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3.1 Da literatura comparada

3.1.2 Da poética

Os estudos de poética44 iniciam, geralmente, com a exploração dos elementos estruturais do poema, principalmente, pelos compostos matemáticos expressos no número de estrofes, no número de versos, na escansão dos versos – enfim, a chamada versificação. Sem desprezar a importância inquestionável dos conhecimentos da versificação para estudos específicos, deseja-se aqui partir da afirmação de Jean COHEN (1973: 46) de que “o verso

continua sendo até hoje o veículo corrente da poesia”, para buscar a poesia da música,

inserida nos textos dos poemas. É na direção das emoções provocadas pela música que se pretende caminhar , seguindo um pouco pelo rumo indicado por Armindo TREVISAN (2001: 270) nas suas últimas colocações do livro: “são essas emoções, que não o abandonam nunca,

que a poesia deve expressar, preocupando-se de que nos surpreendam com a mesma novidade com que aparece um rosto no mundo”. Com certeza, pela escassez de estudos na

área, a música aparecerá como esse rosto surpreendente no mundo da leitura de poemas. O primeiro discernimento que se precisa ter em mente, visto que esta pesquisa parte de uma leitura de poemas, é o próprio conceito de poema. Considerando-se que a literatura, no seu stricto-sensu, diz respeito ao “emprego artístico da palavra” (ANDRADE, 2002: 13), o poema, sendo um gênero literário, será aquele texto que é impossível de ser analisado apenas a partir da lógica do pensamento racional (cf. p. 13-14). Sendo artístico, o poema é aquele texto que “cria a própria gramática e o próprio dicionário (PIGNATARI, 1987: 17) e sua

própria lógica, a lógica da imaginação” (ANDRADE, 2002: 14).

videocassetes, música popular no rádio e CDs está irreversivelmente substituindo, ou pelo menos, transformando culturas locais em todo lugar. As diferenças locais mais profundas permanecem, mas a cultura superficial está marcadamente a mesma no mundo. O poder desta cultura para corroer diferenças locais é tão grande que faz alguém ficar extremamente ansioso acerca da possibilidade de realçar ou de desenvolver aquelas especificidades que parecem a condição humana normal e própria].

Mas, o conceito de poema está, de acordo com Jean COHEN (1973: 12), vinculado ao de equívoco porque, sendo esse texto tradicionalmente caracterizado por uma forma escrita em versos, distinta nitidamente daquele texto em prosa, permite serem incluídos nas suas fileiras os chamados “poemas em prosa”,45 o que seria um verdadeiro contra-senso por definição. O anseio aqui se dirige para um outro aspecto da poética que não esse de distinguir poemas de textos em prosa, tratar-se-á mais especificamente do aspecto semântico dos poemas que mesmo do aspecto fônico. Não é, portanto, pretensão desta pesquisa deter-se apenas no âmbito dos recursos sonoros da linguagem poética.

A opção é explorar o outro nível da linguagem, a riqueza do léxico sonoro- musical nos poemas. Isso porque em busca de um diálogo entre literatura de culturas e de épocas diferentes, o emprego de palavras tais (neste caso, relacionadas com a música) e não de outras deixa entrever a importância que a arte musical assume para a abordagem de um texto, a carga de possibilidades comuns que sua presença pode estabelecer, ao mesmo tempo em que permite constatar especificidades do imaginário de cada poeta. Não é à toa que o brasileiro Da Costa e Silva seleciona a palavra “cantigas” para colocar em evidência o choro de sua mãe, metaforizado nas águas do rio que cantam (“Saudade”, p. 75). Ademais, é uma riqueza descobrir que também o poeta senegalês Léopold Sedar Senghor se refere à saudade, especialmente em “Élégie des Saudades” (p. 203), no mesmo sentido que esta palavra assume nos poemas do poeta brasileiro.

