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A leitura do livro ilustrado: algumas aprendizagens

CAPÍTULO 3 – PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO: AS

3.3. A leitura do livro ilustrado: algumas aprendizagens

Se o adulto impõe à criança o comportamento que ela deve ter, o bom jeito de ler, se ela se submete passivamente à autoridade de um texto, encarando-o como algo que lhe é imposto e sobre o que ela deve prestar contas, são poucas as chances de o livro entrar na experiência dela, na sua voz, no seu pensamento. Apropriar-se efetivamente de um texto pressupõe que a pessoa tenha tido contato com alguém – uma pessoa próxima para quem os livros são familiares, ou um professor, um bibliotecário, um fomentador de leitura, um amigo – que já fez com que contos, romances, ensaios, poemas, palavras agrupadas de maneira estética, inabitual, entrassem na sua própria experiência [...]. (PETIT, 2009, pp. 47-48)

Apesar da composição esteticamente trabalhada entre texto, imagem e o projeto gráfico, o livro ilustrado nem sempre é acompanhado de uma prática de leitura que explore tal composição. Indicado para o público infantil, o livro ilustrado - se lido na dimensão em que ele é constituído, pode apresentar certa dificuldade para os pequenos leitores e até mesmo para o adulto. Isso porque o livro ilustrado não oferece leituras simplificadas, menos exigentes, ainda que as consideradas mais simples e mais redutivas, que não alcançam ou não exploram os aspectos constitutivos do livro ilustrado, sempre possam ocorrer.

Na leitura realizada com a professora Flávia, utilizamos o livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray (Figura 42), e no desenrolar da trama, a professora realizou comentários que promoveram indagações, observações e hipóteses. A proposta não era a leitura desse livro para ser conhecido antes de uma aula, mas para compartilhar essa prática com uma leitora interessada, curiosa e ávida por sua história. Os trechos abaixo evidenciam tal situação:

Figura 42: Livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 10-11.

Flávia: Nossa! Mas, que dente é esse, gente?

Pesquisadora: E a chapeuzinho, como que ela está mesmo com o lobo?

Flávia: Ela tá ali... não tá recuando... parece que se precisar ela ataca também. Ai, ai, ai, ai, ai...

Pesquisadora: (continua a leitura) “Tenho uma bala!” “Ahn... obrigado”. Flávia: Ainda vão virar amigos, se bobear! E ele aceita.

Pesquisadora: (continua a leitura) “Engole.”.

Flávia: Gente! Ela até sentou! Ai, será? Ah! Não! Será que o lobo vai morrer engasgado? E ela tá ali, só no camarote!

Pesquisadora: (continua e leitura) “Arrrgh”.

Figura 44: Imagens do lobo após ter engolido a bala, p. 32, 33 e 34.

Pesquisadora: (após as cenas acima, há uma página em branco no livro que parece indicar um tempo de silêncio que se rompe com Chapeuzinho Vermelho)

“Tolinho!”.

Figura 45: História Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 35-36.

Flávia: Poderia dizer que não é uma coisa de terror, mas uma coisa meio sinistra, né? Menina... Menina! Ela já estava com essa bala para o lobo há muito tempo!

Pesquisadora: Agora... olha isso aqui! Que imagem é essa? De quem é essa visão? Que formato que é esse aqui?

Figura 46: Quarta-capa do livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray.

Flávia: Parece um olho.

Flávia: É o olho dele. Ele tá morrendo... e a última imagem dele é a da chapeuzinho (silêncio). Gente! (pega o livro e aprecia).

(FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Durante a leitura do livro, Flávia cotejou, comparou, investigou semelhanças e diferenças, espantou-se. Entreteu-se com a história mediada entre leitores. Em outro exemplo:

Neusa: Ah! Esse aqui as crianças iriam reconhecer (se referindo ao livro “A casa sonolenta”). Eu gosto muito desse livro por causa das cores que mudam, do desenho dos personagens com roupas de outra época. Lembra aquele livro do “Rei bigodeira e sua banheira”. Agora, eu não tinha percebido todo esse movimento de câmera, a pulga que está acordada desde o início da história, o tempo que vai passando. É muita coisa que eu não via porque ficava mais no texto escrito. Por causa disso, hoje a história tem outro sentido para mim.

