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Descobrir um lugar (a escola): suas maneiras de pensar e fazer as práticas de

CAPÍTULO 2 – NOSSAS FONTES E NOSSO LUGAR DE PESQUISA

2.2. Entrar no lugar a ser pesquisado (a escola): um caminhar que envolve tensões,

2.2.1. Descobrir um lugar (a escola): suas maneiras de pensar e fazer as práticas de

Não tem como negar esse pedido para a Andréa. Vamos aprender muito! (CARINA, 31 de ago. 2015)

Nem tenho o que pensar! Me sinto privilegiada por fazer parte desse estudo. Não é para qualquer um! (FLÁVIA, 31 de ago. 2015)

Nem pensei em dizer não! Até porque conheço seu trabalho. (LAURA, 31 de ago. 2015)

Essa é minha primeira experiência desse tipo. Tenho certeza que vai ser muito importante para mim. (ROSANA, 31 de ago. 2015)

O processo inicial foi moroso e envolveu a leitura e discussão do projeto de pesquisa; o recebimento das autorizações assinadas pelos pais e professoras; reuniões com professoras e pais de alunos46. No final, a pesquisa envolveu todas as crianças nas aulas de leitura, mas tivemos o cuidado de filmar e/ou fotografar apenas aquelas de quem recebemos autorização escrita dos pais. Ainda assim, para preservar a imagem de todas as crianças, optamos por filmá-las de costas ou de lado, ou utilizamos o efeito de rosto censurado, respeitando assim o posicionamento dos pais e a regulamentação que atualmente rege as pesquisas.

2.2.1. Descobrir um lugar (a escola): suas maneiras de pensar e fazer as práticas de leitura

Coexiste, contudo, com esta história e existência documentada, outra história e existência não documentada, através da qual a escola toma forma material, ganha vida. Nesta história, a determinação e presença estatal se entrecruza com as determinações e presenças civis de variadas características. A homogeneidade documentada decompõe-se em múltiplas realidades. Nesta história não- documentada, nesta dimensão cotidiana, os trabalhadores, os alunos e os pais se

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Tivemos 116 famílias que autorizaram as filmagens ou fotos, e 23 famílias que não autorizaram o uso de imagem para a pesquisa.

apropriam dos subsídios e das prescrições estatais e constroem a escola. (ROCKWELL e EZPELETA, 2007, p. 134, grifo da autora)

O excerto acima se configura como um princípio que utilizamos para caracterizar as escolas em que as professoras, sujeitos dessa pesquisa, atuam. A identidade e a hegemonia que constituem cada instituição se faz presente em diferentes documentos produzidos por ela (a escola) e pela rede de ensino, tais como o Projeto Político Pedagógico, as Normas de Gestão e Convivência, o Regimento Comum das Escolas Municipais de Cajamar, as atas de reuniões de Conselho de Escola e Associação de Pais e Mestres (APM), os planejamentos, o currículo, sínteses de HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo), entre outros. No entanto, acreditamos que a escola é uma instituição potente contra a hegemonia, quando olhamos para uma realidade não documentada e multifacetada nas mais distintas realidades. São prescrições, imposições e controle de um sistema que ao serem apropriados por seus usuários permitem a inventividade e o uso de táticas.

Não há prática educativa, como de resto nenhuma prática, que escape a limites. Limites ideológicos, epistemológicos, políticos, econômicos, culturais. Creio que a melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa. Esta afirmação recusa, de um lado, o otimismo ingênuo de quem tem na educação a chave das transformações sociais, a solução para todos os problemas; de outro, o pessimismo igualmente acrítico e mecanicista de acordo com o qual a educação, enquanto supra-estrutura, só pode algo depois das transformações infra- estruturais. (FREIRE, 2001, p. 47)

Nessa perspectiva, olhamos a caracterização das escolas para além de um espaço em que se reproduz conhecimento, pois a entendemos como lugar de formação e produção. Desse ponto de vista, utilizamos a teoria das práticas cotidianas (CERTEAU, 2007, p. 17), “[...] para extrair do seu ruído as maneiras de fazer [...]”, utilizando como operações de pesquisa a observação, em conexão a certa busca e interpretação do que pode ser observado na escola. Para tanto, não estaremos lidando com verdades absolutas segundo a visão da pesquisadora, mas com representações que podem nos ajudar a “decifrar o pergaminho” (CERTEAU, 2008), buscando compreender a organização, os princípios e as práticas das escolas.

