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O papel da família

No documento Elizângela Sponholz - Dissertação final (páginas 53-56)

2 Revisão de Literatura

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL

2.2.5 O papel da família

Ao iniciar o debate sobre a importância da família nos casos de bullying, torna-se importante ressaltar que o termo família é aqui compreendido como uma comunidade educadora que influencia no processo de socialização e de ensino/aprendizagem dos sujeitos por meio das relações decorrentes do ambiente familiar (LOPEZ, 2002). Não se tratando, portanto, de questões relativas a genética e hereditariedade.

Essa compreensão encontra respaldo no artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, no inciso quarto, que afirma que também pode ser considerada como uma entidade familiar “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (BRASIL, 1988, s/p).

Além dos aspectos individuais entre os sujeitos envolvidos em situações caraterizadas como bullying, a relação familiar tem sido apontada como um fator relevante nessas situações. Acreditando-se que ao sofrer agressões constantes por parte dos pais ou responsáveis, assistir agressões físicas a pessoas mais frágeis da família (mulher, idoso ou deficiente) ou assistir a cenas de preconceito racial, homofóbico ou social, as crianças aderem a esses comportamentos. Simões et al. (2015) defendem que, nesse ponto de vista, as agressões funcionam como um escudo contra as situações ameaçadoras, recebendo também uma função psicológica durante a adolescência, como forma de integração num grupo e de resolução de conflitos ou para obter experiências de poder e protagonismo.

É possível observar em Oliveira et al. (2015) que fatores de constituição social e econômica das famílias como estado civil, condição econômica e escolaridade têm se

apresentado como fatores determinantes nos casos de bullying. Os autores ressaltam que, na realidade, o bullying acaba por envolver todos os fatores que são socialmente relevantes para a formação estrutural da família e, consequentemente, dos sujeitos que a compõem.

Essas condições macrossociais são associadas a uma pior saúde e qualidade de vida para todos os membros do grupo familiar e ocasionam outros fatores de risco, como o aumento do estresse familiar e dos conflitos, que foram igualmente relacionados com o bullying.[...] Numa perspectiva de entendimento dinâmico do fenômeno, pode-se inferir um modelo em cascata em que um contexto social desfavorável, marcado pela monoparentalidade, a baixa escolaridade dos pais ou a o baixo nível socioeconômico dos pais, implica em dificuldades de relacionamento interpessoal no contexto familiar, o que prevê problemas de comportamento dos filhos dessas famílias, como o bullying (OLIVEIRA et al., 2015, p. 125).

As práticas educativas que muitos autores definem como estilos parentais têm muito destaque no desenvolvimento do sujeito, principalmente na infância e na adolescência (SIMÕES et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2015). Simões et al. (2015) relata que sujeitos cujos os pais adotam atitudes educacionais baseadas no diálogo e na compreensão têm um desenvolvimento de qualidades que facilitam o convívio em sociedade e o controle de rompantes de violência, o que, consequentemente, resulta em um menor número de envolvimento em casos de bullying, tanto como vítima ou agressor.

Por outro lado, os pais de crianças/adolescentes com comportamentos de bullying, como agressores ou vítimas, têm maior probabilidade de terem um estilo parental autoritário, serem pouco afetuosos e usarem mais medidas punitivas para o cumprimento de regras e limites de forma rígida (SIMÕES et al., 2015, p. 32).

Sendo assim, os sujeitos envolvidos em casos de agressões que se enquadram na categoria de bullying, além de apresentarem uma relação conturbada com os pais, na qual não existe quase nenhuma empatia, ainda presenciam um maior desequilíbrio familiar, em que o estilo parental é baseado na permissividade, no desequilíbrio emocional e na agressão. Esses fatores, juntamente com fatores internos individuais, desenvolvem vítimas ou agressores (OLIVEIRA et al., 2015).

Dessa forma, os pais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento emocional do sujeito, o que reflete na relação do mesmo com o mudo que o cerca. Portanto, conforme afirma Simões et al. (2015), comportamentos negativos refletem em agressões ou, em alguns casos, na vitimização, pelo fato do sujeito considerar normais ou merecidas as violências sofridas. Por outro lado, uma proteção familiar saudável que ampara, orienta e educa, tem maiores condições de conduzir a comportamentos sociais saudáveis.

