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Rituais mediados pela internet e dispositivos móveis

1. PRÁTICAS DA LEITURA E ADOLESCÊNCIA

4.2. MEDIAÇÕES DA LEITURA: PERSPECTIVAS PARA ANÁLISE

4.2.1 Os rituais da leitura

4.2.3.2 Rituais mediados pela internet e dispositivos móveis

Sobre os rituais, percebemos que a tecnologia não é mero instrumento para esses adolescentes, ela acaba moldando seu cotidiano e direcionando suas práticas, da mesma forma que permite que cada um tome suas direções. A internet, além de meio de busca e de levar os adolescentes para conhecer diferentes referências para suas leituras, também proporciona a eles a troca de informações sobre o que eles leem a partir dos seus dispositivos, e eles acabam criando rotinas dentro de redes sociais e suas possibilidades.

O celular e seus aplicativos são os responsáveis por proporcionar rituais específicos a esses leitores, afinal eles estão conectados e interagindo ininterruptamente (FAILLA, 2014, P.80). Por exemplo, Bianca comenta sobre receber livros e compartilhar com aos amigos em seu aplicativo: “e quando chega eu tenho um ataque! Eu faço Snap, mando pra Laura…” (BIANCA, 14). Isso demonstra que o celular é o responsável por permitir o compartilhamento dessas experiências de leitura com os amigos, ele é peça chave nessas trocas, pois muitas atividades são mediadas pelo celular, então os adolescentes dispensam o computador para as atividades rotineiras e utilizam mais o celular para troca de mensagens, vídeos, links etc.

O que os adolescentes mais costumam fazer é pesquisa pelos buscadores, seja para trabalhos escolares, alguma música ou então algo sobre o que estão em dúvida em alguma leitura, como exemplifica a fala de Nati:

quando eu tava lendo os livros do Percy Jackson, essas coisas aí... que... é que assim, todos os livros do Rick Riordan são sobre alguma mitologia, sabe? Ou é grega ou é Egípcia, sei lá... Viking... e daí, às vezes aparecia alguma coisa que eu não sabia o que que era e daí eu só ia olhar tipo, o nome de alguma coisa e: “ah, tá! é isso!” Daí voltava assim… (NATI, 16)

Bianca e Luana são as que mais compartilham seus comentários sobre livros e leituras em redes sociais, elas comentam e postam sobre o que leram ou alguma referência que tenham gostado. Percebemos que essa atividade faz parte de suas rotinas. Luana afirma: “daí eu boto bastante frases dos meus livros favoritos de legenda... pode ter certeza que alguma legenda vai ser livro...”. A apropriação da leitura é feita pela utilização de frases em seus perfis de redes sociais, em fotos e legendas ou compartilhando conteúdos das editoras: “eu sempre tô compartilhando as coisas, porque eu sigo as páginas, tipo, as páginas do Stephen king, do Harry

Potter, de clássicos, eu curto, daí quando eles fazem uma publicação legal, eu tô sempre compartilhando...”(BIANCA, 14).

Essa apropriação é tida por Maria-Claude Penloup (2000 apud Petit 2009, p.221) como uma proteção, pois, a partir do que o outro diz, os adolescentes se sentem seguros em compartilhar aquilo que representa o que estão passando e sentindo em suas vidas, utilizando frases, fotos etc. Para Malini (2014), eles se projetam, identificam-se com a intensidade das frases e, além disso, isso funciona como uma espécie de autoajuda em tempo real (MALINI, 2014, P.210). Petit (2008, p.77) corrobora o pensamento dos autores ao reforçar que os adolescentes “sentem necessidade de compartilhar essas frases e textos para representá-los” e agora utilizam as redes sociais para expor esses sentimentos.

Os adolescentes participam e interagem com os conteúdos feitos pelas editoras e autores. Luana menciona responder ao que os perfis de editoras e autores colocam nas redes sociais, pontuando: “ah, eu comento, eu acho tão legal... Ou quando eu não comento é porque eu tô com preguiça de digitar, ai eu só penso.”. Ou seja, demonstra que eles estão acompanhando e atentos ao que as editoras estão propondo também em suas redes sociais, espaços que permitem maior aproximação e troca com o seu público.

Já Marcos, Marcela e Nati preferem trocas entre seus amigos enviando links e fazendo marcações em fotos. Isto é reforçado durante o grupo de discussão, quando um comenta sobre o hábito do outro, ao falar sobre o envio ou marcações de amigos nas redes sociais e destacar que este tipo de atividade é constante entre o grupo. Não significa que todos façam o mesmo, mas esses três preferem compartilhar apenas de maneira privada ou direcionada a amigos próximos e não em redes sociais que todos têm acesso ao seu comentário.

Não são só as redes sociais ou as ferramentas disponíveis nos smartphones responsáveis por despertar o desejo de novas leituras, por gerar curiosidade. Marcos deixa isso claro ao destacar o quanto as séries e filmes influenciam suas escolhas: “tá... eu comecei a ler Desventuras em Série67 por causa da série do Netflix... Tá, eu vi a série do Netflix primeiro...

daí eu comprei todos os livros...”. Essa situação de influência de filmes e séries é percebida por Marcela e Nina ao comentarem como isso também interfere em referências de leitura ou como o livro também pode levá-las para um filme ou série.

