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3.1 Da literatura comparada

3.1.4 Da análise do vocabulário

O artista não exprime as suas emoções. O seu mister não é esse. Exprime das suas emoções, aquelas que são comuns aos outros homens (...). Assim, o primeiro princípio da arte é a generalidade. A sensação expressa pelo artista deve ser tal que possa ser sentida

por todos os homens por quem possa ser compreendida.

(Fernando PESSOA, 1973: 19)

A função semântica se torna a alma de qualquer que seja o ato de linguagem. A linguagem, como é sabido, não tem outra função senão aquela de aproximar dois sujeitos: o que deseja se comunicar, e aquele a quem é destinado receber a comunicação do primeiro sujeito. “Cada um é livre para dizer o que quiser, contanto que seja compreendido por

aquele a quem se dirige” (COHEN, 1973: 87). Sem entrar no mérito dos textos escritos sem

nenhum interesse de fazer sentido, sem nenhum interesse de serem entendidos (que no nosso entender, ainda assim têm e passam algum sentido, nem que seja de um completo caos), o destinatário do discurso (poético, no caso) deve ter condições de depreender o sentido da comunicação, o sentido deve estar acessível ao sujeito receptor. Isto porque “nenhum texto

existe independentemente da possibilidade de sua leitura” (LOPES, 1994: 438), nem que a

leitura, aqui referida, seja a percepção de uma manifestação do imaginário tomada mesmo no momento da experiência estética. Desta maneira, quando Léopold Sédar Senghor usa em seus poemas vocabulário próprio da cultura serere, desconhecido, portanto, daqueles que têm acesso à língua francesa (língua na qual os poemas estão escritos), ele acrescenta um glossário de termos para que a construção do sentido não seja prejudicada e esteja acessível ao seu leitor.

Então, o que seria o sentido? Na visão que se desenvolve nesta pesquisa, seria o elemento-recurso usado pelo leitor para preencher os vazios deixados pelo autor com o objetivo de construir uma significação. Na concepção de Umberto Eco, a leitura deve possuir uma interpretação. Iser também admite que o texto possui “lugares de indeterminação que o

leitor encontra como vazios que deverá preencher” (idem). Por fim, Lacan, no seu seminário

sobre A carta roubada, de Edgar Allan Poe, tomou o texto como exemplo da verdade (LOPES, 1994: 444), reduzindo-o a um conteúdo, mas, indubitavelmente, constata que “as

fronteiras entre textos constituem enquadramentos precários e provisórios” (idem).

A literatura não seria necessariamente circunscrita a espaços geográficos ou a línguas, mas constituiria uma opção artística para manifestação dos povos, passível de ser observada através de aspectos os mais diversos porque de interesse de também diferentes linhas de exploração textual. Se tomarmos, por exemplo, o vocabulário e a temática musicais, partimos da constatação da presença dos elementos, abordados anteriormente, nos textos para, em seguida, definir aproximações e afastamentos na maneira de tratá-los no intuito de propor uma

leitura de textos literários independente da noção de que eles são obras prontas e acabadas, possuidoras de um sentido a ser depreendido pelo leitor. Nesta perspectiva, consideramos substanciosa a concepção de texto formulada por Beaugrande: “um evento comunicativo em

que convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas” (apud MARCUSCHI, UFPE, 2003),

pois, sendo um evento comunicativo não se submete a uma só possibilidade de recepção, mas adapta-se a objetivos e contextos diferentes.

Portanto, nossa pesquisa não entra na questão da correção sintática, não objetiva verificar se as frases dos poemas correspondem às normas da sintaxe nem se a predicação ou mesmo a proposição é verdadeira ou absurda. Conscientes de que quando buscamos o contexto de uma determinada palavra estamos exatamente verificando os contextos de frases que se formam a partir do termo definido, partiremos do princípio de que os termos selecionados pelos autores brotam do universo de criação que ele evoca e que pode ser percebido pelo apreciador ou pelo estudioso a partir do texto poético. O desejo é de que a aproximação do leitor ou ouvinte com as obras poéticas possa ser motivada ou conduzida pela música, elemento ao mesmo tempo catalisador de sentimentos e neutralizador de diferenças lingüísticas e culturais.

Focaliza-se, por esse ângulo, a obra literária, partindo daquilo que professor Janilto ANDRADE (2002: 105) chama de sedução pela qual passa o sujeito- leitor num primeiro contato com a obra. Após o contato com a forma em que se apresenta o poema, as palavras usadas no texto vão provocar a construção do sentido daquela obra para o leitor, a partir das referências socioculturais e da realidade afetiva que ele (o leitor) possui. Por certo, “cada

leitura potencializa um diferente aspecto do universo de sentidos possíveis de uma obra literária” (Ibdem: 114). Sem dúvida, as imagens sonoro- musicais evocadas pelo texto podem

propiciar uma leitura de identificação e de atração ao leitor.

Concretamente, os recursos técnico-semânticos usados para a análise do vocabulário e dos temas musicais na obra de Whitman, Da Costa e Silva e de Senghor são na ordem de, primeiramente, agrupar os “sememas”52 pelo aspecto “conjuntivo”53. Busca-se, por exemplo, juntar sob uma “palavra-cobertura” ou “arquilexema”, como é o caso de “formas musicais”, palavras irmãs como: canção / song / chanson; ou marcha / march / marche. Grupos de

52

Denominação adotada por Salvatore D’ONOFRIO (2000b: 32 e ss) para palavra, ou “um efeito de sentido” composta por unidades de sentido, chamados “semas”. Um semema pode se apresentar sob forma de um lexema (“casa”), de um paralexema (“azul-marinho”), ou de um sintagma (“as crianças alegres”; “ a casa é uma moradia”).

53 De acordo com Salvatore D’ONOFRIO, é o aspecto pelo qual uma determinada palavra “se liga a outra

palavras irmãs como os anteriormente citados constituem as isotopias54. Dessas isotopias, a análise progride rumo ao contexto, chamado ainda por Salvatore D’ONOFRIO de contexto “paradigmático”, aquele que é “fornecido pela cultura, que é o saber comum de um grupo

social derivado do conhecimento de uma pluralidade de códigos (científicos, artísticos, éticos, sociais, religiosos), e possuído pelo emissor e pelos receptores qualificados” (2000b:

37 – 38). Não seria o caso de se buscar fatos da história dentro do texto, mas de refletir sobre que relações se estabelecem com o exterior, a partir do próprio texto.

No contexto paradigmático não se volta apenas para o sentido que a palavra assume no texto, mas, abre-se para a visão de mundo, extrapola os limites do texto e “fornece a significação, o ‘sentido para’” da referida palavra (semema). Por exemplo, o contexto paradigmático do “tam-tam”, na cultura africana.

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