Nessa direção, observamos a escola considerando as discussões sobre as práticas cotidianas no par "disciplina e invenção", ao olharmos o seu projeto que sugere as maneiras de pensar e fazer dos sujeitos diante do que está prescrito, pois a disciplina e a invenção existem porque a escola se situa no cruzamento de duas dinâmicas culturais: de um lado temos a invenção e a expressão da cultura compartilhada pela maioria e, do outro, encontramos a vontade disciplinante e o projeto da cultura dominante (CHARTIER, 2004, p. 23), que dita o

que necessita ser feito para que as crianças aprendam. É preciso ressaltar que disciplina e invenção não são conceitos que utilizamos em oposição, mas geridos a par devido à pressão do coletivo e à disciplina imposta pela instituição, que possibilita diferentes cruzamentos e relações, pois

Nossas categorias de saber são muito rústicas e nossos modelos de análise por demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível abundância inventiva das práticas cotidianas. É lastimável constatá-lo: quanto nos falta ainda compreender dos inúmeros artifícios dos “obscuros heróis” do efêmero, andarilhos da cidade, moradores dos bairros, leitores e sonhadores, pessoas obscuras das cozinhas. Como tudo isso é admirável (CERTEAU, GIARD, MAYOL, 2008, p. 342)

Amparada na visão proposta por Certeau, ampliamos para um desejo de conhecer e compreender os inúmeros artifícios que compõem as práticas cotidianas, especificamente as da escola. Muito se fala sobre essa instituição: seu papel, suas dificuldades, seus desafios, a falta de algo e os dados estatísticos que compõem sua identidade ou seu ranking. Todavia, quando estamos ancorados na perspectiva que envolve a teoria das práticas cotidianas, buscamos conhecer para além daquilo que está documentado. Olhamos também para o não- dito, que se expressa nos diferentes sons, na variedade de gostos, no cheiro dos diferentes odores, no caminhar tocando coisas e pessoas (ALVES, 2001, p. 17) constituído, muitas vezes, como invenção. Olhamos para as práticas, mobilizadoras de sentidos do fazer cotidiano47.

Em nossa pesquisa, operamos a partir das seguintes fontes: Projeto Político Pedagógico, fotos, entrevistas, informações e impressões registradas em diário de bordo, experiências de trabalho da pesquisadora enquanto supervisora de ensino desta rede.

São duas as escolas municipais de Cajamar/SP que compõem esse escopo, por não ter sido possível realizarmos a pesquisa em apenas uma devido aos anos oferecidos. A primeira escola, EMEB Jailson Silveira Leite, por exemplo, tem 19 anos de existência, enquanto que a segunda, EMEB Profa. Odir Garcia Araújo tem 21 anos, um “tempo de vida" bastante próximo. Inicialmente, essas escolas eram denominadas Escola Municipal de Educação Infantil ou Escola Municipal de Ensino Fundamental, sendo que, posteriormente, passaram a ser Escola Municipal de Educação Básica, atendendo à legislação imposta pelo

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Para que esses olhares tornem-se possíveis, destacamos duas informações importantes quanto ao vínculo que a pesquisadora possui com as duas escolas: na EMEB Jailson Silveira Leite a pesquisadora é diretora efetiva desde 2004, porém nunca atuou diretamente na gestão por estar afastada como supervisora de ensino da rede. Somente em 2015, a pesquisadora atuou como supervisora dessa unidade escolar concomitantemente à pesquisa de campo. Já na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, a pesquisadora atuou como supervisora de ensino durante 7 anos – de 2007 a 2013 – presenciando inúmeras trocas na gestão da escola devido à complexidade da escola e à falta de apoio e infraestrutura, conforme relatos dos antigos gestores. Fonte: registros realizados nos termos de visita da supervisão após cada acompanhamento semanal e/ou quinzenal feito nas escolas.

Decreto de 200848. Na EMEB Jailson Silveira Leite49, temos em atendimento crianças de 4 a 6 anos50, sendo que esta última faixa etária constitui a classe de 1º ano. Eis a escola apresentada por sua fachada:

Figura 2: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite

Fonte: foto tirada pela pesquisadora.

