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1. PRÁTICAS DA LEITURA E ADOLESCÊNCIA

4.2. MEDIAÇÕES DA LEITURA: PERSPECTIVAS PARA ANÁLISE

4.2.1 Os rituais da leitura

4.2.3.1 Recomendações de leitura na internet

Para Petit (2008, p.148), embora “a leitura fosse em grande parte uma questão de família, também é influenciada por um contexto mais amplo, um ambiente que convida ou desestimula a aproximar-se dos livros”. Dessa forma, por que não pensar na internet como esse outro espaço no qual os adolescentes podem se sentir estimulados a próximas leituras? Neste tópico discorremos de que maneira os adolescentes entrevistados se sentiram estimulados por diferentes aspectos da rede, aproximando-se de novas leituras.

Entendemos que o leitor passou a ser também um seguidor (FAILLA, 2014, p.90), pois acompanha lançamentos e autores querendo ser o primeiro a saber sobre qualquer atividade dos autores e livros preferidos. Além disso, eles se interessam pelo que o autor representa e o que ele faz na sociedade, é algo que vai além de acompanhar por acompanhar ou ler a obra. Eles admiram a vida do autor, querem se sentir parte, ter a oportunidade de se aproximar não só da

obra, mas daquilo que o autor representa para além dela. Ao falar sobre acompanhar os autores em redes sociais, Joana deixa isso claro da seguinte maneira:

mais no Twitter, porque é normalmente lá que eles falam as coisas… eu gosto de ver… eu sigo o Instagram de Percy Jackson, porque, ele é um autor infantil, então pra mim ele fala umas coisas que são meio assim, mas ainda assim eu acho, assim, como pessoa… porque ele tá sempre ajudando umas Ongs, ele faz uns texto de… ã... como é... de diversidade, que eu acho muito bons... e os livros dele... Tipo, no início ele tinha umas censuras, por causa da editora dele e tal, mas agora ele tá podendo fazer, e daí tem muito personagem LGBT, ele fala da questão de migração e tals, os livros infantis nele, sabe? Então eu gosto de seguir. (JOANA, 14).

Da mesma forma, Luana destaca como é importante ter esse contato, essa proximidade, que fica aparente quando todos mencionam acompanhar em suas redes sociais editoras, autores, artistas de séries ou Youtube. Luana considera importante poder acompanhar o processo de criação ou conhecer mais sobre o autor, saber como ele é, quais são suas características, como a pessoa vive:

tu ter contato com o autor, traz uma coisa muito mais real, sabe? porque tu vai lá... no livro tu vê aquela fotinho que tem atrás do livro... sabe? que tem o autor, tu não vai saber qual a personalidade dele, como ele se sentiu... como é que é o jeito que ele fala, e tipo... tu percebendo isso como a pessoa fala e como a pessoa escreve, tu consegue assimilar umas coisas, sabe? tipo... ã... digamos que tem um artista estrangeiro e ele fala todo agitado assim, e não sei o que e animado... daí tu vai ver que o livro dele é mais agitado, as coisas acontecem mais rápido (LUANA, 14).

Cabe mencionar que essa relação com o autor é facilitada, mas não somente feita pelas redes sociais, para isso trazemos uma recordação de Joana sobre seu contato com a autora na escola: “eu lembro que eu comecei a pedir livro na segunda série, porque foi uma autora lá na escola, e daí ela foi falar com a gente... e ela falou bastante comigo... e daí eu fiquei: ‘meu deus, a autora me reconheceu’. Dai eu quis ler os livros dela.” (JOANA, 14).

A relação que estabelecem com autores nas redes foi vista por Malini (2014, p.216- 217) na página da rede social de Thalita Rebouças, na qual ele identifica que ela se configura como uma “espécie de mercadoria literária, em que o consumo do público não apenas se resume às suas obras, mas à sua subjetividade e ao mundo privado que entrega aos seus fãs”. Ou seja, eles enxergam o autor de outra forma, se aproximam, buscam estar próximos pelas redes, que é o caso dos entrevistados que comentam que querem sempre saber mais, porque ter esse contato faz com que eles vejam o autor como mais real e com a possibilidade de interagir com ele em comentários e mensagens.

