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CAPÍTULO 4 AS PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO EM

4.2. Oper(ações) que constituem as práticas de leitura

4.2.1. O planejamento da aula

Geralmente, a prática de planejar na escola se dá em um caderno de rotina semanal com registros feitos à mão pela professora, seguida de cópia de alguns modelos de atividades que são realizadas com as crianças. O professor que não faz uso do caderno utiliza uma pasta para organizar sua rotina semanal. Geralmente, o planejamento feito em pastas é padronizado e diagramado em colunas para que sejam especificados os objetivos de ensino (o quê), as estratégias (como), as expectativas de aprendizagem (para quê) em cada área de conhecimento presentes no currículo escolar. Ambos os documentos são elaborados para entregar ao coordenador pedagógico da escola, que poderá lê-los, como também para orientar o que será feito a cada dia pelo professor.

Há planejamentos em que, além desses itens, aparecem outros como, por exemplo, a organização da classe para a atividade, as intervenções que serão feitas e a duração da aula. Geralmente, esse planejamento mais detalhado ocorre, nesta rede de ensino, quando uma aula será acompanhada por outra pessoa (coordenador pedagógico, supervisor de ensino, formadores da Diretoria de Educação, entre outros).

Segundo Fusari (s/d, p. 45), o planejamento pode ser “[...] concebido, assumido e vivenciado no cotidiano da prática social docente, como um processo de reflexão”. Segundo Fusari, citando Saviani (1987, p. 23), “a palavra reflexão vem do verbo latino 'reflectire' que significa 'voltar atrás'. É, pois, um (re)pensar, [...] é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado” (FUSARI, s/d, p. 45).

Ainda que os planejamentos estejam atrelados a diagramações específicas ou cadernos com itens a serem preenchidos, olhar as operações que constituem essa modalidade de ação nos permite pensar na singularidade e no conjunto de lógicas que a formalidade das práticas nos traz em relação ao ato de planejar. As táticas das professoras e as concepções utilizadas no planejamento de leitura reverberam as reflexões realizadas e suas lógicas. Nessa direção, dialogamos com as professoras sobre o planejamento das aulas de leitura no que se refere a sua existência, organização e contribuição à prática, o que nos possibilitou descobertas interessantes.

Existe sim, pelo menos uma aula na semana de leitura tem que ser planejada com os questionamentos para as crianças e tudo, mas esse ano, Andréa, eu ainda não fiz esses planejamentos. [...] Então, ter esses planejamentos de aula, não tenho, mas o dia que eu mais uso para leitura onde eu questiono as crianças, que eu faço esse trabalho voltado mesmo para apresentar o livro, para conversar sobre o livro, tudo eu faço na segunda-feira, porque tenho a 1ª aula só, depois, entra a professora de Arte e, depois, eu só volto depois do intervalo. Então, essa primeira aula com eles eu faço voltada para isso, para essa leitura. [...] Então, eu não tenho um planejamento que eu siga, assim escrito, simplesmente eu leio e vou questionando de acordo com aquilo que eu vejo no momento que é necessário. (NEUSA, entrevista, 28 set. 2015)

A professora compartilha conosco as regras de quem detém o poder: ao menos uma aula da semana deve ser planejada; talvez para se ter o controle do que está sendo feito e como está sendo feito, o que é próprio da escola, cuja função é a de sistematizar os conhecimentos, ainda mais quando falamos de ensino fundamental. No entanto, as professoras utilizam táticas diante dessas regras (estratégias) de quem detém o poder, não realizando planejamentos. Com a ausência do planejamento, vemos que a situação da leitura é marcada por perguntas feitas – mais "espontaneamente" – pelas professoras às crianças, um modo peculiar à cultura escolar. Provavelmente, elas façam usos de um modo de ler aprendido no tempo de escola, no curso de formação, entre colegas, na interação com a turma e com o conhecimento que a professora tem sobre crianças.

Outro aspecto relevante do planejamento diz respeito aos programas e/ou materiais prontos para serem aplicados com as crianças, o que, para as professoras, não requer planejamento, visto que as atividades já vêm prontas para serem realizadas. O planejamento, nessa situação, existe, mas não é o planejamento do professor.

