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1. PRÁTICAS DA LEITURA E ADOLESCÊNCIA

1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOLESCÊNCIA

1.2.3 A leitura do adolescente no panorama nacional

Como exposto na introdução, na última pesquisa realizada pelos Retratos da Leitura no Brasil observamos um aumento significativo no número de leitores da faixa etária entre 14 e 17 anos. Por mais que a porcentagem de leitores com idade entre 11 e 13 anos tenha se mantido desde a pesquisa anterior (84% leitor), os leitores adolescentes entre 14 e 17 anos tiveram um aumento de 71%, em 2011, para 75% em 2015. Contrariando a visão de que os adolescentes não leem, a pesquisa traz dados esperançosos sobre a faixa etária, pois somando os percentuais que se enquadram na idade da adolescência, observamos que estão acima dos 56% de leitores da população total estudada.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil considera leitor aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Levando em conta a população brasileira com mais de cinco anos, em 2015 (188 milhões), 104,7 eram leitores (56%). Para conhecermos o perfil do leitor adolescente abordaremos os principais tópicos apresentados pela pesquisa nacional para identificarmos como a leitura se configura na faixa etária em que propomos o estudo. Como os Retratos separam os participantes com idade de 5 a 10; 11 a 13; 14 a 17; e 18 a 24, nos debruçamos sobre os dados das faixas etárias de 11 a 13 e 14 a 17 para conseguirmos observar os números relativos à população adolescente.

Sabemos que a faixa etária apresentada está em situação escolar e que isso poderia apresentar-se como algo a ser observado nos dados no quesito das leituras obrigatórias. Vimos isso ao atentarmos para a porcentagem de leitores na faixa etária em que se encontram na escola

ser maior em relação aos leitores de outras faixas etárias. Dessa forma, entendemos que o período escolar interfere na leitura desses sujeitos, pois estão em um ambiente que existem cobranças em relação a leituras e disciplinas de literatura.

Por outro lado, a pesquisa permite que tenhamos acesso a outras percepções que indicam o gosto pela leitura para além do contexto escolar. Vejamos o percentual daqueles que leem por gosto e por prazer: 42% da faixa etária de 11 a 13 diz ler por gosto, e 29% entre os 14 e 17 anos, o que reflete uma leitura por prazer e não apenas associada ao período escolar, pois dos 11 aos 13, 12% indica a exigência escolar, e dos 14 aos 17, 14%.

Para os adolescentes os principais fatores que influenciam na escolha de um livro é o tema, sendo a opção de 19% (11 aos 13) e 23% (14 aos 17). A capa é a opção indicada por 23% dos adolescentes com idades entre 11 a 13 anos, e 15% dos 14 aos 17. Em terceiro lugar vem o título do livro como um fator que influencia, sendo 13% indicado pelos adolescentes dos 11 aos 13 e 10% dos 14 aos 17. A dica da professora é relatada por 11% dos respondentes de 11 aos 13 e 12% pelos de 14 aos 17.

Sobre as figuras importantes para despertar ou influenciar o gosto pela leitura, fica evidente a figura da mãe ao 22% (11 aos 13) e 20% (14 aos 17) indicarem a mãe como pessoa mais importante vindo o professor como segunda opção, indicado por 12% (11 aos 13) e 7% (14 aos 17).

Algumas ponderações são feitas por Ceccantini (2015, p.84) ao observar as afirmações sobre o adolescente que não lê. Para o autor, isso se dá também em função da “incapacidade da escola de enfrentar desafios pedagógicos frente às rápidas mudanças da sociedade nos séculos XX e XXI do que fazer um diagnóstico acurado dos fenômenos em curso”. É neste ponto que podemos levantar a questão da pesquisa nacional que questiona quem são as pessoas que mais influenciam os adolescentes, quando apenas 12% da faixa etária de 11 a 13 e 9% da faixa etária de 14 a 17 indicam algum professor ou professora. Entendemos isso de duas maneiras, tanto pela falta de novos desafios enfrentados pela escola e pelos professores, como uma situação que não depende apenas deles, mas de ações relacionadas ao âmbito governamental. Em um primeiro momento, expomos a dificuldade dos professores em se adaptar às novas tendências e utilizá-las em benefício das leituras e conteúdos tradicionais, aliando isso ao que é de interesse dos adolescentes para despertar sua atenção. Já sobre o amparo governamental, entendemos que isso não é só uma questão pedagógica, mas também se refere a ações efetivas de incentivo e apoio para aperfeiçoar tanto a formação de mediadores, como a distribuição de materiais adequados.