Os adolescentes têm acesso a mais conteúdos, a informações relacionadas, a comentários de outros leitores e dos próprios autores. São leitores ativos, críticos e participativos. Antes de ler, eles recorrem a comentários, resenhas, ao que o autor diz, ao que um Youtuber comenta sobre a leitura. E assim vão delineando leituras e preferências. Eles acompanham porque percebem que existe algo além da história, e isso também os prende a um contexto proposto pelo autor. Ao acompanhar sua vida pessoal, eles admiram e se interessam por outras leituras. Não que isso só fosse possível através da internet, mas essa ferramenta facilitou o acesso ao diferente e ao que eles compartilham com pessoas distantes.

Marcos, Bianca e Nati têm o hábito de consultar vídeos na internet, vídeos com temas de leitura. Na internet encontram indicações de leituras, ou indicam alguns livros. Como para Nati, “As Vantagens de Ser Invisível 63 eu já li por indicação de um Booktuber”. E isso é

reforçado por Bianca, ao mencionar que: “com certeza, eu adoro ficar vendo vídeo no Youtube, sempre tem alguma coisinha escondida…” (BIANCA, 14). Luana ao mencionar as indicações da internet destaca que “se essa pessoa gosta tanto, por que eu não vou gostar? E daí dá vontade de conhecer coisa nova” (LUANA, 14).

Foi também pela indicação de Booktubers que Luana e Marcos ficaram sabendo das experiências literárias, mesmo que não tenham participado, recordaram de terem conhecido através dos Booktubers: “eu conheço pelos Booktubers e tal, que participam às vezes…, mas eu nunca fiz isso, e tenho muita vontade”. (LUANA, 15). Ou seja, são espaços que podem indicar outras possibilidades para esses adolescentes.

Quando ficam em dúvida de qual livro seguir, ou por qual livro do autor devem iniciar, recorrem novamente à internet. Um exemplo disso é quando Marcos estava em dúvida sobre qual livro ler de Stephen King e, ao assistir um vídeo, identificou qual seria melhor:

[...] fiquei pesquisando qual que seria o melhor pra começar... e... disseram que... é uma... é meio que uma continuação, os livros de Stephen King, e... disseram que era pra mim começar pelo Cemitério... Que eu queria começar pelo Iluminado, porque eu não vi o filme ainda, então eu não sei nada sobre o Iluminado... […] (MARCOS, 16).

Não é apenas uma tecnologia pelo qual eles buscam referências para leituras, mas, ao mesmo tempo, é no Youtube que eles conhecem as celebridades que também lançam livros das suas histórias. É o caso de Nati, que comenta que comprou os livros de Youtubers famosos, estes que não eram especificamente Youtubers de livros ou leitores, mas que lançaram livros sobre suas vidas.

Eu li os dois primeiros livros do Cristian64... e são muito interessantes, porque são

histórias da vida dele eles fazem deles... eles filmam o dia deles e postam... só que é muito interessante... porque é só história da vida dele, sabe? E são histórias legais... E o da Kéfera eu li o primeiro, só que eu não gostei muito... porque era uma biografia dela... só que assim... uma biografia de uma pessoa de 20 anos, sabe? Aí quando eu era criança eu comia areia na praia... era tipo isso... ã... é... daí eu não li os outros dois dela... (NATI, 14).

Percebemos o quanto a tecnicidade passa a ser estruturante no contato e nas novas possibilidades propostas pela tecnologia, que vão diretamente demandar novas situações de leitura. Os modos de estar junto, as maneiras de compartilhar histórias, isso tudo vai ser permeado pela lógica dessas tecnologias, que proporcionam maneiras de conexão, troca e entretenimento. Os modos de estar junto a partir dos livros ganham uma nova dimensão. É a tecnicidade que reorganiza e direciona essas práticas, é ela quem dá suporte para que as apropriações se configurem, baseada nos sentidos produzidos e interpretados pelos adolescentes, e ainda o que eles fazem com isso para que a leitura tenha novos aspectos nesse cenário.

Cabe mencionar que Chartier (2014, p.31) vê nisso um grande perigo do mundo digital, que é a facilidade de encontrar o que o leitor procura, sendo que o autor considera que os encontros inesperados que aconteciam em bibliotecas, prateleiras de livrarias e periódicos impressos não acontecem mais em função de a internet proporcionar essa facilidade. Entretanto, percebemos que a internet pode criar novos espaços de encontros inesperados, que é o que pode acontecer ao consultar um vídeo no Youtube, uma resenha, um filme, e que estes podem direcionar para próximas leituras. A indicação feita em redes sociais, grupos, Booktubers também podem criar novas referências que nem mesmo em prateleiras de livrarias teriam tantas trocas. Vimos que nossos entrevistados tomaram conhecimento de leituras dessa forma, por indicações de influenciadores e sites na internet, conectando-se com diferentes pessoas ao redor do mundo, não ficando presos a indicações apenas de pessoas conhecidas.