Figura 3: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite.

Fonte: foto tirada pela pesquisadora.

Na Figura 2, é possível visualizar árvores e jardim, fruto de um trabalho coletivo desta escola:

Cuidar de jardim e de bicho dá trabalho, tem que dividir as tarefas e, mesmo assim, precisamos do tempo para as aulas. Nem tudo dá tempo de ser feito, mas mesmo assim fazemos da melhor forma possível porque isso a criança gosta. (Professora da escola, opinando durante as discussões que foram realizadas em comissões para a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)

O interior da escola está assim estruturado: seis salas de aula, um almoxarifado, dois sanitários para crianças, uma secretaria, um laboratório de informática, uma biblioteca, uma sala de professores, um sanitário para adultos, uma cozinha e um refeitório. No espaço

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Decreto nº 3.896, de 26 de novembro de 2008, dispõe sobre a transformação das EMEFs ou EMEIs em EMEBs.

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Escola localizada em Jordanésia, Distrito de Cajamar/SP. Atende, aproximadamente, 310 crianças. Possui uma diretora de escola e uma assessora pedagógica que atuam na gestão. Há doze professoras que são efetivas na escola e, no caso do 1º ano, a escola conta, ainda, com professores de Arte e Educação Física. Todas as professoras possuem Graduação em Pedagogia e uma possui Pós-Graduação. Das doze professoras, três se encontram afastadas, sendo que duas estão exercendo a função de assessora pedagógica em outras escolas. Diante disso, há três professoras que são responsáveis por duas classes, trabalham o dia todo na escola. 50% do corpo docente reside no município de Cajamar e os outros 50% moram nos municípios vizinhos – Jundiaí e Francisco Morato. (PPP da Escola, 2013, p. 7 e 10).

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De acordo com alguns autores que discutem o conceito de criança na perspectiva da Sociologia da Infância (CORSARO, 2011, p.15; ALANEN, 2010, p. 767; JENKS, 2005, p. 259), as crianças são agentes ou atores sociais em seu próprio direito, sendo ativos e criativos ao produzirem suas próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto contribuem para a produção das sociedades adultas. Pensar nessa perspectiva significa assumir que a criança como protagonista é potente, possuidora de história de vida, autobiógrafa, reflexiva e capaz. Corroborando esta visão, trazemos também o conceito de criança que está posto em documentos oficiais e que estabelece uma bricolagem com os conceitos evidenciados acima: “Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, 2010, p. 12).

externo há um parque que possui três tipos de brinquedos: gira-gira, balança e escorregador, bem como um espaço cimentado.

A foto reproduzida na Figura 3 indica a não atualização do nome da escola desde o ano de 2008, de EMEI para EMEB Jailson Silveira Leite, além de deixá-lo parcialmente escondido e coberto pelas folhas das árvores e por uma espécie de telhado feito para abrigar as crianças da chuva.

A outra escola, denominada de EMEB Profa. Odir Garcia Araújo51, oferece cursos do 2º ao 9º anos e, por isso, lá tivemos a oportunidade de acompanhar as quatro professoras. Compõe-se de doze salas de aula, ampla biblioteca, almoxarifado, sala de coordenação pedagógica, sala de direção, sala de professores, laboratório de informática, cozinha, pátio coberto, quadra de esportes, secretaria, sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e zeladoria. Um detalhe interessante é que no PPP da escola (2013, p. 30) há uma informação que diz: “[...] há espaço para o parque infantil, horta e jardim”. O espaço existe, mas segundo a diretora da escola, carece de investimento e organização de uma rotina para seu uso com sentido e aprendizagem para as crianças.

Apresentamos a entrada da escola52:

Figura 4: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

Figura 5: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

Fonte: PPP da escola Fonte: PPP da escola.