Avançando nos dados encontrados, é importante darmos atenção ao mercado editorial e suas produções voltadas ao público juvenil. Conforme Ceccantini (2016, p.88), de 2007 a 2014 o número de exemplares de livros juvenis produzidos no país cresceu cerca de 135,61%. Da mesma forma é importante destacarmos a venda de exemplares para o governo, que proporciona a distribuição de livros juvenis nas escolas do país31 e que contribui para que o

gosto e o acesso à leitura sejam ampliados. Esse panorama de venda e distribuição nos dá alguns indícios de preferências e de como o mercado editorial está atentando para os interesses e características próprias dos adolescentes. Isso ficou evidente ao identificarmos a grande lembrança das traduções da cultura de língua inglesa (norte-americana e britânica), como as obras mais citadas nos Retratos, pela faixa etária estudada. Dentre os exemplares citados como o último livro que leu ou está lendo estão muitos do universo do público adolescente, como por exemplo: O diário de um banana, de Jeff Kinney; A culpa é das estrelas e Cidades de papel, de John Green; A maldição do titã – Série Percy Jackson, de Rick Riordan; A menina que

roubava livros, de Markus Zusak; Muito mais que cinco minutos, de Kéfera Buchmann; Crepúsculo, de Stephenie Meyer; Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis; Diário de Anne Frank,

de Anne Frank (Annelie Marie Frank); Série Harry Potter, de J. K. Rowling.

Essa forte presença de literatura estrangeira é o que Martín-Barbero (2014) e Ortiz (1994) destacam sobre a sociabilidade global: o compartilhamento de experiências que diz respeito às formas como esses sujeitos se integram e se relacionam aos fenômenos culturais que não estão apenas centralizados no livro físico em si, mas também por obras audiovisuais, games, revistas e produtos derivados (camisetas, canecas, etc.). Isto é, a própria conceituação de Jenkins (2008) sobre a convergência das mídias e os diferentes tipos de produtos que derivam daí, que fazem com que os receptores estabeleçam diferentes usos e apropriações dos meios. Ceccantini (2016, p.89) reforça que essas práticas adquirem contornos “cada vez mais globalizados” e que essas práticas são hoje “complexas, múltiplas, inter-relacionadas e se apoiam fortemente num processo lúdico e de socialização”, pois ele observa que o adolescente dificilmente lê de forma isolada, entendendo a expressão isolada de duas maneiras: “tanto no sentido de ler um livro e se restringir a ele ou de ler um livro na solidão e apenas para si mesmo”. (CECCANTINI, 2016, p.89).

Essas características são próprias do adolescente, pois eles possuem necessidade de compartilhar suas experiências (BECKER, 1994) e de serem ouvidos (TRAVANCAS, 201), e a leitura revela-se também um momento de socialização e troca de identificações que passa a

“atender a certa necessidade de pertencimento a um grupo de identidade afim”. (CECCANTINI, 2016 p. 90).

A internet, enquanto espaço que promove essas experiências coletivas, é onde os adolescentes utilizam seus perfis para discutir e tratar da leitura. Os Retratos da Leitura inseriram em seu último levantamento as questões sobre a internet e indicam que, entre os leitores, 81% são usuários de internet.

Dentre as atividades realizadas na internet na faixa etária de 14 a 17 anos destaca-se a troca de mensagens por aplicativos como WhatsApp e Snapchat (75%); o acesso a vídeos; filmes ou TV on-line, que fica com 60%, acompanhado da opção de escutar música, 63%. Já para aqueles com idade entre 11 a 13 anos, se destaca o jogo, que fica com 59%, acompanhado das demais atividades em destaque mencionadas anteriormente, ficando o acesso a vídeos, filmes ou TV on-line com 55%; escutar música, 51%; e a troca de mensagens com 57%.

