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A linguagem escrita na perspectiva histórico-cultural

No documento Elizângela Sponholz - Dissertação final (páginas 38-42)

2 Revisão de Literatura

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL

2.1.6 A linguagem escrita na perspectiva histórico-cultural

Ao analisar a relação entre o desenvolvimento intelectual do sujeito e a escrita, por meio das reflexões da perspectiva histórico-cultural, é possível afirmar que, assim como acontece com outros aspectos importantes para o desenvolvimento intelectual e psicológico, a história aproxima ambos muito antes do sujeito ingressar na escola.

A história da escrita na criança tem início muito antes da primeira vez em que um professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras. O momento em que uma criança começa a escrever seus primeiros exercícios escolares em seu caderno de anotações não é, na realidade, o primeiro estágio de desenvolvimento da escrita. [...]; podemos até dizer que, quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destreza [...] (LURIA, 1988a, p. 143).

Compreende-se dessa maneira, que o sujeito, enquanto criança, que vive em uma sociedade instruída, entra em contato com o mundo da linguagem escrita desde muito cedo, através dos mais diversificados materiais escritos disponíveis a sua volta, mediados pelos adultos que compõem seu meio social. De acordo com as condições sociais e intelectuais deste meio, o sujeito convive no cotidiano familiar e nas demais relações sociais com ações

que incluem a escrita e formam conceitos referentes a ela. Isso ocorre mesmo antes de ingressar na escola. Este aprendizado construído, socialmente, por meio das interações entre os sujeitos, não é planejado, como acontece na instrução formal oferecida na escola, na qual o aprendizado é intencional e continuamente ofertado (VYGOTSKY, 2000a).

Vygotsky (2000) destaca que a escrita e seus meandros têm sido pouco explorados numa perspectiva mais social. Para ele, isso deixa uma lacuna, considerando o papel de extrema relevância que desempenha no desenvolvimento da criança e o quão ligada ela está às experiências sociais da mesma. A esse respeito, o autor comenta que

ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal (VYGOTSKY, 2000a, p. 139).

Conforme a perspectiva histórico-cultural, ao dominar a escrita, o sujeito realiza um avanço de ordem qualitativa em seu desenvolvimento intelectual, por se tratar de um processo complexo no qual transforma significados sonoros atribuídos a gestos, objetos, lugares e sentimentos em desenhos gráficos previamente convencionados. Neste deslocamento simbólico, pode-se denominar a fala como condutor do significado, sendo o garrancho produzido em forma de desenho e, posteriormente, transformado em escrita no papel, o significante internalizado pelo sujeito (LURIA, 1988a).

[...] a linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que designam os sons das relações e entidades reais. Gradualmente, esse elo intermediário (a linguagem falada) desaparece e a linguagem escrita converte-se num sistema de signos que simboliza diretamente as entidades reais e as relações entre elas (VYGOTSKY, 2000a, p. 140).

Conforme o sujeito evolui no processo de aquisição da linguagem, verifica-se o desenvolvimento da representação das palavras em forma de desenhos, paralelamente, para representar objetos e situações vivenciadas do ele. Luria (1988b) ressalta que o sujeito apresenta algumas fases no processo de desenvolvimento da linguagem.

Ao observar o adulto escrever, o sujeito, enquanto criança, tenta imitar os formatos utilizando rabiscos, sem definir nenhuma característica distinta para os mais variados termos, o que caracteriza essa primeira fase com a associação da escrita com a ação de anotar palavras, ou seja, “a criança só está interessada em escrever como adulto; para ela o ato de escrever não é um meio para recordar, para representar algum significado, mas um ato significante em si mesmo, uma brincadeira” (LURIA, 1988a, p. 149).

Gradativamente, o sujeito vai distinguindo os rabiscos meramente produzidos com o objetivo de imitação da escrita que simboliza a linguagem oral, aproximando-se da escrita muito antes da criança chegar até a escola. Logo, estes rabiscos dão espaço à escrita, inicialmente, com o uso de desenhos para expor suas ideias, para em um próximo passo, utilizar as letras do alfabeto. Conforme Luria (1988b) relata, é nesse momento que a criança começa a aprender a ler. Ela conhece as letras isoladas e, posteriormente, como estas letras registram algum conteúdo, de modo que o símbolo representa uma significação operante que proporciona ao sujeito a reflexão sobre o que escreve. Para o autor:

Ao mesmo tempo, á medida que esta transformação ocorre, uma reorganização fundamental ocorre nos mecanismos mais básicos do comportamento infantil: no topo das formas primitivas da adaptação direta aos problemas impostos por seu ambiente, a criança constrói, agora, novas e complexas formas culturais; as mais importantes funções psicológicas não mais operam por meio de formas naturais primitivas e começam a empregar expedientes culturais complexos (LURIA, 1988b, p. 189).