Podemos notar que em relação à fachada, a EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, por outro lado, destaca seu nome em um suporte azul localizado acima do muro (Figura 4) e em

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A escola está localizada no Distrito do Polvilho, município de Cajamar/SP, atendendo, aproximadamente, 857 estudantes, distribuídos entre os diferentes cursos oferecidos, sendo: ensino fundamental ciclos I e II, EJA e AEE. A gestão é composta por uma diretora de escola, um assistente de direção e uma assessora pedagógica. Conta com trinta e sete professores, que se dividem em polivalentes e nas diversas áreas de conhecimento e quatro professores adjuntos, que atuam em substituições. A grande maioria possui Pedagogia e Pós-Graduação. Grande parte do grupo é morador em Cajamar, mas muitos moram em Osasco, São Paulo e Franco da Rocha. 52

As fotos são datadas, portanto quaisquer modificações ocorridas nos espaços após o período de consulta aos PPPs, de 2013, e a pesquisa de campo desenvolvida em 2015, não foram consideradas nessa pesquisa.

sua entrada (Figura 5), seguida de uma frase: “O futuro começa aqui!”. São formas distintas de lidar com a identidade da escola, de fazer esta escola ser conhecida pelo nome que tem e pela história que possui.

As fotos também remetem a representações distintas de escola, pelos portões que exibem e que marcam uma forma de acolher quem chega. São portões coloridos ou em cores únicas – o branco, o bege –; portões que travam automaticamente, ou que se fecham com cadeados; pintados, enferrujados ou descascados; grandes ou pequenos. Portões que convidam a entrar neste espaço escolar.

As cores das escolas também representam sua identidade. Por questões de custo e padronização, as escolas são pintadas com uma única cor, quando financiadas pela Diretoria Municipal de Educação, desconsiderando, muitas vezes, o gosto estético das crianças53:

Eu queria que minha escola fosse colorida porque fica mais bonita. (Criança 1, pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)54

Podia ter uns desenhos na escola e mais cores para ela ficar mais alegre. (Criança 2, pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)55

Eu queria muito um parque porque na escola a gente só fica na sala ou na quadra jogando bola. (Criança 3, pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)56

Na minha escola podia ter planta, flor e bichinho para a gente cuidar. A escola colorida fica diferente e mais bonita. (Criança 4, pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)57

Essa escola parece um hospital, tudo bege, não tem nada, tá tudo descascando, tá feio! (Criança 5, conversa informal entre criança e pesquisadora, 2015)58

As vozes das crianças apontam uma potência observadora que remete para outros gostos e preferências. Uma escola mais particular e próxima da representação do mundo infantil marcada por elementos da natureza e de brincadeiras, esteticamente colorido, conforme vemos nas Figuras 4 e 5. Quando financiadas pela APM e discutidas no Conselho de Escola com projeto incluso no PPP, as cores se alteram. São muros, com desenhos feitos

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Não intencionamos entrar em discussões como essas, apresentamos apenas os fatos que, no cotidiano escolar produzem sentidos e caracterizam a identidade de uma escola.

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Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 55

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 56

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 57

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 58

por crianças e jovens; formas geométricas construídas pelos adultos responsáveis por atuarem na infraestrutura da escola. Entre desenhos e formas geométricas no muro da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, encontramos a representação de uma pessoa lendo o livro impresso (Figura 4), o que parece indicar a importância dada à leitura – na forma de discurso – pelos responsáveis por este espaço. A leitura ali estampada pode ser estendida a outros "lugares praticados" da escola.

Nas duas escolas há o espaço da biblioteca.

Figura 6: Imagem da biblioteca da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

Fonte: PPP da escola (2013).

Na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo (Figura 6) o espaço é amplo, com seis prateleiras para livros e seis mesas redondas, com suas respectivas cadeiras. As janelas são amplas, o que deixa o espaço claro pela luz do sol que entra, e bem arejado. Há cortinas que, quando fechadas, deixam o lugar aconchegante e confortável. Praticamente não há livros de literatura nas prateleiras, que se ocupam de guardar livros didáticos de todas as áreas de conhecimento, do 2º ao 9º ano.

No PPP, a biblioteca é assim descrita:

A primeira sala é a biblioteca que atualmente é inoperante, o acervo está bagunçado, há um depósito de livros didáticos, não há um responsável por cuidar da biblioteca [...]. Muitos poderiam se perguntar como uma estrutura assim seria capaz de trazer qualidade ao ensino público? Pois bem, essa é uma pergunta que sempre entravou muitos avanços, não só aqui mas acreditamos que em variadas escolas [...]. Acreditamos na mudança de atitudes. [...] Será que é preciso alguém especificamente para cuidar da sala de informática ou da biblioteca? Ou será que todos nós podemos cuidar? Acreditamos que na segunda pergunta está a nossa resposta. Precisamos coletivizar o ambiente escolar, onde todos se comprometam a fazer o seu trabalho com qualidade [...]. É nesse foco que a gestão escolar tentará quebrar a anomia individualista que em muitos casos persiste no funcionalismo público. (PPP, 2013, p. 31-32)

