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A luta pela reforma agrária no governo FHC e Lula

INTRODUÇÃO 23 CAPÍTULO 1 QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E

CAPÍTULO 3. A FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA NO BRASIL E SUAS AÇÕES TERRITORIAIS

1. QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO

1.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: UMA GEOGRAFIA DE LUTAS

1.1.4 A luta pela reforma agrária no governo FHC e Lula

Em 1985, com a abertura política e redemocratização brasileira, e ainda com a sombra dos militares no governo, é retomado o debate da reforma agrária. No governo de Sarney (1985-1989) foi estabelecido o I Plano Nacional de Reforma Agrária. De acordo com Oliveira (2011, p.126):

Em 1985, a “Nova República” assumiu o governo para realizar a “Transição Democrática” da ditadura. Assim, fez novas alianças no seio do poder do Estado com a anuência militar. Mas, aparentemente de forma contraditória, colocou como um de seus projetos prioritários a Reforma Agrária, prometida por Tancredo Neves ao Papa, antes de morrer. E ela, foi anunciada durante o IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília pela CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Foram, feitas articulações para a elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária, aprovado em 1985, segundo o Estatuto da Terra de 1964. Seus autores, foram em termos os idealizadores do Estatuto. O I PNRA já trazia retrocessos em relação ao Estatuto da Terra, como por exemplo, o artigo (artigo 2°, § 29, do Decreto n9 91.766) onde está expresso que se evitará, sempre que possível, a desapropriação de latifúndios. Outro ponto, foram os imóveis que tivessem grande presença de arrendatários e/ou parceiros, onde as disposições legais fossem respeitadas. Dessa forma, o I PNRA já apareceu trazendo distorções em relação ao Estatuto da Terra. A primeira previsão para assentamento entre 1985 e 1989 apresentava em termos totais para o Brasil 1.400.000 famílias em uma área de 43.090.000 hectares. Na região Norte seriam assentadas 140.000 famílias em 10.080.000 ha; na região Nordeste seriam 630.000 famílias em 18.900.000 ha; na região Centro-Oeste seriam 210.000 famílias em 7.560.000 ha; na região Sudeste seriam 280.000 famílias em 4.370.000 ha; e na região Sul seriam 140.000 famílias em 2.180.000 há.

Embora a contradição do I PNRA como argumenta Oliveira (2011), este plano foi extremamente importante para o avanço do ideário da luta pela terra. Contudo, com o surgimento da União Democrática Ruralista (UDR) em 1985, o plano de reforma agrária foi emperrado pela forte pressão dos ruralistas (OLIVEIRA, 2011). Assim, o I PNRA conseguiu assentar apenas 6,4% da meta de famílias que planejava, conforme explica o autor:

Os resultados do I PNRA mostraram que haviam sido assentadas apenas 89.950 famílias (6,4% da meta) em uma área desapropriada de 4,8 milhões de hectares, ou seja, 1,5% da previsão. A distribuição regional dos resultados foi a seguinte: a região Norte, como queria a

UDR, foi contemplada com a maior parte dos assentamentos com 41.792 famílias (46,5% do total assentado no País); em segundo lugar ficou a região Nordeste com 24.385 famílias (27,1%); em seguida veio o Centro-Oeste com 12.775 famílias (14,2%); e por fim, no Sudeste e no Sul, foram assentadas 10.998 famílias (12.2%). Menos de um décimo da meta prevista para o número de famílias a serem assentadas pelo I PNRA, chegaram á terra, ficava provada, portanto, demagogia populista do governo Sarney com relação à Reforma Agrária e, mais uma vez, consolidava-se na estrutura do poder do Brasil, a política agrária dos latifundiários (OLIVEIRA, 2011, p.129).

Com a lógica inversa da ideia da reforma agrária, o governo contemplou a maior parte de assentamentos na região Norte. Mostrando a força dos ruralistas e do governo atrelado a eles.

No Governo de Fernando de Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994), segundo Oliveira (2011), a proposta de reforma agrária tinha apenas 35% da meta do que propôs. E ainda, durante os dois governos mencionados acima foi cumprido apenas 50 mil famílias assentadas.