Em outro trecho:

Neusa: Nossa! Olha o tamanho desse! É enorme! (se referindo ao livro “Pequena coisa gigantesca”).

(NEUSA, entrevista, 29 set. 2015)

São descobertas, indagações, surpresas, idas e voltas no texto, quanto à maneira de ler que parece ocorrer diante da conexão que se estabelece junto aos detalhes do livro, inscritos em seu projeto gráfico, que envolve a materialidade e o cuidado dispensado ao conjunto de seus componentes, inclusive a tipografia. São protocolos textuais e tipográficos83 que, juntos, anunciam a importância do aspecto visual nos livros ilustrados contemporâneos, promovendo uma prática de leitura que privilegia a relação íntima entre texto e imagem.

Laura: Esse aqui também parece legal: “Um bebê vem aí”. Ai que bonitinho! (ficou apreciando o livro). Nossa! A mãe fala uma coisa e ele pensa e imagina o que a mãe fala de forma diferente...

83

Segundo Ferreira (2012), protocolos textuais e tipográficos são conjuntos de dispositivos acionados e incluídos pelo editor, autor, ilustrador, visando o controle da leitura, propondo e orientando significado aos leitores. Apoiada em Chartier (1990), esses dispositivos são, para Ferreira, de natureza "textuais" quando decorrem das estratégias próprias do campo da escrita (pelo autor), e da imagem (pelo ilustrador), e de natureza "editoriais" ou tipográficas quando decorrem da passagem do texto ao impresso (p. 145).

Figura 47: Livro Um bebê vem aí, de John Brurningham/Helen Oxenbury, p. 9, 10, 11 e 12.

Laura: Ai... vou ficar com esse aqui! (risos)

Pesquisadora: Tem esse que se chama “A árvore generosa”. Laura: Não conheço! (folheou o livro). Ai que lindo!

Pesquisadora: Então, às vezes, a potência da história está no traçado de uma ilustração que pode ser simples, mas carregada de intenções e sentidos a depender do leitor.

Figura 48: Livro A árvore generosa, de Shel Silverstein, p. 19-20.

As práticas de leitura do livro ilustrado feitas por Neusa e Laura, evidenciam a importância de um olhar diferente, que envolve a potência que se encontra na ilustração, lida, apreciada e questionada no conjunto com outros dispositivos, como a tipografia das letras, a disposição do texto na página, o jogo de cores, a materialidade do livro. Vejamos:

Neusa: Esse livro ilustrado não conhecia, tanto que até essa questão do acervo... Mas, tem essa questão do olhar diferente. (Entrevista, 19 set. 2015)

Laura: É um olhar diferente. Em tanto tempo de magistério, ninguém fez isso comigo! (Entrevista, 19 set. 2015)

Flávia: Cada livro que tá aqui ou outro livro exige um movimento de mostrar isso. Então, ele provoca, como você trouxe aqui... eu me coloquei na condição de estar apreciando. Fiquei pensando agora como seria isso com as crianças, porque aí é um outro desenvolvimento e que eu nesse momento não tenho ideia de como seria. Não tenho ideia como eu faria isso. Porque na verdade tem uma certa elaboração, não é um espontaneísmo, até porque é um movimento novo. Você pega o livro de outra forma... é uma questão de olhar. Você começa a compreender a linguagem do livro que até então é diferente da linguagem do livro que eu li que, até então, a imagem apoia, se não tem imagem também tudo bem. (Entrevista, 22 out. 2015)

Carina: Nossa! É uma leitura do olhar! (Entrevista, 23 out. 2015)

A leitura produzida pelas professoras é mediada por questões colocadas por elas, ao longo de sua formação como professora leitora da produção infantil, como em Goulemot (2001, p. 107), a questão de que “ler é constituir e não reconstituir um sentido”, que se faz, neste caso, na comparação com tudo já lido e na "conversa" com a pesquisadora. Uma tentativa de acerto de uma compreensão, uma produção de sentidos no espaço entre texto e imagem.

Na interação com o outro, a leitura se multiplica e outras possibilidades passam a ser consideradas:

Laura: Até tem uma questão como, por exemplo, se tivesse a gente caminhando para entrar na casa [...] coisa que a gente passaria as páginas e já ia direto no texto.