Enquanto leitura, o primeiro contato que temos com a obra lírica dos autores se faz através da configuração gráfica dos poemas. Portanto, o paratexto, desta vez o título, será o primeiro elemento a chamar a atenção do leitor (sobre a titrologia dedicamos uma parte especial, a seguir). Depois do título, vêm as palavras e expressões do poema, a magia do vocabulário sonoro- musical, enfim, a “análise da escolha lexical realizada pelo poeta” (D’ONOFRIO, 2000b: 21), no sentido definido pelo próprio professor Salvatore D’Onofrio para a função da linguagem poética: “é falar não ao nível de conceitos, mas ao nível de

realidades, presentificando objetos denominados e mostrando-os sob um aspecto nov o e surpreendente” (idem).

Se tomarmos como referência a divisão didática em cinco estratos46 que faz ainda o professor Salvatore D’Onofrio, no momento de introduzir a abordagem da teoria da lírica, daremos ênfase a dois deles: o léxico e o semântico.

45 Classificação de Jean COHEN (1973:13) composta de três tipos de poemas: “poemas em prosa”, “poemas

fônicos” e “poemas fono-semânticos”, também chamada de “poesia integral”.

Por certo, esses elementos do léxico de cada autor poderiam ser considerados como característicos do estilo próprio de cada um, tomado em consonância com Jean COHEN (1973) como um desvio da norma definida como sendo a prosa, por se constituir “a

linguagem corrente” (p. 15). Seria o estilo o “desvio individual em relação a uma norma”, de

Leo Spitzer (apud COHEN, idem, p. 16), ou ainda, seria o próprio complexo da pessoa humana, no dizer de Buffon: “O estilo é o próprio homem” (apud COHEN, idem, p. 16). Ultimament e, o estilo apresenta diferenças de acordo com os igualmente diferentes caminhos seguidos pelas poéticas que, por sua vez, são determinadas pelo “corpo de razões que

delimitam uma concepção do artístico” (ANDRADE, 2002: 33)

Um poema pode, então, ser observado e, por conseguinte, analisado por diferentes óticas, de acordo com interesses ou contextos diversos. Por exemplo, durante o período do Classicismo, perdurando a prática de seus seguidores, a análise do poema era predominantemente feita a partir de sua estrutura física: quantas estrofes, quantos versos, quantas sílabas, seguindo-se pelo tipo de sonoridade usada na rima. Por outro lado, havia ainda o problema das fontes literárias – o importante era classificar o autor dentro de uma filiação histórica. Atualmente, podemos dizer que o interesse se volta para os aspectos sociológicos, para o sentido que assume determinada expressão na cultura receptora da obra de arte – a recepção. As ciências entram em diálogo com a obra literária, interrogam- na. As artes se entrelaçam numa complementaridade em favor da invenção poética, que, por sua vez, acontece no momento em que são criadas as figuras, as imagens. No caso da música, quando o poeta, utilizando o léxico próprio da música, transporta o leitor para a posição de ouvinte e traz à sua presença imagens musicais, evoca sentimentos de sua existência, provocando, nos leitores/ouvintes, uma atração que é própria dessa arte.

Pode-se estranhar o fato de se pretender tratar da semântica em poemas, mas, esta proposta se fundamenta, primeiramente, no fato de que o poema é linguagem e, por conseqüência, portador dos dois níveis próprios a ela: o fônico e o semântico. O fato do poema sempre portar um sentido, significar algo, é semântico. Não se pode, conseqüentemente, eliminar a mensagem poética, elemento que ganha destaque essencial quando se trata da recepção da obra de arte. O desejo é determinar como prioridade a leitura no sentido da significação, até para não extrapolar os limites previstos para esta pesquisa. Concordamos com ANDRADE (2002: 51) que “o estilo de uma obra literária deve ser

analisado, levando-se em conta, simultaneamente, esses níveis: da expressão e da significação”, principalmente quando o citado autor afirma a existência de uma “perfeita

interação desses dois planos” e a feitura da análise “sem que se tenha, necessariamente, de determinar onde começa um e onde termina o outro”.

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