• Nenhum resultado encontrado

Mapa 1 Mapa da província do Paraná, 1865

3 Os praças e os oficiais: carreiras dentro e fora da Força

3.5 Dos destacamentos no Paraná

Os estudos sobre história militar vêm demonstrando a impossibilidade de separar a vida cotidiana dos soldados da comunidade em que residiam. As interações eram contínuas e incontornáveis. Cada vez mais a ideia de que as Forças Armadas eram instituições totais, termo cunhado pelo sociólogo Erving Goffman, vem sendo repensada,

80 O Dezenove de Dezembro, 14 set. 1859, p. 2. O Dezenove de Dezembro, , 28 set. 1859, p. 1. 81 O Dezenove de Dezembro, 10 set. 1859, p. 4.

82 “Art. 28. Da casa de commercio que tiver, ou se presumir ter, de capital até 20.000$ será dispensado do

serviço activo da Guarda Nacional hum caixeiro; da que tiver mais de 20 até 60.000$ dous caixeiros, e da que tiver mais de 60.000$ tres caixeiros. Nas Cidades porêm do Rio de Janeiro, Bahia, Recife, e Maranhão será necessario o dobro de cada huma destas quantias para que tenhão lugar as mesmas dispensas.” BRASIL. Decreto n. 722, de 25 de outubro de 1850. Contém instruções para a execução da lei n. 602 de 19 de setembro de 1850, que deu nova organização à Guarda Nacional. Coleção das Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1850, p. 194.

testada e questionada.83 Como moravam na província do Paraná, fica ainda mais difícil concordar com esse suposto isolamento dos guardas destacados, porque eles faziam parte do cenário local.

Assim, o que se fará agora será analisar as principais atividades, de acordo com a região na qual a Guarda atuava, compreendendo dessa forma as singularidades regionais. Sustenta-se a hipótese de que os destacamentos feitos na Capital eram diferentes daqueles empreendidos pela mesma força no litoral, na sociedade campeira, e vice--versa. Adiantando a questão, as fontes indicam que os membros da força que estavam mais próximos da administração provincial eram deslocados para outras Comarcas, além de serem empregados mais vezes e com frequência maior para acompanhar assuntos eleitorais. Os destacamentos eram formados por grupos específicos de membros da força da ordem, retirados de suas repartições de origem. A mobilização ocorria geralmente para auxiliar ou reforçar a segurança em determinadas localidades, dentro e fora do limite provincial. Os comandantes eram escolhidos de acordo com o número do contingente, normalmente reduzido, por isso, no exemplo da Guarda, os praças eram comandados por oficiais inferiores. A solicitação poderia ser feita por autoridades civis e judiciárias, junto ao presidente da província, que em caso de anuência daria as referidas ordens para o fornecimento de homens ao Comando Superior.

Apesar das reiteradas requisições, era notória a falta de confiança da elite local no serviço prestado pela Guarda. Policiais e soldados do Exército eram sempre os preferidos, relembrando que, ao menos em Guarapuava, nenhum oficial possuía instrução satisfatória.

Nessa região, pertencente ao Comando Superior de Castro, os destacamentos revezavam-se com as forças do Exército, realizando trabalho punitivo e preventivo de segurança, contra as comunidades indígenas que circundavam as fronteiras das novas ocupações, assim como em Palmas. Essa confluência pode ser notada quando o comandante

83 BERTAUD, Jean-Paul. La vie quotidienne des soldats de la Révolution, 1789-1799. Paris: Hachette, 1985;

KRAAY, Hendrik. O cotidiano dos soldados na guarnição da Bahia, 1850-1889. In: CASTRO, Celso; IZECKSHON, Vitor; KRAAY, Hendrik. (Org.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora da FGV; Bom Texto, 2004, p. 237-268.

enviou para Palmas um destacamento para conter um possível embate entre índios desta localidade e alguns do Rio Grande do Sul.84

Fundada em 1839, a povoação de Palmas havia se desenvolvido junto com o aldeamento, no qual indígenas aprendiam ofícios, contribuíam com a economia, eram catequisados, e defendiam os “desbravadores” - enfim realizavam práticas condizentes com os propósitos dessas instituições: trabalhar, ocupar a terra, ser catequisado.85