Failla (2014, p. 84) entende que, ao gastar tantas horas de lazer nas redes sociais, a magia dos livros pode não estar no acesso aos segredos desconhecidos das histórias, “mas no compartilhamento desses segredos e mistérios, ou (tomara) em uma nova forma de se

autoafirmar mostrando cultura e conhecimento”. Ou seja, ao comentar, ao participar de discussões feitas nas redes sociais, que tratam especialmente de histórias de livros ou séries, é que entendemos que o que desperta essa interação nos adolescentes é o desejo de compartilhar, de participar de um grupo de interesse. Isso fica evidente ao percebermos que os adolescentes da pesquisa realizam esse tipo de atividade e sentem-se animados e entusiasmados ao falar das leituras, tanto ao comentar sobre o que fazem na internet, como quando falam sobre suas preferências no grupo de discussão feito nesta pesquisa. Observamos a emoção ao falar de autores e livros que já foram lidos pela maioria. Isso é, para Failla (2014), o que pode despertar novos leitores, o que seria o segredo para despertar novos hábitos, incentivando a interação e participação desses adolescentes, criando essas relações entre autores e leitores, entre leitores uma “nova relação de troca e identificação” (FAILLA, 2014, p. 84).

No entanto, também cabe pontuar que o celular é pouco utilizado como ferramenta de leitura, pois cinco dos entrevistados comentam que não se adaptaram à leitura de livros pelo celular, da mesma forma que não conseguem ler pelo computador ou e-reader. Bianca é a única a comentar sobre sua experiência de leitura no e-reader. Apenas Joana comenta sobre seu interesse pela leitura no celular, pontuando principalmente a facilidade de encontrar leituras em outros idiomas e por serem mais baratos: “até porque tem uns livros que eu gosto de ler em outros idiomas, e daí fica mais fácil de achar PDF, bem mais barato.” (JOANA, 14).

Para os demais entrevistados, o celular é tido especialmente como opção de leitura em momentos nos quais eles não têm o livro impresso por perto, como quando estão em filas, esperando em alguma atividade entre as aulas, ou quando viajam, em situações que preferem baixar no celular a leitura que já está sendo feita no impresso. Para Bianca, Luana e Nati o celular usado é apenas uma opção.

Se eu não tiver o livro, eu vou ter o PDF dele… eu acho isso muito útil, porque às vezes eu saio de casa pra... pra fazer tal coisa, daí no final vou ter que esperar. Ou saio de casa e tem um monte de trãnsito, daí eu vou ali… no... no PDF, e fico lendo no celular... pra não ficar levando o livro pra cima e pra baixo. (LUANA, 14)

Ã... tem um site que é o LeLivros... e daí eu boto lá o livro que eu quero, faço download de PDF, e daí ele vai direto pro iBooks no celular.” (NATI, 14)

Além disso, o celular também serve como depósito de memórias de livros, frases, fotos e o que tiver sobre o que estão lendo no momento e pretendem enviar para amigos ou salvar no celular para ter consigo. Os rituais feitos utilizando as tecnologias e possibilidades destas como:

demonstra a apropriação feita por cada um nessas redes e dispositivos que não estariam diretamente voltadas para esse tipo de atividade, mas foram utilizadas de maneira que eles adaptassem isso ao seu cotidiano e imprimissem esse significado na sua rotina, o de estar sempre compartilhando suas preferências e atividades com amigos. O celular é tido como instrumento principal de troca de informações sobre livros e leituras, às vezes para manter na memória e outras para mostrar o que estão fazendo aos amigos.

Em muitos momentos percebemos que as práticas tradicionais, como marcação de livros, são mescladas com atividades feitas no celular como, por exemplo, Bianca, que usa o celular para armazenar informações sobre a leitura:

Ã... eu uso muito Post-It, sabe, aqueles de por no canto da página, eu ponho no canto da página, eu não ponho na página inteira... e eu quero, sei lá, por exemplo, um parágrafo, eu ponho ele mais ou menos na linha, que daí já fica mais ou menos marcado... E daí eu anoto no bloco de notas do celular, ou no caderno separado... (BIANCA, 14).

Outro exemplo disso é em relação ao cuidado com os livros, quando Marcos vai ao Youtube para consultar de que maneira pode conservar melhor seus livros.

É... eu pesquisei vídeos na internet de como fazer com que o livro... é... fique mais tempo inteiro... (risada) Porque eu, realmente, tenho... o primeiro livro, que foi a uns três anos atrás, que eu vi, as páginas, pelo menos as páginas das laterais, tão bem mais amareladas, e daí eu fiquei “ai, que droga, porque que fica assim” (MARCOS, 16).

Dessa forma, eles criam estratégias que aliam atividades no impresso e no digital que contribuem para armazenar e ter consigo aquilo que selecionam no impresso e que pode ser utilizado nos seus dispositivos. Ou seja, transcendem também a própria lógica estabelecida pelos seus dispositivos, adaptando ao que eles realmente precisam. É o caso da apropriação feita por Luana ao criar grupos no WhatsApp para armazenar informações importantes e utilizar o aplicativo de conversa para isso: “daí tu tem que botar uma outra pessoa no grupo, e depois excluir a pessoa, mas eu faço isso direto... Eu tenho esse... esse grupo que sou só eu, daí tem outro grupo que sou só eu... Esse aqui sou eu fazendo textão, ã...” (LUANA,14).

Com a internet, esses rituais cotidianos se adaptam ao que é possibilitado pelas tecnologias. A marcação em fotos, os printscreen enviados aos amigos, as redes sociais que permitem a troca de imagens, tudo isso é utilizado por eles para trocar experiências de leitura. Esses diferentes usos vão indicar não apenas como a leitura se reorganiza neste cenário, mas como ela é modificada pelas tecnologias. Por exemplo, mesmo que isso não fique realmente explícito, Luana indica que o celular já distraiu sua leitura, pois quando lê e pega o celular já

percebe que não vai conseguir se concentrar e não volta para a leitura, apresentando uma dificuldade de manter uma “profundidade de imersão” (CAR, 2011, p.129). Falaremos sobre essas mudanças mais adiante.