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CAPÍTULO 4 AS PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO EM

4.2. Oper(ações) que constituem as práticas de leitura

4.2.2. Critérios para escolha dos livros

As escolhas do objeto livro também envolvem critérios que são definidos pela professora, a partir de orientações dadas em cursos de formação e/ou presentes nos discursos oficiais dos projetos e programas trabalhados em rede. Isso porque a escola, os programas de formação, as avaliações, o currículo, o tempo e vários outros elementos que constituem o cotidiano escolar constelam a professora que atua dentro da sala de aula para se sustentar na relação de tensão entre o que pensa e o que pensam que é necessário ser feito durante as práticas de leitura. Esses critérios de escolha envolvem, por exemplo, obras que ensinem as crianças a ler e a escrever, que ensinem a produzir e reescrever, que tenham coerência, coesão e texto verbal para que o enredo não se construa apenas pela imagem, configurando-se, assim, como uma força dada a ele, bem distinta da que lhe é conferida pela imagem (NEUSA, entrevista, 28 set. 2015). Nessa direção, encontramos um primeiro aspecto: a leitura do livro ilustrado ainda não está presente nas orientações oficiais, porém o livro existe e suas relações são distintas.

As escolas investigadas recebem livros do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), entre outros. Nesses acervos, há alguns livros ilustrados, mas a escola desconhece a especificidade desse tipo de obra, ou desconhece práticas de leitura que a explorem de maneira distinta dos livros tradicionalmente conhecidos como próprios da literatura infantil. O fato é que, independentemente do tipo de livro, as professoras leem seguindo as orientações dos cursos de formação ou do programa trabalhado que, por sua vez, direcionam o olhar mais para o texto verbal disposto em um determinado gênero (poesia, contos, aventura etc.) e para determinada finalidade de leitura (informar-se; ter prazer; compreender etc.). Isso porque não se ensina, nas formações e na escola, a ler ilustrações na relação com o texto verbal e em relação a si mesma. Com relação à leitura das ilustrações, o que encontramos são práticas de leitura de imagens que mostram ou validam o que o texto verbal diz e, em outros casos, a leitura das ilustrações se restringe a sua descrição.

Os critérios de escolhas dos livros a serem lidos são distintos, dependendo do nível (ano) de escolaridade. Para os professores alfabetizadores, os livros escolhidos são os de textos curtos, que ajudam no ensino/aprendizagem das famílias silábicas, mais fáceis de serem compreendidas pelas crianças, segundo as professoras. Para os "mais adiantados", são escolhidos livros que ajudem a aprender a ler e escrever textos, como coloca a professora Neusa (entrevista, 28 set. 2015).

Também são critérios de escolha dos livros as finalidades de leitura: lê-se para alfabetizar; lê-se para produzir; lê-se para reescrever; leem-se frases, palavras e sílabas para ampliar o repertório durante a alfabetização; leem-se textos pequeninos para “guardar a leitura” intencionando fazer uma reescrita, cuja finalidade também passa a ser a alfabetização, como se pode notar, por exemplo, no depoimento abaixo:

[...] eu leio para o 3º e para o 2º ano dessa forma porque senão eles não conseguem fazer a reescrita. E, nessa questão da reescrita, eu leio para eles, às vezes, textos pequenininhos, mas assim... é mais focado com o objetivo que eles, por exemplo, possam guardar a leitura, [...] às vezes, se eu leio uma fábula, então li hoje, amanhã já não vou ler, aí vou ler amanhã, só que depois de amanhã, depois da leitura vou pedir para eles me falarem: “Olha gente, como é que começa a história?”. E assim, para eles guardarem, para eles poderem fazer a reescrita. Porque é como eu falei: “A minha preocupação é que eles saiam todos alfabetizados”. Então, esse é meu desespero! (LAURA, entrevista, 28 set. 2015)

