• Nenhum resultado encontrado

1. PRÁTICAS DA LEITURA E ADOLESCÊNCIA

2.1 BREVE TRAJETÓRIA

Dentre as diferentes abordagens dos estudos que refletem sobre os meios, vamos destacar alguns que começaram a dar atenção ao lugar dos sujeitos nesse processo. As pesquisas iniciais que permitiam pensar no processo comunicacional acabavam por tratá-lo como algo linear, considerando a comunicação algo fechado em caixas e etapas, o que impedia de considerar outras questões envolvidas.

Os primeiros estudos estavam focados em compreender o que os meios poderiam fazer na vida das pessoas, isto é, buscavam compreender quais eram os efeitos produzidos por eles logo que começaram a se desenvolver. Entretanto, essa reflexão estava mais ligada ao que os meios poderiam pensar a partir desses estudos, ou melhor, como os próprios poderiam alcançar de maneira mais efetiva essa audiência. O que se sobressai desse primeiro ciclo é “uma visão linear, fragmentada e mecanicista da comunicação”. (GOMES, 2004, p.21).

Os estudos que centraram sua atenção nessa abordagem foram as pesquisas dos efeitos, que estavam orientadas para identificar os impactos provocados no público pelas mensagens. Esses estudos são advindos da tradição norte-americana, e os efeitos eram tidos como imediatos e poderosos. Dentre esses estudos encontramos os da Metáfora da Agulha Hipodérmica e o Modelo Matemático da Comunicação. Nesse momento, já havia indícios de que existia um receptor e um processo de recepção, e a audiência era pensada como algo homogêneo, que não era diferenciada e nem entendida a partir de uma ação, mas de uma ideia de passividade.

Em um segundo momento, os estudos dos efeitos, conforme Gomes (2004), passam a dar atenção a características individuais, psicológicas e às experiências dos sujeitos. Esses foram chamados de Estudos dos Efeitos Limitados, porque consideravam essas características dos sujeitos e as relacionavam com o que isso desempenhava na relação com as mensagens

midiáticas. Partiam do entendimento de que existiam variáveis entre os estímulos e as respostas, sugerindo acréscimos ao modelo matemático da comunicação. Entretanto, mesmo considerando algumas características e avançando na concepção dos efeitos, a autora pontua que ainda era uma visão restritiva, pois “efeitos são entendidos como influência a curto prazo e a problemática da eficácia das mensagens é reduzida a uma questão de formação de opinião, de atitude e de mudança de atitude”. (GOMES, 2004, p.44).

O terceiro momento, designado como o dos “usos e gratificações”, é quando a pesquisa chama atenção para a atividade da audiência pela noção do feedback, reordenando a pergunta de “o que os meios fazem com as pessoas”, para “o que as pessoas fazem com os meios”. (GOMES, 2004, p.61). As determinações para que os efeitos fossem percebidos estavam centradas apenas na satisfação das necessidades psicológicas dos indivíduos que, na verdade, seriam os receptores que fazem algo com os meios e não os meios com eles. Nessa perspectiva, a preocupação era compreender as motivações de determinado público, entretanto, ela permaneceria em uma definição mecânica de estímulo-resposta.

Iniciados na década de 1970, os estudos culturais têm origem britânica e transformaram-se, ao longo das últimas décadas, em um fenômeno internacional. Ligados ao contexto do Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS), em Birminghan, na Inglaterra, esse campo relaciona diversas disciplinas ao estudo de “aspectos culturais da sociedade contemporânea”. (ESCOSTESGUY; JACKS, 2005, p.37). Foi na segunda metade dos anos 1980 que a recepção começou a chamar a atenção dos pesquisadores do centro, a partir da publicação de Hall do texto “Encoding and decoding in the television discurse”. Esse momento se constitui como uma mudança, pois o interesse passa “do que está acontecendo na tela para o que está na frente dela, ou seja, do texto para a audiência”. (ESCOSTEGUY, 2001, p.31). Entretanto, é David Morley quem vai a campo realizar uma pesquisa empírica nos estudos culturais, com seu estudo de audiência intitulado “The nationwide audience”, que é considerado um marco nessa área de investigação.

Os estudos culturais compreendem que as “atividades sociais estão fundadas em e são dependentes de processos de produção de sentido”. (ESCOSTESGUY; JACKS, 2005, p.38- 39). Na comunicação, não devemos evidenciar exclusivamente os meios, dando espaço ao “circuito composto pela produção, circulação e consumo da cultura midiática”. (ESCOSTESGUY; JACKS 2005, p.38-39). Portanto, trata-se de estudos que entendem a comunicação a partir da cultura, isto é, da aproximação do cotidiano dos sujeitos e do contexto social.