[...] o trabalho com leitura que nós tínhamos era de organizar as sequências, uma organização mais pontual, escrita. Depois vieram os próprios materiais que aí a gente teve o EPV84, depois a gente teve o Ler e Escrever. Então, falar sobre isso é considerar tudo isso porque você tem uma organização do trabalho na área e você tem um destino para a leitura. Então, quando você tem um material que ele já te traz uma estrutura de leitura, que você já tem ali um planejamento, ainda que não seja o planejamento que é o seu planejamento, você tem ali uma estrutura de encaminhamentos, você se adapta a isso, porque você tem uma dirigência que é o trabalho que a gente faz na rede com a proposta da leitura. [...] Dependendo da circunstância, você consegue trabalhar sem o planejamento, mas tendo algo. Hoje eu vou trabalhar uma localização de informação, então eu vou proporcionar determinadas perguntas, questões que a gente observe que é necessário ter um grifo, que é necessário perceber que eles conseguem compreender. [...] O que eu quis dizer do planejado seria voltado para uma sequência didática que tem todo aquele trabalho do antes, no meio, você faz todas aquelas questões, [...] é como se você tivesse fazendo um grande banquete. (FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Os cursos de formação realizados por este grupo de professoras orientam que, ainda que as atividades estejam prontas, o planejamento é necessário, pois cada classe é única

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e apresenta situações de aprendizagem que podem ser diferenciadas umas das outras. Ainda que o material já esteja pronto, há proposições e objetivos de aprendizagem que em determinadas classes necessitam de maior investimento, enquanto que em outras os investimentos necessários estão em objetivos diferentes.

Para a professora Flávia, o planejamento está ancorado nas orientações do Programa Ler e Escrever que, segundo ela, traz uma estrutura definida para o trabalho de leitura. Destacamos que há momentos em que a leitura acontece, porém o planejamento é dispensável. Quando a leitura envolve compreensão, perguntas são pensadas e planejadas para serem feitas às crianças durante o ato de ler, a fim de conduzir os sentidos. São sequências didáticas de leitura que, segundo as formações realizadas por este grupo de professoras, neste município, trabalham com estratégias que ocorrem “antes da leitura”, “durante a leitura” e “depois da leitura”, cuja intenção é aprofundar determinado conhecimento. Nesse processo, orienta-se todo um trabalho voltado à leitura da capa do livro, as informações presentes neste espaço, o título e suas intenções; durante a leitura são planejadas intervenções, cuja finalidade é atingir a compreensão leitora. Tais questões estão ancoradas em habilidades de leitura e/ou estratégias de localizar informações, inferir, antecipar, checar, entre outras. Disso decorre a leitura pausada, marcada e que, por instantes, parece, na prática do professor, confundir-se com diálogos sobre o lido. A leitura se perde ou se confunde com as falas. Depois da leitura, as crianças são desafiadas a irem além do texto, a lerem não apenas nas linhas, mas nas entrelinhas e por trás das linhas. Para este momento, geralmente são promovidas novas questões, sejam elas orais ou escritas.

Nessa direção, a lógica das práticas também é orientada pelos programas ou projetos que prescrevem “o que fazer”, “como fazer” e “para que fazer”, e como num lapso já não se sabe se a prática é realizada porque o professor acredita, ou porque está prescrita.

Sim, normalmente eu faço a aula de leitura, daquela maneira, né. Eu pesquiso antes, só que em cima do que está pedindo na proposta. Por exemplo, o Ler e Escrever pede uma leitura... olha... tal dia a leitura tal... e você vai planejar aquela leitura. Eu vou lá, busco a leitura, trago, trabalho e, depois, eu faço a interpretação com eles, né, faço a produção, depois a interpretação, depois eu busco fazer a correção que a gente vai estar sistematizando a escrita com eles, dependendo do que está pedindo o Ler e Escrever, por exemplo, se é pra trabalhar a grafia, eu vou trabalhar a grafia, se não, a pontuação, os sinais, o foco narrativo. [...] Depende, se for a leitura deleite, que é a primeira leitura todos os dias... que nem agora a gente tá lendo Alice no país das maravilhas, então eu leio todos os dias um pedaço, um capítulo pra eles, né? Aí não! A gente só questiona na hora o que vai acontecer amanhã e tal, mas se for pra eu trabalhar a leitura do Ler e Escrever, o que está pedindo ali dentro, aí sim, aí tem que ter uma sequência. (ROSANA, entrevista, 30 set. 2015)

