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INTRODUÇÃO 23 CAPÍTULO 1 QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E

CAPÍTULO 3. A FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA NO BRASIL E SUAS AÇÕES TERRITORIAIS

1. QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO

1.2 O DESAFIO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO SÉCULO

1.2.2 Agronegócio

Primeiramente, faz-se mister buscarmos o significado do termo agronegócio para entendermos sua complexidade. O termo agronegócio foi formulado por Davis e Goldberg no livro “A concept of agribusiness” (1957), que ao analisar as modificações que a agricultura passou, com a incorporação tecnológica e de maquinaria, os autores perceberam que o conceito de agricultura estava superado com a modernização da agricultura e, assim, criaram o termo “agribusiness” (agronegócio). Explicam os autores, que a nova agricultura se transformou em um complexo estágio de produção, juntando o setor primário e secundário, resultando na verticalização da produção, como a compra e distribuição de suprimentos agrícolas, a produção, o armazenamento, o processamento e a comercialização. Portanto, o termo agronegócio demonstra perfeitamente a superação da agricultura tradicional para uma característica mais industrial. Segundo Oliveira (2007) a transformação da agricultura está inserida no

processo da agricultura mundializada desde o século XX e final do século XXI (DAVIS; GOLDBERG, 1957; ARAUJO, 2007; DESMARAIS, 2013; LEITE; MEDEIROS, 2012).

Continuando a busca por compreender o complexo do agronegócio, citamos Ramos Filho (2014, p.84-85) que define o agronegócio como um modelo de desenvolvimento territorial...

[...] que produz um território marcado pela concentração, padronização e artificialização da natureza, voltando para a atividade agrícola (altamente mecanizada), informatizado e globalizado. [...] Ao mesmo tempo em que o agronegócio apresenta as relações econômicas produtivas modernas, mantém relações sociais atrasadas, típicas do latifundialismo colonial. Latifúndio, agricultura capitalista, agricultura patronal ou agronegócio não são novos, nem estão desarticulados. Latifúndio é o nome da forma de produção em larga escala, praticada durante o capitalismo comercial no Brasil: na atualidade, pressupõe grandes propriedades rurais subutilizadas. Agronegócio ou agricultura patronal dizem respeito às formas contemporâneas de produção agropecuária em larga escala, de modo que são apenas eufemismos para o conceito de agricultura capitalista.

Outra definição, que vem no mesmo sentido, é de Fernandes (2006) que afirma que o agronegócio vem do modelo arcaico de produção colonial e em sua concepção, afirma que a imagem do agronegócio é uma tentativa de alterar a associação latifúndio e agricultura capitalista:

Agronegócio, de fato, é apenas o novo nome do modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária capitalista implantada desde a década de 1950. Observando, atentamente, compreende-se que esse modelo não é novo: sua origem está no sistema de plantation, ou agroexportador, em que grandes propriedades eram utilizadas na produção para exportação. Ao longo das diferentes fases de desenvolvimento do capitalismo, esse modelo passou por modificações e adaptações, intensificando a exploração da natureza e do campesinato. O agronegócio representa a mais recente fase do capitalismo na agropecuária, marcada pelo controle estratégico do conhecimento, da produção e do mercado, com o uso de tecnologia de ponta. Na América latina, a noção de agronegócio difundiu-se na década de 1990, e é também uma construção ideológica para tentar mudar a imagem latifundiária da agricultura capitalista (FERNANDES, 2006, p.54).

Se por um lado o agronegócio seja personificado como símbolo da modernidade por apresentar combinações de uso avançado de tecnologia e biotecnologia, por outro lado, o seu modelo de produção, baseado no arcaico modelo

de plantation e mercado agroexportador, reduziu o número de cultivos destruindo a biodiversidade e além de diminuir a qualidade dos alimentos.

Como se não bastasse, o modelo de produção do agronegócio, totalmente vinculado com a agricultura capitalista, é totalmente diferente da agricultura camponesa. Conforme distingue Welch e Fernandes (2008) o sistema agrícola do agronegócio é organizado pela produção em larga escala, a monocultura, o trabalho assalariado. Enquanto, o sistema agrícola camponês consiste na reprodução do modo de vida do camponês42, na biodiversidade, no trabalho familiar e na produção em pequena escala. Assim, para os autores, existe uma relevância em entender essa diferença que permite perceber a conflitualidade presente entre os dois modelos:

Com esta leitura estamos afirmando que o sistema agrícola camponês não é parte do agronegócio. No entanto, como o capital controla a tecnologia, o conhecimento, o mercado, as políticas agrícolas, os camponeses estão subalternos a sua hegemonia. O campesinato pode produzir, a partir do sistema agrícola do agronegócio, desde que o faça dentro dos limites próprios das propriedades camponesas, no que se refere à área e à escala de produção. Evidente que a participação do campesinato no sistema agrícola do agronegócio é uma condição determinada pelo capital (WELCH, FERNANDES, 2008 p.166).