Alinhados aos estudos culturais, nos aproximamos nesta pesquisa daperspectiva latino- americana, que entende a comunicação como um processo de inter-relação entre produção e recepção, um não podendo ser separado do outro, tendo como autores de referência Martín Barbero, Guilherme Orozco Gómez e Néstor Garcia Canclini. Esse lugar para onde se voltam os olhares dos pesquisadores destaca esse deslocamento, a necessidade de prestarmos atenção no que as pessoas fazem, como elas se posicionam, como geram interpretações diferentes com base naquilo que elas consomem nos meios de comunicação.

Como já mencionamos na introdução do trabalho, o mapa de Martín-Barbero (2003) é importante para a compreensão das reações constitutivas entre comunicação, cultura e política. As mediações que compõem esse mapa se referem a experiências individuais adquiridas ao longo da vida, que propõem negociações ao que é hegemonicamente apresentado no e pelo texto midiático. Portanto, as mediações são importantes por “reconhecer que a comunicação está mediando todas as formas da vida cultural e política da sociedade” (LOPES, 2014, p. 72). Discutiremos posteriormente essa perspectiva para compreender as concepções do autor enquanto mediações importantes para nosso estudo.

Orozco Gómez, também referência no contexto latino-americano, debruça-se sobre a noção de mediações operacionalizando a noção proposta por Martín-Barbero. O pesquisador mexicano formula uma tipologia de mediações que resulta de suas experiências de pesquisa empírica, especialmente voltadas à televisão (COGO, 2007, p.5). O autor vai abordar as mediações a partir de distintas tipologias tendo como principal eixo a noção de mediações múltiplas: mediação individual, mediação situacional, mediação institucional e a mediação videotecnológica.

Os estudos de recepção permitem um distanciamento da concepção de poder da produção e da passividade do receptor nessa relação, partindo do entendimento de diferentes mediações para compreender, de maneira mais complexa, o processo comunicacional, levando em conta tudo o que envolve a produção de significados, usos e apropriações.

Conforme Cogo (2007), os usos, ou as lógicas de usos, são uma noção que possibilita aos estudos de recepção se distanciarem da vertente de usos e gratificações, por não restringirem as interações dos sujeitos aos efeitos e reações, também por levarem em conta os conflitos e resistências inseridos nessa relação. É o que propõe Martín-Barbero com a noção de mediação utilizada pelos pesquisadores da recepção para a compreensão das interações específicas dos meios de comunicação ou dos processos mediáticos.

Diante desse cenário, atualmente, as pesquisas de recepção estão se reconfigurando à medida em que as tecnologias e os meios se transformam. Como dar conta dessas

transformações? Tanto Cogo (2007), como Orozco Gómez (2011), Martín-Barbero (2003) e Lopes (2011) trazem à tona essas discussões recentes para pensarmos em novas possibilidades, e colocam novas questões metodológicas para refletirmos a comunicação e a recepção. Cabe ressaltar o que destaca Lopes (2011, p. 414), que “o ambiente dos novos meios exige mais do que nunca o enfoque teórico complexo das mediações na recepção”.

As reconfigurações, tanto da televisão como da internet, impõem pautas diferentes para a compreensão dos pesquisadores da área. A transmidiação, as novas interações proporcionadas pelos meios e a convergência são pontuadas por Orozco Gómez (2011) para levantar novas possibilidades na recepção. As concepções dos autores é que devemos combinar vertentes de investigação para abarcar a pluralidade de interações que hoje é possível pelos sujeitos. Entretanto, também chamam a atenção para as dificuldades de se pesquisar na rede, tanto pela questão da privacidade, como dos novos lugares ocupados por esse sujeito para interagir com o meio, não sendo mais a sala de casa, mas no quarto, no celular, em ambientes mais privados.

Outra consideração importante de Orozco Gómez (2011) é sobre as pesquisas quantitativas que podem ser importantes para essa nova configuração, sendo possível, a partir de um esforço metodológico, reforçar as pesquisas etnográficas colocando-as em perspectiva em relação às pesquisas de audiência, que fazem levantamentos mais quantitativos de usos e consumo dos diferentes meios. Como a metodologia dos estudos de recepção é centrada em captar o cotidiano dos sujeitos e suas interações com os meios, a etnografia é o principal eixo metodológico adotado. Com uma descrição densa e caráter interpretativo e reflexivo, essa metodologia é capaz de identificar os momentos de recepção e confrontar os usos dos diferentes receptores. Por isso, precisamos pensar essas descrições e análises do cotidiano de maneira que deem conta da recepção em uma sociedade em rede, pois, como bem nota Cogo (2007, p.8), “uma das agendas pendentes dos estudos de recepção consiste justamente no esforço de podermos abranger os estudos do processo comunicacional como um todo”.

Diante dessas abordagens precisamos elencar os caminhos da nossa pesquisa, compreendendo os percursos já realizados e nos aprofundando na recepção da leitura. Para isso, no próximo tópico discorremos sobre esses pontos.