Atrair pessoas para a localidade parece não ter sido fácil, pois somente os menos afortunados aventuravam-se por aqueles sertões, à exceção daqueles que chegaram com cargos proeminentes, como o diretor geral dos índios, Francisco da Rocha Loures.86 Ademais, as condições precárias também pesavam, cabendo aos oficiais adiantar dinheiro, como procedeu o alferes do corpo fixo ao dispensar 14$560 réis para fornecer luzes para o quartel, durante dois meses, assim como 16$000 réis de aluguel, para pagar a ocupação do imóvel.87

O estabelecimento nos Campos de Palmas não teria sucesso sem a colaboração do grupo liderado pelos caciques Condá e Viri, cuja primordial tarefa era manter os índios não aldeados afastados. Ao cumprir essa função, a chefia indígena negociava com o poder provincial, obtendo benesses, na forma de presentes e de títulos.88

O destacamento policial de Castro, estacionado ali por supostas ameaças de ataques indígenas, era reforçado por guardas nacionais e policiais da Capital, em 1859. Após o retorno destes, foram substituídos por 12 praças locais.89 A presença desses homens certamente movimentava a economia local, com mais bocas para alimentar, azeites para

84 OFÍCIO enviado pelo Comando Superior de Castro ao diretor-geral dos índios da província do Paraná.

Castro, 21 out. 1859. Deap-PR, AP78.11.268.

85 SAMPAIO, Patrícia de Mello. Política indigenista no Brasil Imperial. In: GRINBERG, Keila; SALLES,

Ricardo (Org.). O Brasil Imperial (1808-1889). v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 175-206; MOTA, Lucio Tadeu. Aldeamentos indígenas no Paraná provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000.

86 OFÍCIO do quartel do Comando Superior de Castro para o presidente da província do Paraná. Castro, 24

dez. 1859. Deap-PR, f. 402.

87 OFÍCIO enviado pelo Comando de Castro ao presidente da província do Paraná. Castro, 13 set. 1855.

Deap- PR, SPP561.16.

88 OFÍCIO enviado pelo subdelegado de polícia de Palmas ao presidente da província do Paraná. Deap-PR,

SPP284. Sobre os caciques indígenas no Paraná, ver: MALAGE, Katia Graciela Jacques Menezes. Condá e

Viri: chefias indígenas em Palmas, década de 1840. 2010. 137 f. Dissertação (Mestrado em História) – Setor

de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010, p. 104-112.

89 OFÍCIO enviado pelo quartel do Comando Superior de Castro ao presidente da província do Paraná.

fornecer, fandangos para tocar. As condições poderiam não ser das melhores: cerca de quatro anos antes o delegado da vila havia alertado que os homens já estavam aquartelados, “porém tenho de representar que as ditas praças queixam-se do não abrigo no Quartel que por todo ele goteja quando chove e parece já estar a cobertura deteriorada”.90 Um pouco mais distante, em Guarapuava, a Guarda Nacional era constantemente destacada fora da vila, nos aldeamentos indígenas e nas regiões mais longínquas do Paraná, assim como recebiam muito reforço, quando a segurança pública estava ameaçada. No ano de 1863 duas dezenas de praças, sob o comando de um alferes, viajaram desde Castro para acudir um brutal assassinato perpetrado pelos Kaingangs. Onze pessoas, todos da mesma família, haviam sido mortas. O crime ocorrera na própria residência dos Nogueira, numa fazenda localizada no quarteirão de Laranjeiras. Esse ato disseminou o medo de novas chacinas na Comarca, gerando por parte dos responsáveis pela ordem um estado de prontidão incessante.91

Clamava-se por soldados do Exército, a fim de que substituíssem os guardas destacados. O motivo da troca não é declarado, no entanto é possível especular a respeito. Os guardas não eram treinados na arte do combate, atividades bélicas ou militares não faziam parte do seu cotidiano, mas sim a lide com tropeiros e com gados. Dessa forma, por menor que fossem os recursos, era melhor contar com pessoas treinadas e experientes, como os membros da guarnição do Corpo Fixo.92 Após algum tempo, o medo amainou e os homens de Castro finalmente retornaram para a vila sede e foram substituídos.

Contrariando os anseios locais, os soldados das Forças Armadas não entraram no lugar dos praças, “A fim de garantir a propriedade e vida dos habitantes daquele ponto tive de fazer destacar parte dos índios mansos de Palmas em Guarapuava, mas sim os

90 OFÍCIO do delegado da vila de Castro ao Presidente da Província do Paraná. Castro, 20 fev. 1855. Deap-

PR, SPP254, fl. 68.