O mais importante na aquisição e no desenvolvimento da linguagem escrita é a questão social que está incutida nesta aquisição. Ao dominar a escrita, o sujeito passa a ter domínio sobre os registros culturais da sociedade na qual está inserido, usando a escrita para registrar seu nome, para também fazer parte dos registros documentais desta cultura. A escrita deixa de ser apenas um código de sinais gráficos e assume outra forma de compartilhar conhecimentos que foram acumulados ao longo de anos de civilização (VYGOTSKY, 1998).

Fontana e Cruz (1997) citam que, para Vygotsky e Luria, a escrita é um processo que está muito além de ser considerada apenas um sistema gráfico organizado que representa a linguagem falada, que o sujeito demando de dedicação e esforço para compreender os signos e o que eles representam, agindo sobre os processos psicológicos como atenção e memória.

[...] Ao fazermos uma lista de compras por escrito, ao anotarmos um endereço ou os ingredientes e o modo de preparo de uma receita, não só liberamos nossos neurônios da necessidade de reter mecanicamente algumas informações, como também aumentamos enormemente a quantidade de informações que podemos armazenar. A escrita nos permite esquecer informações que, tendo sido registradas, podem ser recuperadas. Ela também transforma nossa atenção, nossos modos de buscar informações (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 181)

Fontana e Cruz (1997, p. 181) destacam ainda que:

Por não ser natural (ela é uma produção cultural) nem arbitrária (escrever não é marcar quaisquer traços sobre uma superfície), elaboração da escrita não começa dentro de cada um de nós. Apropriamo-nos dos conhecimentos das gerações que nos precederam para construirmos nosso conhecimento. Nesse sentido, a elaboração da

escrita pela criança tem início nas relações sociais (cotidianas e escolarizadas), contando sempre com a participação do outro.

É necessário ressaltar que para o desenvolvimento da escrita tornar-se completo, proporcionando ao sujeito o uso desta para seu crescimento intelectual e social, o acesso e manuseio de materiais, bem como as interações e compartilhamentos com “o outro”, trazem, não somente uma aquisição vantajosa ao sujeito, mas também, fundamentais aperfeiçoamentos da escrita (LURIA, 1988c).

A palavra materializada sobre o papel não é um fim em si mesma, ela cria relações entre os indivíduos (FONTANA; CRUZ, 1997). Já a linguagem é uma engrenagem que faz o mundo girar, aproximando e afastando pessoas, transmitindo conhecimentos, crenças ou até mesmo inverdades, provocando dores e alegria, conquistas ou derrotas, ampliando a fé ou a ciência, a crença ou o ceticismo, está a serviço do sujeito e da maneira como este sujeito social e historicamente constituído irá fazer uso dela.

2.2 BULLYING

A violência faz parte da história do homem, de sua luta pela sobrevivência, sendo considerada a base fundadora da sociedade atual (GONÇALVES, 2013). Assim, verifica-se que a violência tem, até certo ponto, um papel constitutivo na sociedade.

Um dos grandes desafios da humanidade, atualmente, é a violência, como ela se manifesta na comunidade e de que forma influencia na vida das pessoas. Num movimento de destruição e construção social, a violência é a força que equilibra as relações e configura os grupos sociais (GONÇALVES, 2013; DE SANTANA; DA ROCHA, 2010). No entanto, torna-se importante salientar que o excesso de violência, ou seja, a delinquência, o furto, o assassinato e a extorsão, são exemplos de aniquilação e marginalidade, por meio do qual não se apresenta nenhum elemento que visa unificação, o bem-estar de uma comunidade, a não ser o de repressão da referida violência. Segundo Gonçalves (2013), a violência só se justifica quando visa justiça, ou seja, quando busca um mundo melhor para se viver (GONÇALVES, 2013).

Vista como complexa e versátil, a violência faz parte da natureza do ser humano e da comunidade, apresentando-se de maneiras diferentes em cada espaço social, população, classe social, instituição e grupo (NESELLO et al., 2014). Nesello et al. (2014) definem violência como a utilização intencional de poder ou força física, seja na forma de agressão física ou por meio de ameaça contra si próprio ou contra o outro, de um indivíduo ou uma comunidade, que

tenha possibilidade de resultar em quaisquer danos físicos ou psicológicos, perturbação do desenvolvimento ou privação. No entanto, muito diferente da luta pela sobrevivência, pelos ideais, crenças e costumes, a violência instalada no cotidiano da maioria das comunidades apresenta somente aniquilação e marginalidade (GONÇALVES, 2013).

Dentre os ambientes em que a violência está presente, um dos mais preocupantes e menos aceitáveis é a escola. Casos de agressões físicas e/ou verbais nos espaços institucionais são quase tão antigos quanto a própria escola (FANTE, 2011). Isso ocorre porque elas são vistas por pais, educadores e até mesmo pela comunidade como manifestações positivas, visto que, historicamente, essas atitudes são consideradas, pelos adultos, como ritos de autoafirmação na passagem da infância para a adolescência, ou seja, brincadeiras típicas da idade (BANDEIRA, 2009; FANTE, 2011; MEDEIROS, 2015; DA SILVA et al., 2016).

No documento Elizângela Sponholz - Dissertação final (páginas 38-42)