Pesquisadora: No livro ilustrado a história começa na capa pela organização do título, pela disposição dos personagens. Há indícios da história na quarta-capa, nas guardas... Nesse aqui, parece que tem uma pessoa caminhando, indo em direção à casa, por causa do portão aberto e, depois, a casa já é apresentada. Porta entreaberta, a chuva [...] o texto escrito fala que tempo é esse, que época é essa, que período é esse?

Laura: Não!

Pesquisadora: Onde é que vai mostrar o período, a época, o tempo? Quem vai dar elementos para tentarmos inferir o tempo em que acontece essa história, se o texto escrito não traz essa informação?

Laura: São as figuras!

Pesquisadora: O tipo de cama...

Laura: Nossa! É mesmo!

Pesquisadora: Olha a roupa, a touca...

Figura 50: Livro A casa sonolenta, p. 5-6.

Laura: É mesmo...

Pesquisadora: Aquelas touquinhas, o tipo de espelho, de móvel... Aí... uma outra coisa: o texto escrito diz se a história está passando de dia, se está passando de noite, se está passando de madrugada?

Laura: O texto não, mas a figura sim!

Pesquisadora: Então, olha o que vai acontecendo na ilustração. Olha só, está de noite e está chovendo!

Laura: São questões que a gente não presta atenção... é que não olha para isso! Não tem esse detalhamento. Esse livro é tão antigo que nem tem desculpa de não conhecer ele. Quantos alunos passaram pelas minhas mãos e eu li esse livro e não falei sobre nada disso. Nossa! A leitura é outra juntando tudo isso que aparece.

Pesquisadora: Olha só a luz da lua no rosto do menino... aliás, sobre a cama da vovó!

Figura 51: Livro A casa sonolenta, p. 7-8.

Laura: É verdade! Se fosse ler, eu ia ler só o texto e não ia mostrar as figuras. Não ia fazer questionamentos do desenho, não ia ter todas essas relações porque eu nunca fiz isso.

Pesquisadora: E olha o que está escrito: “Em cima dessa avó tinha um menino, um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo”. Em nenhum momento fala...

Laura: Que horário que eles estão dormindo... como é essa casa...

Pesquisadora: Isso mesmo! O horário, que lugar é esse, que luz é essa. Enquanto isso, lá do outro lado, a pulga está caminhando.

Laura: Nossa! É mesmo! Agora o que é legal que eu também não tinha visto é que o personagem que vai subir na cama já aparece levantando de onde está dormindo na página anterior. Dá para antecipar quem vai ser e eu fazia meus alunos memorizarem a ordem deles e não ler. Meu Deus!

Pesquisadora: E vira a página de novo: a pulga desceu mais um pouquinho e olha o que está acontecendo com a luz que entra no quarto: começa a clarear, está vendo? A pulga já desceu mais um pouquinho e olha só como é que está ficando claro e todo mundo dormindo. Na outra página: cadê a pulga? Já está aqui no jarro! E o tempo está passando, você percebe que a imagem vai mostrando que o tempo está passando na história. A pulga está andando enquanto todos estão dormindo. Só que quando trabalhamos com esse livro ficamos preocupados apenas com a acumulação. Então, é o gato, depois o rato, depois o cachorro, depois o menino...

Figura 52: Páginas do livro que mostram o movimento da pulga (do alto do encosto da cadeira até a jarra d’água) ao longo da história enquanto todos dormiam, p. 5, 7, 9, 11 e 13.

Laura: Nossa! Nunca fiz toda essa relação! Estou vendo essa história de outra forma. Todo professor precisa saber disso porque as aprendizagens das crianças vai ter outra qualidade.

(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

A pesquisadora – que é também a mediadora na leitura – oferece determinada informação antes e durante a leitura e questiona, faz pausas para ouvir, acrescenta e incorpora a fala do outro. A professora se espanta com um olhar (da pesquisadora) que orienta o texto, a compreensão. A professora mostra-se acostumada com a leitura do conteúdo, do enredo das histórias, mas parece pouco familiarizada com uma prática de leitura voltada para a ilustração, uma leitura que detalha, busca indícios na imagem para produção de outros sentidos não aqueles dados apenas pelo texto verbal. Sendo um livro que há tempos faz parte do acervo, a prática de leitura seria aquela confirmada pela compreensão do enredo. As professoras apontam para uma prática de leitura que escolariza e leva à memorização de aspectos do enredo, prática esta que as crianças devolvem à professora. Até então, a professora Laura afirma: "Eu sempre li o texto escrito para meus alunos e se fosse ler de novo faria do mesmo jeito. Depois de hoje a leitura é outra. Eu nunca havia percebido essas coisas".