A professora, ao seguir as orientações do programa oficial, planeja o processo de interpretação da leitura, dando sequência com atividades de escrita, sejam elas de

produção, revisão de texto, pontuação, entre outras. No entanto, a "leitura deleite" proposta pela professora Rosana parece ser distinta das outras formas de leitura orientadas pelo programa oficial. Segundo a professora, esse tipo de leitura não exige a necessidade de planejamento. Um tipo de leitura não planejada, mas que ocorre diariamente no início das aulas, ocupando o lugar da primeira proposta do dia por se ter construído a cultura de que as crianças estão “mais calmas”, “tranquilas” e “prestam atenção na leitura”. O que está em jogo nesse tipo de leitura não são as paradas que guiam o sentido do texto e a compreensão, mas a fruição, a beleza, a apreciação que fabricam, a compreensão, os sentidos, as conexões, as hipóteses, as inferências, o espanto, sem que questões tenham sido previamente planejadas, conforme depoimento das professoras. Embora isso ocorra, os depoimentos sugerem que a leitura na qual o leitor se interroga possui um estatuto menor do que a leitura em que o leitor é interrogado. Por isso, novamente esse cenário se desenha:

Não! Não são todas as aulas de leitura que são planejadas. Na verdade eu planejo uma aula de leitura na semana pra fazer as etapas: o antes, o durante e o depois da leitura. As demais leituras são leituras de prazer mesmo. Na verdade eu coloco uma vez na semana a leitura de notícia, eu procuro pôr uma vez na semana livros que tragam poesias, a questão de verso e prosa, trago um de literatura mais clássica, a não ser que seja uma leitura por capítulos... As leituras dos capítulos, normalmente, elas já são meio que planejadas... A gente faz tipo aquela novelinha, porque cada dia para no ápice da história e continua no decorrer da semana, mas quando acabam-se os livros de capítulo, aí a gente intercala, aí eu faço uma leitura jornalística, uma leitura de poemas, uma leitura de letra de música... Então, a gente vai intercalando, mas a leitura planejada é uma por semana. [...] A questão do antes, a gente pensa nas questões de imagem, na questão da capa, na questão das informações que esse texto traz, nas antecipações que podem ser feitas. Então, antes da leitura a gente já faz um esquema do que será feito antes de iniciar a leitura propriamente dita. O durante é quais serão as intervenções feitas durante, quais serão as pausas, quais serão as sequências, né? Igual à leitura de hoje optar por começar numa parte ou outra do livro. E o depois a gente faz a questão da retomada oral, ou até mesmo tirar partes que a criança consiga intervir, mudar a história ou até mesmo a interpretação oral, levantar os conhecimentos que as crianças conseguiram, né, durante a leitura... (CARINA, entrevista, 23 out. 2015)

A escola produz diferentes tipos de aulas de leitura e as hierarquiza quanto a sua importância e frequência no currículo escolar. Encontramos, nesses depoimentos, as aulas planejadas por meio de sequência didática, o que envolve a interpretação seguida de atividades na modalidade escrita ao término da leitura; aulas nem sempre planejadas, mas aplicadas a partir das orientações do Programa Ler e Escrever; leituras deleite que não necessitam de planejamento; aulas para desenvolver habilidades de localizar informações e inferir; aulas de leitura de diversos gêneros, em que se intercalam as notícias, os poemas, as letras de música; aulas de leitura por capítulos.

Práticas diversas apresentam planejamentos distintos: se a leitura é compreensão, planeja-se o antes, durante e depois; se a leitura é por prazer, não há necessidade de

planejamento; se a leitura é por capítulos, já são “meio planejadas”, talvez porque cada capítulo marca um início e um fim de determinado momento da história. Enfim, os discursos oficiais orientam o planejamento de diferentes tipos de leitura, e a escola produz distinções no ato de planejar, atribuindo a alguns tipos mais ou menos importância e necessidade de investimento por parte do professor.