Uma vinculação segura pode, assim, ser preditora de menor envolvimento em comportamentos antissociais, e um comportamento parental apoiante, ainda que com uma demarcação de limites, é essencial para que os filhos se desenvolvam de forma saudável (SIMÕES et al., 2015 p. 32).

Fatores como a participação dos pais na vida escolar e social, não somente inserindo o sujeito na comunidade e envolvendo-o em atividades educacionais, esportivas, entre outras, mas acompanhando, conhecendo, interagindo com as pessoas que fazem parte deste cotidiano, bem como a participação nas tarefas e o diálogo e a troca de experiências, são vistos como aspectos positivos, que resultam numa menor probabilidade de envolvimento em casos de

bullying (OLIVEIRA et al., 2015).

Tão importante como a estrutura da família são seus aspectos qualitativos (estilos parentais e clima familiar). Dentro de seus efeitos interacionais, o clima afetivo, a comunicação, as práticas educativas, a supervisão e a maneira como as interações acontecem e são percebidas, são variáveis que influenciam na conduta social de crianças e adolescentes, podendo exercer efeitos diretos ou indiretos no envolvimento com o bullying (OLIVEIRA et al., 2015, p. 127).

Tortorelli, Carreiro e Araújo (2010) atentam para o fato de que, quando o sujeito sente acolhimento, amabilidade e atenção no seio de sua família, inclusive quando relata que sofreu algum tipo de violência, pode-se observar um grau muito menor de manifestações violentas no espaço escolar. Já um ambiente familiar agressivo e estressante tem relação com as atitudes violentas manifestadas na escola. Os autores ressaltam que qualquer tipo de intervenção que busque diminuir a violência escolar deve, para ter eficácia, considerar o ambiente familiar, visto que as competências e habilidades que o sujeito pode desenvolver dependem, inicialmente, do apoio e incentivo da família.

Deste modo, as famílias, de todos os envolvidos em agressivas que se enquadram nas características que se enquadram em bullying, quer sejam vítimas ou agressores precisam ser orientadas, de acordo com Neto (2005), para ter capacidade de entender a dimensão da abrangência psicossocial que envolve os sujeitos que de alguma maneira estão ligados a estas ocorrências e suas consequências. De modo que para o autor “os pais devem ser orientados para que busquem a parceria da escola, conversando com um gestor ou um professor que lhes pareça mais sensível e receptivo ao problema” (NETO, 2005, p. 169).

Porém, é preciso ressaltar que a violência escolar conhecida como bullying sofre influência de diversos fatores, dentre os quais se destaca a família. Contudo, apesar da família ser um dos aspectos mais relevantes nestas manifestações de violência, deve-se considerar as características individuais dos jovens, as contingências do ambiente escolar e os valores sociais atuais (TORTORELLI; CARREIRO; ARAÚJO, 2010).

Neto (2005) afirma, a esse respeito, que as condições sociais, históricas e culturais apresentam extrema influência no desenvolvimento e propagação de atitudes como as de violência e intimidação que caracterizam o bullying. No entanto, o autor ressalta que o sujeito, enquanto criança e adolescente, apresenta uma capacidade muito grande de se reformular, para obter uma vida mais feliz.

Mesmo admitindo que os atos agressivos derivem de influências sociais e afetivas, construídas historicamente e justificadas por questões familiares e/ou comunitárias, é possível considerar a possibilidade infinita de pessoas descobrirem formas de vida mais felizes, produtivas e seguras. Todas as crianças e adolescentes têm, individual e coletivamente, uma prerrogativa humana de mudança, de transformação e de reconstrução, ainda que em situações muito adversas, podendo vir a protagonizar uma vida apoiada na paz, na segurança possível e na felicidade. Mas esse desafio não é simples e, em geral, depende de uma intervenção interdisciplinar firme e competente, principalmente pelos profissionais das áreas de educação e saúde (NETO, 2005, p. 170).

Destaca-se, assim, que, apesar dos resultados demonstrarem que o ambiente familiar está relacionado direta ou indiretamente com as ocorrências de bullying no ambiente escolar, deve-se considerar que este refere-se a mais um dos pontos a serem observados durante a condução destes casos, visto que múltiplos fatores que acompanham o desenvolvimento social, econômico, emocional, cultural do sujeito, historicamente constituído, são importantes e devem ser analisados e acompanhados (OLIVEIRA et al., 2015).

No documento Elizângela Sponholz - Dissertação final (páginas 53-56)