A leitura voltada para a finalidade de produzir textos possui uma característica distinta da leitura que intenciona apenas a alfabetização. Ela pode ser também instrumento para a construção de um vocabulário rico, recebendo assim um estatuto de maior importância. Comparando ambas as finalidades de leitura, a professora Neusa diz:

[...] essa é a diferença para a leitura de um livro desse de alfabetização porque não estou levando uma leitura, na verdade, de qualidade voltada para essa formação que eu também quero que eles tenham um tanto de um conhecimento de um vocabulário mais rico. Então, os meus critérios são baseados nisso! (entrevista, 28 set. 2015)

Outros aspectos norteiam os critérios para a escolha dos livros lidos. Um deles envolve a orientação que programas como, por exemplo, o Ler e Escrever indicam como leitura, pois segundo a professora Flávia (entrevista, 22 out. 2015), “[...] tem momentos que a gente tem uma série de gêneros que tem que trabalhar”, se referindo a parlendas, cantigas populares, receitas, legendas, contos de fadas, regras de brincadeiras, trava-línguas, fábulas, entre outros, recaindo suas escolhas sobre algo direcionado. Assim sendo, há uma proposta de formação de leitores no Programa Ler e Escrever baseada na importância de oferecer a diversidade de títulos, gêneros, temáticas, autores e ilustradores, aspectos esses que também compõem os critérios de escolha dos livros. Outro critério que tangencia a escolha dos livros é

a diversidade de títulos de um mesmo gênero e não a diversidade de gêneros, objetivando a ampliação de repertório no interior de uma mesma proposição de leitura.

Na multiplicidade de critérios que aqui se apresenta, identificamos escolhas relacionadas ao que é necessário ser lido e não apenas ao que é de interesse da criança. Os critérios são aqueles indicados pelas formações, orientados pelos programas, pelo "gosto" da professora (o que ela considera melhor/importante para a criança) e pelo conhecimento que ela tem de tal obra ou autor:

[...] eu procuro trazer livros que a gente já conheça biografia, que a gente já tenha ouvido falar algumas referências a respeito [...], livros que trazem o tema do que eu quero tratar e aí eu pesquiso e vejo que tem determinados livros e aí eu procuro dentro do acervo que eu tenho próprio ou que na escola tenha para que seja propiciado. Então, tenho alguns critérios... alguns que quando leio eu falo, “nossa, esse seria interessante para os meus alunos”. Eu falo que professor tem muito isso né, a gente vai num lugar, bate o olho e fala, “nossa, esse seria muito interessante. E aí é um critério também”. (CARINA, entrevista, 23 out. 2015)

Indicar livros que conhecem, dos quais gostam, os quais acham que ajudarão na formação do outro, são aspectos que constituem tais escolhas. Os depoimentos nos mostraram que há um discurso social sobre leitura, configurado pelas práticas e representações em torno da leitura e do leitor. Na escola, a leitura está na mão do professor que escolhe, planeja, conhece o que pode ser bom para a criança ou para toda a turma pelos modelos e finalidades indicados pelo Programa Ler e Escrever, pela experiência leitora que possui e pelos livros que conhece. Uma escolha que não é individual e tampouco livre. Há orientações, correções, cobranças, trocas entre professoras, elementos estes que impõem e disciplina essas escolhas.

Uma vez escolhido o livro pela professora, há todo um fazer com ele que envolve as práticas de leitura constituídas nos rituais de apresentação do livro pelas professoras às crianças, nas chamadas para a leitura, nas operações que movimentam os sentidos durante a leitura (as pausas, as explicações, as contextualizações, as interrupções, as complementações, as substituições de palavras, entre outras), formatadas pela cultura escolar. Tais práticas são permeadas pelas concepções de criança, leitura e literatura infantil na relação entre o que se pensa e o que se produz, aspectos esses que constituem a lógica da formalidade das práticas que, talvez por excesso de prescrições e orientações, fizeram com que a escola pouco tivesse espaço ou autonomia para criar, inventar e problematizar outras situações de leitura que não aquelas já instituídas pelos discursos oficiais.