Na prática de leitura do livro ilustrado, uma nova dimensão se impõe: explorar as ilustrações e os textos, na tentativa de romper com a leitura tradicionalmente presente na cultura escolar. Uma cultura em que a maioria dos professores lê com as crianças sentadas em

fileiras, em voz alta, dando pouca visibilidade às ilustrações, respondendo ao conteúdo curricular, formulando questões como, por exemplo: do que será que essa história vai falar? Ou então, uma leitura marcada inicialmente para apresentação do título do livro, nomes de autor e ilustrador, editora, exploração da ilustração na capa, estratégias que, segundo a escola, ajudam a antecipar o enredo e envolver o leitor na história.

Distante das leituras já padronizadas e bastante usuais na escola, o ler o livro ilustrado indica que o movimento parece ser outro:

É uma criação, porque quando você estuda o livro, você pode começar a leitura de várias formas, porque aí é a questão de quem tá lendo entender o livro. E aí também tem várias compreensões. Então, é esse estudo que preciso fazer com o livro para as próximas aulas, porque é uma linguagem nova. Não é só mostrar a capa, ler as informações, começar a leitura, fazer perguntas... Por isso que eu preciso estudar o livro que vou escolher. É o que eu falei da sintonia... Agora eu vejo que pra ter essa sintonia é preciso estar preparado para a leitura fluir e não ficar meio robótica. E, para isso, é preciso ter o conhecimento do livro, da história, que caminho eu vou... E esse livro tem essa exigência, esse perfil de leitura. Até as crianças vão ter um jeito de receber esse livro... Vai ser até uma pesquisa minha investigar isso! (FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Se o livro é novo para o professor, o modo de lê-lo também o é, como bem sabia Flávia que se dispõe a estudar, pesquisar e se envolver com ele. A leitura de um tipo de livro novo desafia o papel de professora, sua responsabilidade na construção de um conhecimento também para a criança: ler previamente a obra, explorar a imagem, elaborar várias formas de ler. Nesse desafio, a professora adere completamente à proposta da pesquisa: ser leitora de livros ilustrados, em um movimento formativo para se tornar a professora leitora em sua sala de aula. Vejamos outra prática de leitura do livro ilustrado com a professora Neusa:

Figura 53: Página dupla do livro Este chapéu não é meu, com cenas que mostram a passagem do tempo da narrativa e o chapéu de volta a seu dono, p. 31-32.

Neusa: Gente! Ele comeu o peixe? Ele conseguiu o chapéu de volta! Olha o tamanho do chapéu na cabeça dele!

Pesquisadora: E o que aconteceu com o peixe? (risos)

Neusa: (risos) Olha! Tô parecendo meus alunos! São várias hipóteses, né?

Pesquisadora: Esse é outro ponto da literatura, que não traz uma resposta fechada, dá margens para várias possibilidades. Ele comeu o peixe? Ele pegou o chapéu e largou o peixe lá? O peixe se perdeu no meio daquela mata toda?

Neusa: Nem no escrito e nem na imagem. Tá tudo no ar!

Pesquisadora: Agora, não vai aguçando essa curiosidade?

Neusa: Vai! Cada livro tem uma beleza...

(NEUSA, entrevista, 29 set. 2015)

A professora "reproduz" em sua experiência a prática de leitura, tantas vezes encenada na sala de aula e incentivada nos cursos de formação, que é levantar e explicitar oralmente as hipóteses sobre a continuidade do enredo. E a pergunta realizada pela pesquisadora também "reproduz" uma prática de leitura, que é a de colocar questões para conduzir o olhar da professora para a imagem, para o texto, para a incompletude de dizer pelo narrador (autor e ilustrador).

