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A Via Campesina enquanto poder político e espacial do campesinato

INTRODUÇÃO 23 CAPÍTULO 1 QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E

CAPÍTULO 3. A FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA NO BRASIL E SUAS AÇÕES TERRITORIAIS

1. QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA

2.1.2 A Via Campesina enquanto poder político e espacial do campesinato

A expressão La Vía Campesina significa literalmente “o caminho camponês” ou “a rota camponesa” e tal nome, “camponês”, carrega uma simbologia política histórica que remete a resistência à subordinação do capital55 imposto pelo modelo dominante na agricultura e massificada pela Revolução Verde56. Além disto, vale destacar que, embora tal organização seja composta por diversos movimentos do campo de diferentes

54 Além destas, a Ifap também participava do extinto Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

(GATT), que atualmente é a Organização Mundial do Comércio (OMC) (DESMARAIS, 2013; RÊGO, 1996).

55 Deve-se entender o conceito de Metabolismo Social do Capital de Mészaros (2007) que afirma

o poder destrutivo do capital e da sua perversidade.

56 As inúmeras consequências da Revolução Verde são: a modernização no campo, o

crescimento do agronegócio, a concentração da produção de alimentos em poucas empresas, a padronização da produção, monocultura, produção voltada para a exportação. Com isso, os camponeses ficaram cada vez mais dependentes das empresas transnacionais, levando a subordinação do território camponês para expansão do capital, materializado no agronegócio.

países, o motivo da escolha do nome em castelhano deve-se pela importância das lutas da América Latina, entendendo que a construção do movimento seja uma continuidade das lutas dessa região entre os anos 60 e 80 (VIEIRA, 2011). Sobre a opção da grafia do nome do movimento Vieira (2011, p.143) explica:

Em todo o mundo o nome La Vía Campesina não é traduzido. Às vezes usa-se a expressão precedida do artigo, em outras vezes apenas a expressão, mas sempre o nome em espanhol. As versões sobre os motivos desta opção são variadas, mas em geral indica-se que ela reflete a congregação das forças que criaram a Via Campesina em Mons e que, até hoje, são os movimentos mais fortes dentro da articulação, ou seja: latino-americanos e europeus do sul.

A grafia e a preferência em não traduzir o nome castelhano demonstra a força dos movimentos latino-americanos frente aos diversos movimentos sociais. Outro ponto a destacar é que o sentido de intitular o nome do movimento como o “caminho camponês” representa a própria ideia do movimento em conduzir uma alternativa ao modelo defendido pelas organizações hegemônicas, tais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e a Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Estas diversas organizações impõe o interesse das empresas transnacionais e determina as relações econômicas com outros países, ditando praticamente o que produzir e mantêm a ordem hegemônica da cadeia de produção alimentar.

Por conta da criação da Via Campesina, isto é, do caminho camponês, Desmarais (2013) questiona “para onde foram os camponeses depois de tanto tempo?”. Este questionamento feito pela autora é afirmada através da teoria do possível desaparecimento da figura camponesa frente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista que não teria mais a necessidade do camponês. Sobre esta teoria faremos uma breve discussão que virá a esclarecer “o poder político” do camponês.

Autores da literatura clássica como Lênin e Kaustky apontaram para o desaparecimento do camponês em virtude do desenvolvimento do capitalismo no campo. No Brasil, nos anos 90, Abramovay (2007) em “Paradigmas do Capitalismo

Agrário”, em consonância com a tese dos autores clássicos, defende que o campesinato seria transformado em agricultor familiar ao se integrar à lógica capitalista. Esta ideia foi amplamente difundida no Brasil pelo governo.

Em contrapartida com a referida ideia, autores como Shanin (2005), Marques (2008a; 2008b), Fabrini (2008), Fernandes (2009; 2008) e entre outros, destacam o camponês como um sujeito político e, ao contrário do pensamento de Abramovay, o camponês mesmo subordinado ao capital não tende a desaparecer. Nas palavras de Marques (2008b, p.57),

[...] a transformação capitalista da agricultura não leva apenas à diferenciação e polarização social nos moldes previstos por Lênin, mas resulta fundamentalmente nos processos de diferenciação, pauperização e marginalização, cuja ocorrência depende do tipo de relação estabelecida entre o campesinato e o capitalismo em cada formação territorial.