O PPP da escola aponta para uma denúncia que pode ser estendida à realidade de muitas outras escolas: a falta de condições de funcionamento, responsabilidade dos órgãos oficiais, ou ainda aquelas dificuldades oriundas da própria escola para manter o espaço e o uso das bibliotecas escolares organizados e alimentados por livros. O documento propõe um trabalho ao ser assumido coletivamente com o compromisso de promover a qualidade para todos os usuários.

As professoras revelam também a precariedade ou a falta de um acervo de livros para um trabalho efetivo com a leitura:

Não tinha acervo. O que aconteceu é que a biblioteca está com poucos livros, né? Eu não sei o que aconteceu, porque o Itaú tinha doado um monte de livros para a escola [...]. (LAURA, entrevista, 29 de set. 2015)

Os acervos já foram melhores. Hoje eu sinto que está a desejar e isso dificulta muito. Porque tem dois aspectos aí: o acervo e o acervo acessível. Tem duas ações: tem acervo e quando se tem acervo ele também tem que estar acessível. [...] Não que as coisas sejam fechadas e trancadas, mas uma certa fluidez, uma certa quantidade, até na sala a gente não tem aquele acervo e a gente tem um grupo com muitos professores e eu não posso chegar e [...] pegar essa quantidade de livros para ficar uma quantidade de tempo comigo [...] (FLÁVIA, entrevista, 22 de out. 2015) Não tem, pelo menos até quando eu fui lá na biblioteca para estar olhando, não tem. (ROSANA, entrevista, 30 de set. 2015)

O acervo é bem precário, muito precário. Eu tenho um acervo próprio de uso que eu guardo dentro do meu armário, que eu empresto pras colegas e as crianças, na verdade, eu faço o empréstimo de livros semanal... Então, se a gente não tem um acervo bom... acho que eu devo ter um acervo de 80 ou 90 livros de empréstimo para as crianças. (CARINA, entrevista, 23 de out. 2015)

Muito bom! Muito bom, mesmo! (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015)

Ausência de acervos, acervos precários, acervos que já foram melhores, acervos que "somem", acervos inacessíveis, acervos emprestados, acervos próprios das professoras, enfim, esta é a "realidade de nossas bibliotecas escolares", ilustrada pelas professoras da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

A EMEB Jailson Silveira Leite parece ser exceção em relação a esse aspecto, conforme depoimento da Profa. Neusa, ao afirmar que o acervo é farto, com diferentes livros, todos numerados e catalogados. Na Figura 7, podemos observar que o espaço da biblioteca é pequeno.

Figura 7: Imagem da biblioteca da EMEB Jailson Silveira Leite.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

Vemos também que há livros em caixas encapadas com papel azul e outros que são colocados diretamente nas prateleiras. Alguns estão acessíveis, colocados na altura das crianças, e outros não, por estarem próximo ao teto da sala. Globo terrestre, papéis cortados, caixa com jogos matemáticos e de alfabetização, colchões, CPU de computadores, pasta com arquivos da escola são alguns outros objetos que compõem esse espaço.

Se acreditamos na condição primeira de dar livros “à mão cheia” (como queria o poeta Castro Alves)59, se acreditamos que ter acesso a livros é condição fundamental para a formação do leitor, o que identificamos pelos depoimentos das professoras é uma crítica antiga em relação à escola: faltam livros. No entanto, para lidar com essa situação que caracteriza a escola, as professoras utilizam táticas para superar tal precariedade. Elas formam um acervo próprio, no qual há compra de livros pela própria professora ou pelos pais das crianças. São livros que permanecem trancados dentro dos armários das professoras ou que são expostos nos cantinhos de leitura – quando existem – em sala de aula ou fora dela (Figuras 8).

Figura 8: Cantinho de leitura no refeitório da EMEB Jailson Silveira Leite

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

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“Oh! Bendito o que semeia/ Livros... livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!/ O livro caindo n’alma/ É germe – que faz a palma,/ É chuva – que faz o mar”. (Poema “O livro e a América”, Castro Alves)