Na década de 90, assumiu o governo, Fernando Collor de Melo, primeiro presidente eleito diretamente, depois do golpe militar de 64. A composição de seu ministério revelou, desde o começo, que as metas estabelecidas em seu programa de governo também não seriam cumpridas: assentar 500 mil famílias entre 1990 e 1994. A proposta do governo Collor para a reforma agrária, era apenas 35% do que propusera e não cumprira José Sarney. Era uma redução expressiva das metas para a reforma agrária, e, além disso o Ministério da Agricultura foi ocupado por Antonio Cabrera, oriundo de família de latifundiários e, sabidamente, ligado à UDR. Passados os dois primeiros anos do governo Collor, menos de 30 mil famílias tinham sido assentadas, revelando assim também, a decisão política de não se promover a reforma agrária no Brasil. Com a cassação/renúncia de Collor de Melo, assumiu o vice Itamar Franco. Seu governo, produto de uma ampla articulação política, segundo os dados divulgados pelo INCRA, menos de 50 mil famílias tinham sido assentadas entre 1990 e 94. A reforma agrária alcançava assim, a metade do número de assentados em relação ao governo anterior. Durante o governo Itamar Franco foram aprovadas pelo Congresso Nacional a Lei n°8.629, de 25/02/93, e a Lei Complementar n° 76, de 06/07/93, que passaram a estabelecer, respectivamente, a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária e sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóveis rurais, por interesse social, para fins de reforma agrária no Brasil (OLIVEIRA, 2011, p.130).

O governo seguinte foi de Fernando Henrique Cardoso (FHC), tendo dois mandados, o primeiro de 1995 até 1998 e o segundo de 1999 até 2002. De acordo com Medeiros (2003) o debate da reforma agrária no primeiro governo do FHC (1995-1998)

nunca fora prioridade31. Aliás, quando o tema avançou no governo de FHC, a questão agrária foi interpretada equivocadamente, segundo Medeiros (2003) e Fernandes (2010). Para o governo FHC, no Brasil não havia latifúndio e nem família sem-terra e por assim, bastaria assentar as famílias acampadas que o problema agrário se resolveria (MEDEIROS, 2003; FERNANDES, 2010). De acordo com Fernandes (2008) por causa desse entendimento os movimentos camponeses realizaram diversas ocupações de terra como forma de viabilizar o acesso à terra, sendo considerado o momento com o maior número de assentados32. Contudo, a questão agrária ainda prevaleceu justamente por constituir-se como uma problemática estrutural da concentração fundiária e não somente na condição de distribuir assentamentos (FERNANDES, 2008).

Para Medeiros (2003) o debate da questão agrária no governo do FHC somente foi retomado por conta de dois fatores. Primeiro, deve-se aos casos de extrema violência que aconteceu em dois períodos como o episódio do Massacre de Corumbiara, em agosto de 1995 no estado da Rondônia, em que houve uma violenta ação de despejo da polícia num acampamento na Fazenda Santa Elina. O outro é conhecido como o Massacre de Eldorados dos Carajás em abril de 1996, no estado do Pará, quando houve uma manifestação de sem-terra que bloqueava uma estrada e os policiais cercaram os manifestantes e iniciaram um confronto a fim de desbloqueá-la, resultando na morte de 19 manifestantes e 60 feridos. Esse massacre foi divulgado e repudiado amplamente pela mídia internacional e eternizado na memória dos camponeses da Via Campesina conforme explicaremos no capítulo 2.

O segundo fator é o destaque das inúmeras ocupações de terras feitas nesta época tanto pelo MST e pelos outros movimentos. Estes fatores demonstraram que o

31 Lembrando que no primeiro governo do FHC (1995-1998) o principal debate consistia em

combater a alta inflação que assolava o país e, bem como, a discussão sobre o Plano Real, medida que visava resolver a inflação (OLIVEIRA, 2007; FERNANDES, 2008).

32 Segundo Fernandes (2008), no período entre 1989 e 2006, os dois governos do FHC juntos

representaram 55% (3.923 assentamentos) da criação dos assentamentos, tendo no mesmo período 389.959 assentados (50% entre 1989 e 2006).

problema agrário no Brasil era mais complexo do que previa o governo FHC. Em resposta à violência no campo, o MST intensificou e inovou seus tipos de Ações Territoriais como, por exemplo, a “Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça” e o “Grito da Terra” (MEDEIROS, 2003).