Desta forma, entende-se que os camponeses não se entregam e relutam contra a expropriação, buscando a sua territorialização como coloca Fernandes (2008; 2009) e ou, como coloca Marques (2008a) a recriação camponesa57. Para Marques (2008b), o camponês, por não ter condições de impor os preços de seus produtos, se subordina às decisões do mercado, cuja situação somente se modificará com a organização política dos camponeses. Neste caso, os movimentos camponeses como o MST e entre outros, inclusive a Via Campesina, são exemplos dessa resistência.

Marques (2008b, p.60) ao buscar entender que tipo de campesinato tem no Brasil, afirma que o mesmo foi “criado no seio de uma sociedade situada na periferia do capitalismo e à margem do latifúndio escravista” e é totalmente diferente do camponês europeu, oriundo da Idade Média. Conforme colocou Shanin (2008), o camponês deve ser entendido como uma combinação de elementos, e não, tratado como algo sólido e fixo. Ainda com Shanin (2008), caso buscarmos uma generalização para o campesinato

57Existem três formas de recriação camponesa: a primeira é com o arrendamento; a segunda é

jamais encontraremos algum, ainda mais, se compararmos com a concepção europeia. Marques (2008, p.65), ao analisar a composição do campesinato no Brasil, a partir da transformação nas relações de produção no campo, no mesmo sentido do que Shanin (2008) afirma que a realidade é bem mais complexa tornando difícil encontrar uma figura sólida e fixa como o campesinato. Mesmo sem generalizar, Shanin (2008, p.24-25) traça os seguintes elementos que afirma estar presente no campesinato:

A flexibilidade de adaptação, o objetivo de reproduzir o seu modo de vida e não o de acumulação, o apoio e a ajuda mútua, encontrados nas famílias e fora das famílias em comunidades camponesas, bem como a multiplicidade de soluções encontradas para o problema de como ganhar a vida são qualidades encontradas em todos os camponeses que sobrevivem às crises. E, no centro dessas particularidades camponesas, está a natureza da economia familiar.

Portanto, o campesinato que nos referimos nesta pesquisa, bem como, o sentido de camponês para a Via Campesina, é baseado nesta forma de reproduzir o seu modo de vida e da multiplicidade de soluções encontradas para resolver seus problemas, baseado fundamentalmente em relações de produção não-capitalista. Estas características podem ser vistas nas reivindicações e propostas do movimento.

Para o movimento, o uso do termo camponês em seu nome foi muito significativo. De acordo com Desmarais (2013), em entrevista com um militante do movimento sobre o processo que culminou na escolha do nome, destaca que o termo de “agricultor” não condizia com o propósito do movimento de apresentar uma alternativa ao desenvolvimento capitalista no campo, uma vez que, tal termo seja associado como consequência do pacote da Revolução Verde. Para a autora, ao utilizar o termo camponês, a Via Campesina sistematiza as demandas e propostas e espacializa as vozes camponesas. Além disso, Desmarais (2013) afirma que a própria ideia de criar um movimento internacional era algo inacreditável, em vista, da diversidade de lutas, culturas e pensamentos espalhados mundialmente e divididos em regiões. A criação e consolidação da Via Campesina desafiou a todos (DESMARAIS, 2013; VIEIRA, 2011).

Dessa forma, os camponeses após longo tempo ressurgem no espaço e comprovam a falácia da teoria do desaparecimento da campesinato. E ainda, os camponeses, agora articulados mundialmente e com suas impactantes Ações Territoriais, demonstram sua força contra as organizações hegemônicas.

2.2 APRENDENDO E ENSINANDO NA CONSTRUÇÃO DE UM

PROJETO CONTRA-HEGEMÔNICO

A organização do movimento será demonstrada em duas partes. A primeira evidenciará a estrutura interna e seu modo de funcionamento para trazermos uma reflexão da estrutura da Via Campesina. A segunda parte focará no calendário fixo de lutas do movimento, por considerarmos que nessa agenda permanente consolida-se uma ação anual como forma de fortalecer a identidade e a organização.