Sobre atividades relacionadas a leituras realizadas na internet, por faixa etária, temos uma grande porcentagem nas atividades escolares, com a realização e pesquisa de conteúdo: 11 a 13 (57%) e 14 a 17 (52%). Ler livros é indicado por 19% na faixa etária dos 11 aos 13, e 12% dos 14 aos 17. Ao indagar se compartilham em blogs, fóruns ou nas redes sociais assuntos sobre literatura, temas de livros, autores, trechos de livros etc., 19% (11 a 13 anos) e 20% (14 a 17 anos) afirmam compartilhar. A participação de elaboração de histórias coletivas e fanfic32

possuem a maior porcentagem na faixa etária dos 11 aos 13 anos, com 5%, e dos 14 a 17 apenas 1% afirmam elaborar essas histórias.

Isto posto, cabe apresentarmos dados da TIC Kids Online Brasil, a qual exibe o cenário de acessos e usos da internet por crianças e adolescentes no país. O projeto Global Kids Online é internacional e desenvolvido pela London School of Economics, Unicef Office of Research e rede acadêmica EU Kids Online, com o objetivo de produzir um conjunto de ferramentas para pesquisadores de todo o mundo com dados de oportunidades e riscos para crianças e adolescentes na era digital.33

No Brasil, a pesquisa teve sua última aplicação em 2016 e sinaliza que nesse ano cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes (82%) com idades entre 9 e 17 anos utilizaram a internet, o que corresponde a 23,4 milhões de usuários no país. Ao que se refere a frequência desse acesso 84% afirma acessar a internet todos os dias, e desses sete em cada dez (69%) se conectaram à rede mais de uma vez por dia.

32 Histórias e/ou textos criados e divulgados por fãs das obras. 33 Descrição feita na última versão brasileira.

A pesquisa também apresenta as disparidades de acesso tanto por regiões do país, quanto as diferenças socioeconômicas. Em números o Sudeste (91%), Sul (88%) e Centro-Oeste (86%) apresentaram percentuais superiores aos encontrados no Nordeste (73%) e Norte (69%). E em relação a classe, a quase totalidade (98%) das crianças e adolescentes que pertencem a classes AB era usuária da internet, e entre aqueles das classes DE, a porcentagem foi de 66% (CGI.br, 2016b, p. 99).

Um dos pontos de destaque do estudo é que já são 22 milhões (91%) de crianças e adolescentes se conectando via telefone celular. E neste quesito não foram encontradas disparidades expressivas entre classes ou regiões do país, o que revela a penetração do dispositivo móvel entre essa faixa etária mesmo em populações com limitações de conectividade (CGI.br, 2016b p. 104).

Em contrapartida, o uso de computadores, console de jogos e televisão apontou disparidades entre as classes, nesse contexto, o que indica que as classes AB têm à sua disposição uma variedade maior de dispositivos para acesso à rede, quando comparados aos de classes mais baixas.

Os resultados são essenciais para atentarmos ao que está sendo feito pelos adolescentes na internet e juntamente dos dados dos Retratos da leitura do Brasil compreender os usos no âmbito da leitura e do livro. Da mesma forma que são importantes para compreendermos até que ponto os adolescentes dispõem de habilidades e competências para a produção de interações e participações efetivas na rede, tanto do uso cotidiano dos diferentes aplicativos, como do que é próprio da leitura. Essas atividades realizadas na internet devem atentar para o que Livingstone (et al, 2015, p.167) chama a atenção, pois “com um maior uso de tecnologias digitais, aumenta também a tendência de crianças desenvolverem competências digitais e obterem benefícios tangíveis a partir desse uso”. Ou seja, as possibilidades de participação de crianças e adolescentes nas redes também dependem da aprendizagem do uso dessas ferramentas, que podem contribuir para o melhor aproveitamento das oportunidades nesse ambiente, da mesma forma que a educação para as novas mídias proporciona mais segurança em relação aos perigos e desafios dos meios digitais.

Entretanto, é importante destacarmos que os dados apresentados por pesquisas como as mencionadas também sinalizam as desigualdades regionais e socioeconômicas nas diferentes regiões do país. Da mesma forma, constituem-se como desafios à inclusão digital e o acesso à leitura, sendo dados que podem contribuir para a elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas que levem em conta o contexto, as dificuldades e as expectativas de adolescentes leitores. A questão econômica interfere diretamente no acesso e consumo de livros impressos

ou digitais, como visto nos indicativos apresentados pela pesquisa, pois os jovens que têm o apoio dos pais conseguem ter mais acesso a publicações e dispositivos do que aqueles que não têm condições para isso. O acesso pode ser em nível da compra do livro físico ou do acesso à internet para compra de livros on-line.