91 OFÍCIO enviado pelo vice-presidente da província do Paraná ao Comando Superior de Castro. Curitiba, 30

jul. 1863. Deap-PR, C27.86-87.159.

92 RELATÓRIO apresentado à Assembleia Legistativa da província do Paraná pelo 1o vice-presidente

Sebastião Gonçalves da Silva na abertura da 6ª legislatura em 21 de fevereiro de 1864. Curitiba: Typographia de Candido Martins Lopes, 1864. p. 3; OFÍCIO enviado pelo vice-presidente da província do Paraná ao Comando Superior de Castro. Curitiba, 25 set. 1863. Deap-PR, C27.95.202.

indígenas do aldeamento de Palmas”, escreveu o vice. 93Logo, uma antiga sugestão do vice-

presidente em exercício, endossada pelo diretor geral dos índios era posta em prática. Enquanto prestadores desse serviço, foram pagos pelos cofres da tesouraria provincial, como se policiais fossem. Na verdade, eles estavam mesmo no lugar de guardas nacionais, mas a barafunda que uma tal designação poderia causar não valia a simples mudança de nomenclatura.94 Pode-se concluir, a partir dos exemplos elencados que os destacamentos na Comarca de Castro eram destinados ao trato com tais comunidades.

Na região litorânea, no Comando Superior de Paranaguá, os ataques indígenas não ditavam os serviços prestados pelos praças destacados, embora não estivessem de todo ausentes. De acordo com os dados compulsados, era nessa localidade que a guarda mais atuava no lugar das autoridades policiais. Possivelmente por meio do alto índice de criminalidade, que se tornava mais latente quando havia navios de outras nacionalidades atracados no Porto, fazendo com que marinheiros – notórios por se envolverem em incidentes – caminhassem pela cidade. Desse modo, os destacados estavam atuando em atividades ligadas a cultura marítima, tanto substituindo os Corpos Policiais quanto cuidando pela segurança da fortaleza de Paranaguá.

O delegado suplente fez um diagnóstico a respeito da criminalidade e da falta de homens aptos na região, solicitando uma espécie de um contingente novo, para combater infratores e possíveis escravos rebeldes. Inicialmente, admitia a dificuldade de mobilizar a Guarda Nacional, concentrada na agricultura, não podendo fazer a tarefa da força policial; por isso pedia um número pequeno, “de seis praças e um oficial inferior para os comandar, a fim de assim poder fazer capturar alguns criminosos que sabendo que as autoridades não tem sua força disponível para lançar mão de momento passeiam nas ruas desta Vila”.95

93 RELATÓRIO apresentado à Assembleia Legislativa da província do Paraná pelo 1o vice-presidente

Sebastião Gonçalves da Silva na abertura da 6ª legislatura em 21 de fevereiro de 1864. Curitiba: Typographia de Candido Martins Lopes, 1864. p. 3; OFÍCIO enviado pelo vice-presidente da província do Paraná ao Comando Superior de Castro. Curitiba, 25 set. 1863. Deap-PR, C27.95.202.

94 Ao reconhecer que indígenas estavam substituindo guardas nacionais, corria-se o risco de reconhecer a sua

cidadania, o direito ao voto, além de outras prerrogativas. No Espírito Santo, por exemplo, uma situação parecida provocou muitas discussões pouco depois da independência, culminando em perdas significativas para os índios. Sobre o tema, ver: MOREIRA, Vânia Maria Losada. De índio a guarda nacional: cidadania e direitos indígenas no Império (Vila de Itaguaí, 1822-1836). Topoi, v. 11, 2010, p. 127-142.

95 OFÍCIO enviado pelo delegado suplente de Morretes ao presidente da província do Paraná. Paranaguá, 4

O medo de revoltas escravas aumentou a segurança na Comarca em 1859. Em janeiro, na vila de Antonina, um homem livre chamado João Ferreira Dério andava espalhando a notícia de que os escravos iriam ser libertados dentro de um mês e meio e a ordem viria de um navio inglês. O delegado, Antonio Alves de Araújo, ao voltar de viagem, percebendo a expectativa causada por tais boatos, tomou algumas medidas. A primeira: prender o boateiro, em seguida, oficiar o chefe de Polícia e, por fim, requisitar mais de 50 praças da Guarda Nacional ao comandante do Batalhão do município. O chefe de polícia esteve pessoalmente na cidade, acompanhado por um destacamento de praças, relatando o incidente ao presidente da Província, Francisco Liberato Mattos, o chefe elogiou a Guarda Nacional e a força policial de Antonina pela “celeridade com que satisfizeram as requisições que lhe foram feitas e de modo tão completo”.96 A suspeita de revolta fez com que ocorresse uma mobilização acelerada. De acordo com a descrição das autoridades envolvidas, o grande efetivo estava prontamente disponível. Tal rapidez se deu, possivelmente, pela natureza do perigo.