Leite e Medeiros (2012) ao observarem o perfil do agronegócio percebem duas tendências. A primeira é a intenção de controlar terras e novas áreas cada vez mais extensas. Citam como exemplo, que até o ano de 1995, somente a Cargill destacava- se como uma das maiores empresas de soja no Brasil. Contudo, após dois anos, outras corporações passaram a ter controle como o caso da ADM, Bunge e Dreyfus-Coinbraa (LEITE, MEDEIROS, 2012).

Além disso, Thomaz Junior (2010) demonstra que o agronegócio vem buscando também controlar e/ou ter acesso a terras próximas à nascente de água ou em aquíferos, denominando estas corporações de agrohidronegócio, assim:

Se superficial, se represada, se disponível em aquíferos, a água tem ocupado importância no âmbito das políticas públicas que incidem

sobre transposição – também denominada politicamente por integração de bacias, no caso do rio São Francisco, por meio dos Eixos Norte e Leste -, perenização de rios, construção de açudes, canais e dutos, manutenção de sistemas de bombeamento para irrigação etc. Outra face desse processo é a ação dos capitais privados que também investem em suas estruturas próprias, a fim de garantirem acesso e controle sobre água, mas fundamentalmente usufruem e mantém privilégios à base dos investimentos públicos (THOMAZ JUNIOR, 2010, p.93).

A água tem sido o principal empreendimento capitalista e contribui para o avanço das empresas do agrohidronegócio no Brasil. Segundo Malvezzi (2012) a água como mercadoria ou negócio é tão variável quanto o seu próprio uso no Brasil. Entre algumas de suas utilidades destacamos as seguintes. A energia hídrica é a principal forma de energia e que beneficia as empreiteiras e corporações relacionadas com a construção de hidrelétrica e produção de energia. O uso da água doce na irrigação da cana para a produção de álcool e açúcar. Independentemente do tipo de utilidade da água, todos os seus usos envolvem o interesse do capital financeiro e das multinacionais.

Thomaz Junior (2010) ainda destaca que estas corporações têm elementos disponíveis para o que chama de marcha expansionista dos seus negócios, que vem do mercado. Para o autor, um fator que contribui para a marcha expansionista é o favorecimento das políticas públicas e propriamente pelo potencial do capital privado (THOMAZ JUNIOR, 2010).

A segunda tendência apresentada por Leite e Medeiros (2012) é a concentração de empresas de capital internacional. Por exemplo, Bombardi (2011) baseada no Anuário do Agronegócio 2010, revela que do total da receita líquida de 15 bilhões de reais, oriunda do setor de agrotóxicos, 92% da receita são controladas por empresas de capital estrangeiro, a saber: Syngenta e Novartis da Suíça, a Dupont e Dow Chemical dos Estados Unidos, Bayer e Basf da Alemanha e Milenia da Holanda e

Israel43. Carvalho (2013) chama esta tendência de desnacionalização da economia brasileira, uma vez que, as empresas de capital estrangeiro vêm dominando o capital nacional. Segundo o autor no primeiro semestre de 2012, 167 empresas nacionais foram adquiridas por corporações estrangeiras no primeiro semestre de 2012. Outro fator que merece destaque sobre o controle das corporações no capital nacional, embora já citado anteriormente, é a prática de oligopólios, feita por meio de fusões e aquisições de empresas de diversos setores agrícolas, como do agroquímico, de sementes e de biotecnologia vegetal (LEITE; MEDEIROS, 2012; DESMARAIS, 2013; BOMBARDI, 2011).

Frente ao exposto, concordamos com Carvalho (2013) ao questionar que a lucratividade do complexo agroindustrial é dominada pelas grandes empresas transnacionais e cuja superioridade enaltece e subordina cada vez mais a produção agrícola brasileira aos interesses do capital financeiro estrangeiro.

Desmarais (2013) coloca, como exemplo que Bayer, Syngenta e Basf controlam cerca da metade do mercado agroquímico mundial. Ainda segundo autora, as dez maiores empresas responsáveis pelas sementes controlam praticamente a metade do mercado:

As sementes da Monsanto representam 88% da área total do mundo cultivada com culturas geneticamente modificadas em 2004. A transnacional obteve um domínio de 91% da área semeada mundial com soja transgênica, 97% de milho transgênico, 63,5% dos cultivos de algodão geneticamente modificado e 59% da área plantada com canola (p.76).

Este controle e monopólio aumentam ainda mais o poder econômico e contribuem significativamente com o aumento da desigualdade socioespacial entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos e entre os capitalistas e os camponeses.

43 Bombardi (2011) salienta que os dados citados podem ser exponencialmente maiores, já que,

a Monsanto, considerada como a maior empresa produtora de agrotóxicos, não foi contabilizada nestes dados.