Embora estas críticas ao governo de FHC, devemos afirmar que no seu governo que teve maior número de assentamentos criados (DATALUTA, 2014; FERNANDES, 2008, OLIVEIRA, 2011).

Para Fernandes (2008), o governo Lula no seu primeiro mandato representou um momento de esperança para a concretização da reforma agrária. Contudo, como argumenta o autor, o governo atrelado fortemente com o agronegócio impediu a realização da reforma agrária popular:

A primeira gestão do governo Lula começou com uma grande esperança pela realização da reforma agrária. Os movimentos camponeses realizaram o maior número de ocupações de terras e de família da história da luta pela terra no Brasil. Ao contrário da segunda gestão do governo FHC, que criminalizou as ocupações, o governo Lula sempre dialogou com os movimentos camponeses. Esta tem sido uma característica marcante deste governo. Contudo, também criou uma nova política agrária que, paradoxalmente, fez avançar e refluir a luta pela terra e a reforma agrária.

Segundo Fernandes (2008) em 2003 foi elaborado o II Plano Nacional de Reforma Agrária. Entretanto, nesta época estava em alta a política de reforma agrária de mercado que viria a modificar a relação de acesso à terra (somente pela compra), evitando o conflito. Nas palavras do autor,

A eleição da primeira gestão do governo Lula (2003-2006) teve o apoio do MST. Havia a perspectiva de um governo ofensivo na implantação da reforma agrária, considerando que esta era uma promessa de Lula. Em 2003, membros do MST participaram, junto com um grupo de especialistas coordenado por Plínio de Arruda Sampaio, da elaboração do segundo Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) [...] Neste princípio do século XXI, a reforma agrária encontra como principal opositor o agronegócio, que defende o acesso à terra sob o seu controle, ou seja, “sem luta de classe e sem conflitos” (Bruno, 2008). A reforma agrária de mercado, em todas as denominações que esta política recebeu, representa uma forma de controle territorial por meio da comoditização [...], ou seja, a mercantilização da terra, retirando a reforma agrária do território da política e transferindo-a para o território da economia capitalista (RAMOS FILHO, 2008, p.77-78).

Para Fernandes (2013), a reforma agrária dos dois mandatos do governo Lula, de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010, atingiu apenas 37% do que o II PNRA previa para o primeiro mandato. Observa o autor que o governo também não combateu o problema da alta concentração fundiária e da subalternidade do campesinato. Ao contrário, o governo buscou integrar o campesinato o que fortalece a sua dependência na agricultura do modo capitalista de produção. Nas palavras do autor:

A proposta adotada foi o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA): paz, produção e qualidade de vida no meio rural, elaborada pela equipe do ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, Miguel Soldatelli Rosseto. O II PNRA apresentava como meta assentar 400 mil famílias, financiar a aquisição de terras para 130 mil famílias e regularizar as terras de 500 mil famílias, no período de 2003 a 2006. No total, 1 milhão e 30 mil famílias conseguiriam suas terras, por meio da desapropriação da propriedade capitalista, da compra ou da regularização fundiária. Apesar de tímido, o II PNRA tentou seguir as metas da proposta elaborada pela equipe de Plínio de Arruda Sampaio, mas indicava que não enfrentaria o problema da concentração fundiária e da subalternidade do campesinato, pois priorizava a regularização e a “integração” do campesinato no capitalismo. Tanto o plano governamental quanto a proposta utilizaram como referências de demandantes de reforma agrária as famílias acampadas, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o Censo Agropecuário, o Censo Demográfico e o Sistema Nacional de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra/Incra). As estimativas de ambos eram em torno de 5 milhões de famílias, indicando que uma política de reforma agrária não seria realizada somente por um governo. A reforma agrária de Lula, em seus dois mandatos, resultou em torno de 37% da meta do II PNRA para o primeiro mandato [...] (FERNANDES, 2013, p.195).

É neste cenário, com a não realização das políticas afirmadas nos Planos Nacionais de Reforma Agrária que as lutas sociais camponesas ainda resistem. Por um lado, o governo brasileiro apoia as políticas neoliberais e o agronegócio. Por outro lado, os movimentos camponeses continuam a lutar e articular ações para reivindicar seus direitos.