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1. PRÁTICAS DA LEITURA E ADOLESCÊNCIA

4.2. MEDIAÇÕES DA LEITURA: PERSPECTIVAS PARA ANÁLISE

4.2.1 Os rituais da leitura

4.2.3.7 Tecnicidade mediando as relações com a família

A tecnicidade, como já mencionado, acaba por relacionar-se com as diferentes medições, pois ela reorganiza as práticas diante da família e da escola. Especialmente sobre a família, podemos perceber que, ao proporcionar novas possibilidades e caminhos a esses adolescentes, também vai refletir em como a família, os pais e responsáveis vão lidar com isso. Em diferentes momentos apresentados pelos entrevistados, podemos perceber que a internet permite certa liberdade, mas a interferência dos pais, pelo cuidado e por monitorarem o que os

filhos estão utilizando, acaba por privar o acesso a determinadas atividades que poderiam ser feitas pelos entrevistados. Por exemplo Marcos, que destaca nunca ter comprado pela internet:

não, nunca comprei... nada pela internet. Eu só costumo pesquisar os preços na internet, mas comprar... assim, nunca... Nunca comprei nada, nem livros nem... e tu

acha que é por que? porque tu acha que não tem liberdade pra comprar?

eu aqui que... liberdade... Preciso de cartão de crédito... e eu acho melhor não comprar pela internet né... bem... parece que dá mais problema... ao meu…(MARCOS, 16).

A internet e os dispositivos utilizados pelos adolescentes permitem certa autonomia, pois percebemos que eles utilizam estratégias para burlar a autoridade dos pais a partir de usos das tecnologias. Luana comenta sobre a leitura feita durante a noite, que é um dos momentos que ela prefere ter o celular como alternativa de leitura que permite este uso específico:

e outra coisa que eu adoro é usar o PDF... tipo, de noite, quando… os meus pais passam pra ver se eu tô com a luz do quarto ligada, se eu tô dormindo ou não… Daí eu não posso ler com a luz desligada, daí eu pego de noite, eu leio pelo PDF, daí eu não faço luz. Inteligente (LUANA, 14).

Mas existe também muita desconfiança dos pais sobre o que os filhos estão fazendo nas redes e com quem estão conversando. Foi o que aconteceu com Luana, que participava de um grupo no WhatsApp, criado a partir de um site de leitores no Wattpad, que estavam discutindo sobre leituras e sobre um novo livro de uma das integrantes do grupo, quando sua mãe solicitou que ela saísse.

É que na real a minha mãe... esse grupo era no Whats... dai minha mãe viu que tinha um monte de gente que eu não conhecia no Whats e não sei que e lalaal. E daí ela fez eu sair do grupo, e daí eu me distanciei do grupo, sabe? Tipo, por me distanciar, eu fiquei falando com ele um bom tempo, como tipo, começava a falar do grupo, sem lembrar que eu não tava mais no grupo e eu ficava chateada e tal, e daí a gente foi se afastando um pouco e agora a gente mal se fala... Mas a gente era bem amigo... bem triste. (LUANA, 14.)

Outro exemplo sobre como esses adolescentes criam estratégias para burlar esse controle dos pais é exposto por Joana, ao comentar que prefere postar em grupos fechados ou em outras redes sociais que não o Facebook, já que nessa rede os pais e familiares também têm acesso: “eu até... tem grupos no Facebook. Eu comento muito em grupo, no Facebook em si eu não comento porque vai meus familiares vê e tals”.

Observamos, então, que este contexto em que as próprias editoras e autores “estão dirigindo-se diretamente aos leitores”, fazem com que ganhem espaço para criar conteúdo diretamente aos leitores, sem mediação dos pais ou escola. Eles criam conteúdos que chegam

ao perfil de rede social do adolescente, realizando promoções e conteúdos que estão fora dos cenários tradicionais (GEMMA LLUCH, 2017, p. 31).

É por esses motivos que Winocur (2009) ressalta que a internet é vista como um grande desafio para a autoridade desses pais, não só por tornar difícil o controle dentro da web, como acaba excluindo os pais do que se tornou relevante para seus filhos em termos de interesse e sociabilidade (WINOCUR, 2009, p.44). Por estarem na fase de transição que é a adolescência podemos entender como a internet, aliada aos amigos, pode ser considerada como outro espaço de socialização que proporciona aos adolescentes percepções distintas das trabalhadas na escola e pelos pais.

Isso fica claro quando Marcos comenta sobre um vídeo apresentado para a mãe quando esta disse que ele deveria seguir a profissão de médico ou de advogado, por estas serem profissões que lhe dariam estabilidade. Pelo contato que tinha com Youtubers, Marcos mostrou o vídeo à mãe, questionando o seu posicionamento, e defendendo que a escolha que ele tomar para o vestibular deveria ser de acordo com as suas preferências e não o que os pais esperavam dele. Ou seja, essas atitudes também dizem respeito ao que vimos sobre esse momento em que o adolescente se coloca contra muitas opiniões dos pais, criando sua personalidade e compartilhando aquilo que eles passam a ter contato em outros círculos sociais e que agora podemos ver também na internet, não só na rede de amigos da escola ou conhecidos. A internet também está se colocando como este ambiente que dá condições aos adolescentes de tratarem de assuntos com os pais.

O celular também é o responsável por “restaurar uma certa ordem familiar baseada na autoridade e no direito dos pais” (Winocur, 2009, p.62), quando todos ressaltam como os seus dispositivos são importantes meios de comunicação entre eles e seus pais para assegurar de que estão seguros e de que estão fazendo aquilo que avisaram aos pais. Exemplificamos com o caso de Marcela, ao comentar que leva o celular junto quando vai ler, pois a mãe não gosta de ficar sem resposta: “não… não às vezes né, porque a minha mãe diz pra eu ficar com o celular por perto, ou coisa do tipo e daí eu deixo assim... mas eu deixo no silencioso e não adianta, depois ela me xinga... (risada)” (MARCELA, 14). Para Winocur (2019, p.13), o celular permite estender virtualmente os laços de proteção do lar, pois ao estarmos conectados nos sentimos menos sozinhos e mais seguros, e estendemos isso à relação com pessoas na internet e com os amigos, pois, ao compartilhar suas opiniões ou ter alguém para trocar ideia sobre seus anseios, eles se sentem seguros.

Essas situações também estão atreladas ao período no qual se encontram, a adolescência, pois buscam sua independência, novas maneiras de se comunicar e de demonstrar seus gostos,

ideias, o que não os aproxima tanto aos pais e família, mas aos amigos. Portanto, os adolescentes são mais vigiados e monitorados pelos pais, mas estão cercados de possibilidades de burlar esses controles e permissões, criando espaços de fuga e liberdade, também pelas tecnologias e contato com informações compartilhadas entre os amigos.