Em 1850, portanto alguns anos antes da emancipação, o inspetor da Alfandega havia afirmado que a guarnição responsável pela segurança da Fortaleza de Paranaguá deveria ser composta por um oficial inferior, dois cabos e 16 guardas nacionais. O contingente não era preenchido havia certo tempo. No mês anterior, por exemplo, só haviam aparecido 14 guardas e um cabo. Questionado sobre os motivos de estar chefiando os praças, no lugar de um sargento, respondeu não saber. Possivelmente o quórum não era preenchido pelo baixo soldo, agravado pela irregularidade com que eram pagos pela Coletoria.97

No Comando Superior da Capital, os destacamentos eram direcionados para manter a segurança pública, assim como auxiliar as demais Comarcas em situações extraordinárias. Dentre as singularidades das atividades desempenhadas na Comarca, nota- se a profusão de trabalhos destinados à segurança durante as eleições. A população do

96 OFÍCIOS enviados pelo chefe de polícia, Francisco Liberato Mattos, ao presidente da província do Paraná.

Livro copiar dos ofícios enviados pelo chefe de polícia da província do Paraná ao presidente da província do Paraná entre os anos de 1855 a 1862, Deap-PR, Códice 0557, f. 17.

97 OFÍCIO enviado pelo inspetor da alfândega de Paranaguá ao presidente da província de São Paulo. Ofícios

século XIX ia às urnas com uma frequência muito maior do que nós, contemporâneos.98 Para que o voto fosse garantido, assim como alguma aparência de lisura, era preciso mobilizar grande e contínuo aparato. O fato de concentrar órgãos da administração fazia com que Curitiba e suas adjacências fossem tratadas de maneira abalizada. Não por acaso, o principal conflito político aconteceu em São José dos Pinhais, uma das principais freguesias, em 1852. Documentos relativos a tais cuidados foram encontrados já no ano de 1849, quando o delegado de Polícia da capital mobilizou mais de 60 praças, “em virtude dos boatos que espalhavam e comunicações que teve de que se pretendia fazer resistência armada às autoridades e que se faria convites ao povo para não reconhecê-las”.99

A eleição apresentava algumas facetas importantes para a compreensão dos serviços desempenhados pelos destacamentos. No município de Campo Largo, por exemplo, guardas nacionais foram deslocados para a distante localidade, o que na opinião dos oficiais era uma “ordem opressiva que a título de destacamento para guarnição desta cidade desloca os suplicantes da paróquia em que tem de exercer atos eleitorais”. No exemplo, o acusado de tramar o ardiloso plano para impedir os cidadãos eleitores, guardas nacionais, de votar era a autoridade policial, tendo “partido do Delegado de Polícia exercendo funções de Chefe do Estado-Maior”. Uma atribuição que não lhe pertencia.100 Durante uma administração impopular, o representante do governo geral travou uma disputa acirrada com setores da elite regional, recebendo críticas severas por demitir alguns oficiais da Guarda, militantes da oposição, pouco antes da realização de um pleito em Curitiba. O envio do destacamento para locais distantes era apenas o começo. Tentativas de suborno, licenças para funcionários públicos e toda sorte de gambiarras repousavam sobre os ombros do presidente José Cardoso.101

Tais aspectos, assim como os demais serviços, envolvendo a Guarda na província serão esmiuçados no próximo capítulo. Por isso, a apresentação dos principais

98 DOLHNIKOF, Miriam. Representação da monarquia brasileira. Almanack, n. 9, 2009, p. 41-53.

99 OFÍCIO do delegado de polícia de Curitiba ao presidente da província. Curitiba, 5 ago. 1849. Série

Manuscritos – Ofícios Diversos 1845-1851. Apesp, Caixa 210, Ordem 1.005.

100 PETIÇÃO enviada pelo destacamento de Campo Largo ao presidente da província do Paraná. Curitiba, 5

out. 1860. Deap-PR, AP083, f. 266-269.

serviços em destacamento serviu como uma prévia, para mostrar a importância e a presença da Guarda e dos guardas nacionais na província paranaense.