O caminhar deu-se numa linha tênue entre ler, trazer pontos de observação sobre o livro (formas de marcação de diálogos, ilustrações na página dupla, relação entre texto e ilustração, leitura de guardas e quarta-capa, entre outros) e compartilhar suas características, a construção de enredo, um modo diferente de ler. Construção de sentidos, novos olhares, aprendizagens, busca de pistas na história para descobrir algo, uma prática de leitura compartilhada, vivenciada, oralizada na companhia do outro:

Fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência que dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo- nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, M., 1987, apud LARROSSA, 2004, p. 162)

A prática de leitura do livro ilustrado, neste momento, não foi puro deleite, nem apenas uma leitura compartilhada, ou ainda uma leitura em voz alta ou uma silenciosa. Esta prática foi configurada no espaço entre as experiências de leitores distintos, no estudo de um

tipo de livro, uma prática de leitura cuja finalidade, em uma entrevista de formação com professoras, traz "conversa", "diálogo", direcionamentos, surpresas, conhecimentos: é possível ter diferentes maneiras de iniciar uma leitura, há várias compreensões sobre o mesmo livro que, muitas vezes, pode não ser a desejada pelo professor; estudar o livro e conhecê-lo transforma o movimento de leitura e o envolvimento do leitor.

Até porque também tem uma coisa que também foi se evoluindo. A escrita da literatura infantil... E hoje tem essa abordagem essa outra maneira da gente ler. Não que não existia, podia até existir, mas a exigência, trazendo outra forma de se fazer leitura. [...] É... a história começa na própria capa e no outro livro não. Nossa! Exige uma outra visão, outro olhar, outro nível! (FLÁVIA, 22 out. 2015)

Um conhecimento que pode ser novo porque os tempos mudaram, os livros são outros, o mercado editorial dispõe de recursos tecnológicos etc. Uma surpresa ou curiosidade que a conexão entre texto e imagem convoca, aspecto que, de acordo com as professoras, não foram vividos em formações junto a outros livros. Nessa direção,

Os leitores entretidos em uma página por um detalhe específico, atentos aos efeitos da diagramação, surpresos pela ousadia de uma representação ou encantados por uma inesperada relação texto/imagem descobrem nesses momentos uma dimensão suplementar à história. Ao passo que outros há muito tempo já consideram o livro ilustrado um tipo de obra cujas amplitude de criação e habilidade dos autores e ilustradores apelam para ferramentas que permitem apreciar ao máximo o seu funcionamento. (LINDEN, 2011, p. 7)

Na prática de leitura de Flávia sobressaem as operações, os gestos, os risos, as pausas, os comentários, as dúvidas suscitadas na continuidade da leitura, na aproximação espacial da professora em direção ao livro, no deslizar do olhar sobre as páginas na busca de compreensão:

Flávia: É, mas esse lobo aqui tá com cara meio sinistra no sentido de que tô querendo alguma coisa além do que eu tô querendo falar.

Flávia: Quer dizer... não conheço porque esse rabiscado aqui eu não vi (se referindo à guarda do livro)! Nossa! “Uma chapeuzinho como você nunca viu...” (se referindo à quarta-capa do livro). Eu tô achando que essa é bem da nossa realidade... (risos)

Flávia: Nossa! Eu tô achando que esse urso tem problema na vista... faz de conta que enxerga, né!

À medida que determinada capa do livro, página dupla ou a sucessão de várias páginas evocam muitas informações ou vários detalhes ao mesmo tempo, as professoras fazem uso da descrição, parecendo sentir uma necessidade de organizar a quantidade de

informações a que têm acesso e de compartilhar isso com o outro. Livros são segurados em suas mãos. Gestos apontam cada detalhe que pode ser importante na continuidade da leitura:

Flávia: Nossa! É muita informação... olha a cor da capa... olha as letras (a professora folheia e lê o livro com risos). Olha o cachorrinho, que danado... Meu Deus!!! Olha a personagem o que faz!!! Que é isso? Eu nunca vou esquecer... Olha isso... Jesus!!! Flávia: Vermelho, triangular... quanto ao urso, até eu achei que fosse um castor pelo desenho... (risos)

Rosana: A chuva tá bem gostosa, tá aquela chuva tranquila, mas tá bem fortinha, não tá aquela garoinha fina... olha quanta água já juntou aqui!