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5.2 O Brasil de Da Costa e Silva

5.2.2 A música no Brasil na época de Da Costa e Silva

O tempo de existência do poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, 1885 a 1950, foi marcado, no panorama musical brasileiro, pela corrente estética do nacionalismo90. Iniciada nas últimas décadas do século XIX, exatamente quando ocorreu o registro do nascimento do homem das letras, essa visão estética se estende até a Primeira Guerra Mundial.

Logo no início do século XX, em 1901, Chiquinha Gonzaga compôs a marchinha carnavalesca “Ó abre alas”, abrindo caminho, realmente, para a música irreverente e cheia de crítica sobre a política. Era o carnaval, principal festa popular brasileira até hoje, século XXI.

Quando Da Costa e Silva completou 35 anos de idade (1920), a sociedade brasileira descobriu algumas opções para as pessoas que estavam localizadas na classe mais baixa da sociedade mudarem de nível social. A música, por exemplo, se tornou uma oportunidade quando pôde ser usada como produto vendável, levando muitos a buscar profissionalização na área a fim de conquistar maior renda, fator primordial da classificação social no Brasil.

Na verdade, não será antes de 1939, com três gerações de músicos, o decair da estética nacionalista. Com a criação do grupo Música Viva, incentivado por Hans Joachim Koellreutter e por Egídio de Castro e Silva, é que se pode dizer que o dodecafonismo de Arnold Schöenberg passou a ter reflexos nas composições de artistas brasileiros.

Da Costa e Silva se inseriu em sua adolescência e na produção de suas primeiras obras, numa sociedade voltada para a expressão popular, para o aproveitamento das canções entoadas facilmente por todos, marcadas por ritmos próprios e característicos da gente simples, como manda a estética nacionalista vigente.

Não se constituiu um caminho fácil e laureado, de imediato. Apesar de artistas de outras paragens européias (espanhóis, russos, poloneses, checos e húngaros) já terem utilizado, com sucesso, o colorido popular em suas produções artísticas (cf. MARIZ, 2000: 113), no Brasil, esta estética sofreu resistência por causa da forte impregnação dos valores europeus anteriores cuja tônica recaía sobre a ópera italiana bem como sobre o Romantismo, a

89 [A música acima de tudo].

90 O Nacionalismo musical é conceituado por Vasco MARIZ (2000: 113) como “música escrita com sabor

essa altura, já considerado “pegajoso”91. Outra fonte de resistência ao movimento nacionalista no Brasil foi a origem negra da maior parte da riqueza musical popular, material a ser aproveitado pelos artistas devotados à nova estética. A sociedade freqüentadora dos concertos tinha um “certo desprezo por tudo o que pudesse proceder do povo” (MARIZ, 2000: 113). A música popular era vista com preconceito: “ ... a vizinhança concluiu logo que o major

aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!”

(BARRETO, 1996: 12). Aliás, este preconceito contra aquilo que é do povo perdurou por tempo prolongado, em terras brasileiras, apesar de se constituir reconhecida fonte de variedade de expressões artísticas.

MARIZ (2000: 113) estabeleceu os parâmetros temporais e as causas da rejeição ao popular: “Na realidade, essa música baseada no folclore já vinha obtendo aplausos na Europa havia talvez uns cinqüenta anos, mas a distância e os preconceitos pós-coloniais atrasam a sua consagração entre nós”.

Foi tão marcante a presença do nacionalismo entre nós que a história da música no Brasil (cf. MARIZ, 2000) classificou, além das três gerações ditas “nacionalistas”, mais duas gerações de músicos como pós- nacionalistas. O termo “nacionalista” percorreu, portanto, desde a época dos precursores do nacionalismo musical: Basílio Itiberê da Cunha, Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno e Ernesto Nazareth (compositores da transição do século XIX para o século XX), até depois do manifesto Música Nova, com a segunda geração pós- nacionalista: Edino Krieger, Osvaldo Lacerda, Esther Scliar e Brenno Blauth (das últimas décadas do século XX). É decorrido um século e meio desde os precursores até a decadência do movimento, que não significa sua extinção, mas a perda de força como movimento predominante.

Da Costa e Silva pertencia à categoria dos jovens que migravam para os centros urbanos maiores (Recife, no seu caso) em busca dos estudos mais avançados; pode-se então afirmar ser ele um poeta situado na época do nacionalismo musical brasileiro. A sua relação com a sociedade, fazendo incursão pelo material disponível, faz- nos olhar a relação escritor versus sua obra como um propagador da música nacionalista a partir do momento em que seu trabalho foi recebido pela sociedade como uma verdadeira sinfonia, como um canto de louvor à sua terra natal e à sua gente.

91 Termo usado por MARIZ (2000: 113). O Romantismo musical na Europa já perdurava desde 1810, segundo

Da vida musical do Brasil, registra-se, ao tempo do nascimento de Da Costa e Silva, a existência do Conservatório de Música do Rio de Janeiro92, o comércio e a fabricação de instrumentos musicais93, além de publicações sobre teoria, história e estética, de autores locais e também traduções. Ainda é marca de época a ópera brasileira em português com o sucesso do paulista Carlos Gomes, na Europa, carregando consigo todo um país desejoso de se afirmar artisticamente no cenário mundial. Enfim, a música nacional encontra seu “habitat” perfeito nas obras pianísticas daquele que incorporou a alma brasileira, Ernesto Nazareth (1863 a 1934). Mozart de Araújo assim se expressou sobre o fenômeno:

As características da música nacional foram de tal forma fixadas por ele e de tal modo ele se identificou com o jeito brasileiro de sentir a música, que a obra, perdendo embora a sua funcionalidade coreográfica imediata, se revalorizou, transformando-se hoje no maior repositório de fórmulas e constâncias rítmico-melódicas, jamais devidas, em qualquer tempo, a qualquer compositor de sua categoria. (Mozart de Araújo – capa do LP “Ouro sobre Azul”

– Ed. Chantecler; execução da Pianista Eudóxia de Barros. Cf. KIEFER, 1977: 121).

José Ramos TINHORÃO (1998: 207 – 304) destacou, para a transição do século XIX ao início do século XX, o momento histórico do Brasil República, da classe média, da vida noturna com seus tangos e cançonetas, além do lundu, do maxixe e do samba94, do despontar das criações do povo, do som do campo na música da cidade. Por outro lado, foi esse o tempo do advento da música como “produto”, no estilo americano (ragtime, fox-trote e charleston), observado na participação da cultura daquele país no Brasil, não somente no plano econômico- financeiro95, mas até no plano ideológico, quando o jazz foi assumido como símbolo da liberdade (Ibdem: 251).

No que diz respeito ao espaço geográfico onde floresceu a vida musical brasileira, considere-se o Rio de Janeiro, a Bahia (o mais antigo centro cultural do Brasil) e São Paulo (com suas escolas de música, comércio de instrumentos musicais e impressos), além da sociedade pró- música. Na virada dos anos 1900, surgiu na cidade de Recife, em Pernambuco, a dança do frevo, evoluída dos passos da capoeiragem feitos pelos “jovens das grandes famílias e por valentões, abrindo caminho para as muitas bandas de música do Recife, desde meados do século XIX” (Ibdem: 225).

92

Cujo decreto de criação é datado de 1847.

93 Como por exemplo a fábrica de pianos de I. Beviláqua e M. Chesnay, datada de 1849. 94 Ritmos tipicamente brasileiros.

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