Ao mesmo tempo precisamos atentar para o que é organizado na rede automaticamente mediante restrições de acesso. A lógica da rede também pode interferir nessa facilidade de encontrar aquilo que se quer ou aquilo que a rede quer que você encontre65.

64 Christian Figueiredo ficou conhecido em 2014 quando se tornou o um dos maiores fenômenos do Youtube

Brasil. Atualmente seu canal conta com 4.654.653 inscritos. Com o sucesso, ele lançou o livro “Eu Fico Loko” contando histórias que marcaram a sua vida.

65 Isso acontece em virtude dos algoritmos. Atualmente, os algoritmos do Google utilizam mais de 200 sinais ou

“pistas” diferentes para adivinhar o que você realmente procura. Esses sinais incluem aspectos como os termos em websites, a atualização do conteúdo, a região do usuário e o PageRank. O PageRank determina a relevância e

Percebemos que a leitura ganhou outras proporções com os dispositivos como o celular, que está sempre conectando os leitores aos amigos e são responsáveis por novas maneiras de buscar e receber conteúdos; as indicações de sites, as promoções, todo um sistema de marketing66 criado para que a pessoa encontre produtos semelhantes. E isso é destacado por

Luana, que indica que ao pesquisar sobre determinado livro acaba encontrando sugestões nos sites e conhecendo novos autores e publicações: “por vídeos, ou por ser indicado por outro livro, sabe? Tu vai ali na... no lugar que tem o livro e fala ‘livros semelhantes’ daí eu vou ali olhando...” (LUANA, 14). E por Nati e Bianca, que relatam já ter visto outros livros por indicação, ou Marcela que, como já vimos, fez sua primeira compra a partir de uma promoção que ficou sabendo pelas redes sociais:

[…] porque tipo esse dias eu pensei... vou abrir o Facebook e de casa, destino, e de cara apareceu (falando do livro que comprou pela internet). Meudeus, eu preciso disso e daí de cara eu saí correndo atrás da minha mãe... Aí... ela deixou[...] (MARCELA, 14)

Essa situação também ocorreu com Luana e Bianca, elas comentaram sobre o contato que tiveram com as informações de livros disponibilizadas nas páginas das editoras:

É... também tem as páginas das editoras, eu fiquei sabendo de um livro da editora pela página da editora, e daí... é tipo... hoje em dia, um dos meus livros favoritos, e daí... agora até saiu o terceiro da coleção e eu tô louca pra comprar e eu não posso comprar ainda (LUANA, 14).

É... eu sempre fico seguindo os Instagrams das editoras, daí quando tem novidade eu já fico assim olhando... às vezes eu compro até os livros na pré-venda, na Amazon, que eu quero que chegue logo (BIANCA, 14).

A compra em pré-venda de autores e livros que já vêm assinados, acompanhamento das editoras e autores em suas redes sociais são atitudes que demonstram os interesses desses adolescentes e nos colocam indícios para refletirmos que o mercado editorial precisa atentar para essas necessidades, de contato com autores, de exclusividades em publicações de

importância de uma página na Web. E de acordo com todos esses aspectos é que ao realizar uma busca você vai receber certo tipo de informação e não outra. Disponível em: <https://www.google.com/intl/pt- br/insidesearch/howsearchworks/algorithms.html> Acesso em: 23 fev. de 2018.

66 O marketing utilizado para indicação de produtos semelhantes é o chamado Remarketing. Conforme o Google

Adwords plataforma de publicidade do Google que utliza esse sistema, O Remarketing ajuda a alcançar pessoas que visitaram o seu Website. Os visitantes ou utilizadores anteriores podem ver os seus anúncios à medida que navegam em Websites que fazem parte da Rede de Display da Google ou quando pesquisam termos relacionados com os seus produtos ou serviços no Google. Disponível em: <https://support.google.com/adwords/answer/2454000?hl=pt&topic=2677326&ctx=topic> Acesso em: 23 fev de 2018.

lançamento etc. Ao mesmo tempo, nos indicam como a compra está associada também à liberdade de compra que comentaremos mais adiante.