Para Welch e Fernandes (2008) por conta desse controle exclusivo das corporações, as empresas tem uma superioridade e poder de manipulação, através da detenção da tecnologia nos processos de produção.

Por assim, concordamos com Fernandes (2008) ao considerar o agronegócio como um novo tipo de latifúndio. Segundo o autor, o agronegócio não apenas concentra e domina a terra, mas também, o seu controle alcança a tecnologia produtiva. Ou seja, o agronegócio não controla apenas a terra (a propriedade), agora ele, domina a tecnologia de produção. Ao dominar a tecnologia, o agronegócio se sobressai e cria uma relação de subordinação dos camponeses, que passa a depender da tecnologia das corporações. Outro ponto elementar, é que o agronegócio está à frente das políticas de desenvolvimento, no sentido de ser preferencial destas, pois são auxiliados com políticas públicas tendo a aliança entre capital e agronegócio, formando o que Martins (1999) chama de aliança do atraso.

Por assim, o estabelecimento do agronegócio proporciona um aumento e uma variação da conflitualidade, “[...] ampliando o controle sobre o território e as relações sociais, agudizando as injustiças sociais” (FERNANDES, 2008, p.38). No entanto, tal conflitualidade é considerada por Fernandes (2008) como invisível, não por não ser perceptível, mas por quererem ocultá-la. De acordo com o autor, a imagem do agronegócio é construída ocultando os seus verdadeiros interesses capitalistas com a produção de alimentos, que é lucro, e tanto a mídia, como as empresas e o Estado buscam fazer apologia benéfica ao agronegócio criando uma espécie de blindagem com o propósito de esconder sua conflitualidade. Para o autor, a imagem construída sobre o agronegócio é a produtividade e o progresso, tornando-o sagrado e inviolável (FERNANDES, 2008).

Com o agronegócio, o conflito territorial tornou-se mais intenso e as ocupações de terras, tornaram-se alvo de suas preocupações assim, buscaram medidas para tentar despolitizar e desmobilizar a luta pela terra. Segundo Fernandes (2010) a medida tomada foi a criminalização da luta pela terra, que fez com que o Estado não realizasse

a reforma agrária. Explica o autor que as ocupações de terras dos camponeses ferem a lógica capitalista de dominação do agronegócio.

As ocupações de terra ferem profundamente a lógica de dominação do agronegócio e, por essa razão, seus protetores têm investido fortemente na criminalização da luta pela terra, pressionando o Estado para impedir a extensão da luta popular. A mercantilização da reforma agrária visa a controlar o território disponível à agropecuária e limitar as formas de acesso à terra. Na lógica do grande capital, o que realmente interessa é que a forma de acesso à terra seja por meio das relações de mercado, ou seja, de compra e venda. A terra, na óptica do agronegócio, deve estar disponível para servir a seu interesse de maximizar o lucro (p?).

Ainda com o autor, o agronegócio instituiu meios de “demonizar” as ocupações de terras com influências nos meios de comunicação e no poder judiciário. Medeiros (2003) assevera também o poder da bancada ruralista, que exerce forte pressão no congresso para que as medidas políticas favoreçam e assegurem exclusivamente o interesse do agronegócio44.

Fernandes (2010) aduz que o agronegócio modificou as demandas pela reforma agrária. No início da década de 90, a questão agrária trouxe novos elementos, tornando o latifúndio como um problema secundário. Segundo o autor, o obstáculo para realizar a reforma agrária não se deve mais aos latifúndios e agora, é atrasada também pelo agronegócio. Nas palavras do autor:

Para combater as lutas por terra, os defensores do agronegócio criaram uma política de ‘reforma agrária de mercado’. Essa iniciativa fez parte de uma tentativa de despolitizar e desmobilizar a luta popular, jogando-a no âmbito do mercado, em que impera o poder do agronegócio e do latifúndio (FERNANDES, 2010, p.187- 188).

Esta nova configuração da questão agrária demonstra a atual conflitualidade no Brasil. Por um lado, o agronegócio simbolizando a produtividade e o progresso, e por outro, os camponeses, buscando o acesso a terra e a produção camponesa. E que por

44 Para entender sobre a bancada ruralista no Congresso Nacional, cf.: POLESE (2014);

sua vez envolve a reforma agrária de mercado (FERNANDES, 2010; RAMOS FILHO, 2014).

A territorialização do agronegócio significa a desterritorialização do campesinato ou de sua subordinação às empresas.

A conflitualidade presente entre o agronegócio e o campesinato nos revela a disputa territorial entre os dois modos de produção (FERNANDES, 2008). A Via Campesina nasce dessa conflitualidade decorrente da territorialização do agronegócio e das corporações transnacionais. Da mesma forma que a agricultura mundializou, o movimento também saltou escalas e se mundializou. Este movimento camponês internacional vem organizando e realizando Ações Territoriais contra-hegemônicas para enfrentar o agronegócio e seus agentes defensores.