularidade”.60 O delegado de Castro, Francisco de Gamarra, pedia o pagamento dos

responsáveis pelo policiamento, cujo atraso era de 26 dias, ademais informava a chegada de 14 praças, que demandavam valor diferenciado:

Igualmente comunico a V.Ex; que o destacamento de guardas nacionais que V.Ex. autorizou-me estabelecer, de quatorze guardas e um sargento, teve princípios no dia 14 do corrente e para pagamento dos vencimentos dos mesmos peço a V.Ex. de ordenar, que seja pela Coletoria da Vila, e dizer-me se deve ser contada a eles a forragem, visto serem de cavalarianos, ou se só contar os soldos ou etapes para eu contemplar os respectivos prets.61

A resposta ao pedido não é conhecida, no entanto, quatro anos depois, o comandante superior continuava clamando pelo pagamento da manutenção dos cavalos (forragem) para os guardas nacionais destacados a serviço da Delegacia: “o recebimento do pouco que se lhes dá, acrescendo não se lhe contar soldo da Cavalaria e nem forragem, visto que não podem ser dispensados da convocação de seus animais nesta cidade”.62

Em 1858 o comandante superior interino, Francisco de Paulo Ferreira Ribas, elaborou um longo requerimento, no qual apontava a precária condição dos componentes daquela força que estavam a serviço da delegacia de polícia. Para o oficial, a tarefa era mais difícil “por não se lhes fazer pronto pagamento de seus vencimentos”, o que proporcionava situações vergonhosas, de “alguns virem-se em apuros sem meios de passar os dias que destacam, por se ter acabado o pouco provimento que de seus sítios trazem para subsistência”. Com o pagamento trimestral “do pouco que se lhes dá” ficavam de mãos atadas e não conseguiam comprar comida. E mais: como estavam fazendo o trabalho da

60 OFÍCIO do primeiro suplente de subdelegado da Província de Guarapuava para o Presidente da Província

do Paraná. . Guarapuava, 9 fev. 1854. Deap-PR, SPP028.

61 OFÍCIO do subdelegado da Villa de Castro ao Presidente da Província do Paraná. Castro, 18 jun. 1854.

Deap-PR, SPP124, f. 36.

62 O valor diário nesse caso era de 413 réis (OFÍCIO do Comando Superior de Castro ao presidente da

polícia, não tinham direito a verba extra, que era dada a cavaleiros. Terminou escrevendo que a quantia, tão diminuta, deveria vir regularmente. O próprio tesoureiro respondeu, afirmando que os valores em atraso seriam quitados, porém tergiversou acerca da possibilidade de tornar o recebimento mais célere. Se o comandante interino sabia exatamente a quem pedir os soldos, nesta primeira ocasião, o mesmo não ocorreu alguns meses mais tarde, quanto questionou a presidência sobre quem iria pagar os guardas nacionais no aldeamento do Jataí.63

O ofício do interino corrobora a ideia de que no Paraná os praças estavam umbilicalmente ligados ao mundo rural, como o lavrador Manoel João, e que a legislação não era vantajosa. Em tese, os serviços de guardas nacionais enquanto policiais teriam os mesmos valores pagos aos companheiros de armas, porém o governo não garantia o recebimento. Até mesmo os membros da força policial notavam o descalabro da situação, como o delegado suplente de Palmeira, que relatou à presidência sérias dificuldades, “todas as vezes que tem de chamar guardas para fazer algumas prisões ou para irem fazer o destacamento da cadeia”. De acordo com ele, os praças reclamavam, “e com razão”, alegavam “que já não são guardas policiais e outros que sendo guardas nacionais devem, ainda mesmo no serviço da nação, perceber algum soldo”64 Sem saber como lidar com a

situação, a autoridade policial pedia ajuda, assim como informações sobre o modo de proceder.

Não era fácil tratar com agentes de segurança insatisfeitos. Na busca por um mísero soldo, os guardas estavam colocando a própria vida em risco, recebendo pouco ou quase nada em troca. Acrescente-se a isso questões importantes acerca da própria sobrevivência física. Além da alimentação, destacada anteriormente, outros custos incorporavam-se: saúde, transporte, aluguel de casas, iluminação.65

63 OFÍCIO enviado pelo comandante superior interino de Castro à segunda sessão da tesouraria da província

do Paraná. Castro, 11 set. 1859. Deap-PR, GNP406.38, f. 133-134.

64 OFÍCIO enviado pelo delegado suplente da Vila do Príncipe ao vice-presidente da Província do Paraná,

Princípe , 22 maio1855. Deap-PR, SPP354, f. 348.

65 OFÍCIO enviado pelo subdelegado da freguesia de Ponta Grossa ao Presidente da Província do Paraná.

Os destacamentos envolviam diretamente a comunidade, porque, em certa medida, garantiria a segurança dos moradores. Embora mal equipado, mal nutrido, mal abastecido, era a contrapartida oferecida pelo governo.

Diante dessa situação, é compreensível que muitos não desejassem servir ou nela continuar.